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ECOS DA DITADURA
Vito Miracapillo deixou país sob mesma lei que Lula usou contra jornalista; processo é acompanhado por Frei Betto
Expulso em 80, padre ainda aguarda anistia
VIRGILIO ABRANCHES
DA REDAÇÃO
Expulso do Brasil em 1980, durante a ditadura militar -sob a
mesma lei que foi utilizada pelo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar banir o jornalista
Larry Rohter-, o padre Vito Miracapillo, 59, hoje vive na cidade
de Canosa, no sul da Itália, à espera da anistia para poder voltar definitivamente ao país. E, segundo
ele, uma das pessoas que está
acompanhando o caso e tentando
ajudá-lo é justamente um assessor especial e amigo pessoal do
presidente Lula: Frei Betto.
"Eu, logo que soube da vitória
do Lula, liguei para Frei Betto para dizer que o caso ainda estava
suspenso, que ainda havia a sentença do Supremo [Tribunal Federal]. (...) Ele disse que iria
acompanhar", disse Miracapillo à
Folha, por telefone.
A reportagem tentou falar com
Frei Betto para saber se ele realmente estava acompanhando o
caso. A assessoria de imprensa do
assessor de Lula afirmou que ele é
amigo do padre italiano, mas não
soube confirmar se ele acompanha o processo de anistia. A assessoria ficou de checar a informação com Frei Betto, mas não deu
resposta ao pedido.
Miracapillo, que vivia no Brasil
desde 1975, foi expulso do país
porque, em setembro de 1980, se
recusou a celebrar uma missa comemorativa pela Independência
do Brasil, em Ribeirão (PE) -onde era pároco-, alegando que
não acreditava que o povo brasileiro fosse independente. O padre
foi denunciado pelo deputado Severino Cavalcanti (PDS-PE) ao
ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Em 15 de outubro, o então
presidente, o general João Baptista Figueiredo, assinou a expulsão,
usando como fundamento legal o
recém-aprovado Estatuto do Estrangeiro (a lei nš 6.815), a mesma
base legal para expulsar Rohter.
O jornalista americano, correspondente do jornal "The New
York Times", teve seu visto de
permanência no país cancelado
após ter publicado reportagem
dizendo que Lula comete excessos no consumo de álcool, o que
seria "preocupação nacional".
Miracapillo foi cuidadoso ao comentar o fato de o presidente Lula
ter tomado, nesta semana, uma
medida semelhante à que foi usada na ditadura para puni-lo. O padre afirmou não ter "muitas informações" sobre o caso, mas disse acreditar que a medida não se
justifica. "O problema é ver o que
está em jogo. Mas não creio que
justifique uma medida de expulsão. Há outras coisas que podem
ser feitas para, eventualmente,
punir sem chegar a uma expulsão", declarou o padre.
"Eu li uma notícia num jornal
aqui da Itália dizendo que o Lula
tinha expulsado um jornalista dos
EUA. Não sei quais são os instrumentos jurídicos para tomar uma
medida nesses casos, mas acho
que uma expulsão é sempre um
problema", completou.
Desde que foi banido, Miracapillo só pôde voltar em 1993, ainda
apenas como turista, quando o
presidente Itamar Franco revogou o decreto de expulsão. Após a
decisão de Itamar, o padre disse
que já veio ao país cerca de dez vezes. "Eu ainda estou ligado ao povo da paróquia, da diocese, e ainda há todos os amigos, que, quando vinham para a Itália, passavam
pela minha casa para me dar solidariedade." No entanto, ele ainda
não pode permanecer no país
porque aguarda a anistia a ser
concedida pelo Supremo.
"Triste"
Miracapillo relembrou ainda o
momento da expulsão e classificou o episódio como "triste". Relatou que foi levado pela polícia
de Recife ao Rio de Janeiro, onde
ficou numa área subterrânea do
aeroporto. Depois, foi levado a
Brasília, de onde partiu para a Itália. "Comigo ocorreram coisas
que não eram justas, porque eu só
fazia era defender os direitos do
povo. E me expulsaram por isso.
(...) É claro que a expulsão sempre
compromete a história e a vida de
uma pessoa."
No entanto, o padre ainda consegue enxergar pontos positivos
no episódio. "O diálogo que se levantou em nível nacional foi algo
positivo, que amenizou o drama
da expulsão, no sentido que os
camponeses receberam o direito à
terra pela qual estavam lutando e
as coisas mudaram no relacionamento entre o povo e o poder."
Ao analisar o fato 24 anos depois, o padre afirma que serviu
para mostrar, naquela época, que
ainda não existia um movimento
consistente para a reabertura democrática, como pregava Figueiredo. "Foi um caso que mostrou o
relacionamento entre o Executivo
e o Judiciário e para testar também tudo aquilo que a ditadura
dizia sobre a abertura democrática que o país estava vivendo. E demonstrou que havia ainda muito
a se fazer pela abertura."
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