|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NO PLANALTO
Alcoolismo marca três gerações dos Silva
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A notória "reportagem" do
"New York Times" fez rosnar as vozes interiores de Lula. O
texto revolveu porões recônditos
da alma do presidente. Ali se esconde, soterrado por densas camadas de reminiscências, um cemitério de garrafas.
Aristides Inácio da Silva é, entre
os espectros que vagueiam pelos
subterrâneos da memória de Lula, o mais vivo. Teve fim melancólico. Foi abandonado pela família. Sobrou-lhe a solitária companhia do copo. Foi à cova como indigente.
Lula e os irmãos souberam da
morte do pai por carta. A notícia
chegou com atraso de 12 dias. Um
coveiro se dispôs a desenterrar o
morto, para que fosse chorado retroativamente. Lula não quis. O
irmão Genival Inácio da Silva recorda-lhe a frase: "Não adianta,
já morreu. Deixa como está".
"Meu pai bebia sempre", diz
Vavá, como Genival é chamado
na intimidade familiar. "Tomava
pinga. Depois passou para o conhaque, que era melhor. Depois
passou para a cerveja, que era
melhor. Se pudesse beber 50 pingas, ele bebia."
José Ferreira de Melo, o Frei
Chico, irmão que seduziu Lula
para o sindicalismo, lembra: "Deram uma facada nele, uma vez.
Foi por causa de cachaça [...]. O
cara cortou a barriga dele. Ele
quase foi para o espaço. Teve que
tirar um rim fora. [...] Meu pai
era um homem razoavelmente
forte. O que acabou com ele foi a
cachaça".
Aristides não deixou saudades.
Em vida, fora um genitor cruel.
Um episódio marcou o presidente. "Com a maior ignorância do
mundo", conta Lula, "[Aristides]
pegou uma mangueira, pegou o
Frei Chico -o coitadinho estava
trocado para ir para a escola-,
deu-lhe uma surra! O coitado urinava nas calças de tanto que apanhava."
Lula prossegue: "Quando terminou de bater nele, veio bater em
mim. Minha mãe não deixou. Aí
ele deu uma mangueirada na cabeça dela e isso foi o começo do
processo de separação da minha
mãe e do meu pai".
Jaime Inácio da Silva, mais velho dos sete irmãos do presidente,
não teve a mesma sorte. "Eu apanhei como cachorro", conta. Marceneiro aposentado, Jaime herdou, por assim dizer, a vocação
etílica de Aristides. Nas palavras
de Lula, ele "está doente de cachaça". Segundo Frei Chico, "está
bebendo como o diabo".
Certa vez, o alcoolismo levou
Jaime ao hospital. Ele próprio resume assim a estadia hospitalar
de 12 dias: "Até hoje eu não sei
por que estive internado. Não sei
se foi por causa de cachaça demais. Vai ver que a verdade é essa".
Eurípedes Ferreira de Melo, a
dona Lindu, mãe de Lula, desabou de Caetés (PE) para Santos
(SP) movida pela esperança de recompor a família. Ao chegar, descobriu que teria de dividir o marido com uma prima. Valdomira,
apelido Mocinha. Em segredo,
Aristides a trouxera para São
Paulo. Lindu fugiu de casa com os
filhos.
A mulher postiça tampouco
aturou Aristides. "A dona Mocinha também não agüentou ele.
Meu pai bebia. Agüentar bêbado
é difícil", diz Marinete Leite Cerqueira, irmã do presidente. "Meu
pai era um verdadeiro cavalo",
acrescenta Maria da Silva, a Maria Baixinha, outra irmã de Lula.
"Não era um ser humano. O Vavá
foi um que apanhou muito dele."
Estamos folheando o livro "Lula
-o Filho do Brasil". Não é obra
de nenhum "americano irresponsável". Escreveu-o a jornalista
Denise Paraná. Foi impresso, em
dezembro de 2002, pela editora
Fundação Perseu Abramo, do PT.
É a mais completa biografia do
ex-sindicalista. Coisa minuciosa.
Reproduz depoimentos gravados
de Lula, de seus irmãos e amigos.
O presidente posou para a foto da
capa.
A conjuntura encaminha nossa
ênfase para o teor alcoólico dos
testemunhos que recheiam o livro. O tema foi injetado na ordem
do dia pela "reportagem" de
Larry Rohter. Acolhido pelo "New
York Times", o texto levantou a
suspeita de que a Presidência de
Lula é movida a álcool.
Como peça jornalística, o trabalho de Rohter é precário. Baseou-se em mexericos anônimos e em
fontes temerárias. Ganhou imerecida sobrevida graças à reação
amalucada do Planalto.
Embriagado pelo poder, como
que determinado a aprimorar as
próprias deficiências, Lula expôs
seus pendores imperiais. Mandou
cassar o visto de trabalho de Rohter, expulsando-o do Brasil. A decisão ficou de pé por menos de 24
horas. Derrubou-a, em decisão liminar, o STJ.
Sem querer, o texto de Rohter
buliu nos traumas interiores de
Lula. São dores psicológicas que,
recuando na genealogia, alcançam um outro fruto que pende da
árvore dos Silva. Chama-se Otília. É a avó materna do presidente.
"Minha vó, coitada, bebia uma
cachaça!", lamenta Lula. "Quantas vezes meus irmãos tiveram
que pegar ela dormindo no meio
do mato, na estrada, na beira do
asfalto. [...] Ela bebia muito, muito."
"Tomava muito a velhinha",
ressoa Vavá. "Era uma costureira
de primeira qualidade. Mas tomava uma cachaça! Caía no barreiro e ficava gritando para a gente ir acudir ela. Morreu de idade e
um pouco de pinga também."
E quanto a Lula? Difícil caracterizá-lo como alcoólatra. Fácil, porém, constatar que não é avesso
ao copo. Bebe desde a mocidade.
Quem conta é o melhor amigo do
presidente, Jacinto Ribeiro dos
Santos, o Lambari.
"Adoro o Lula. Ele para mim é
que nem um irmão [...] A gente ia
comprar uma pinga e bebia meio
a meio, a gente não tinha dinheiro. Cigarro também era meio a
meio."
Por mais que a exposição do hábito irrite o presidente, a condição
de político legitima a curiosidade
jornalística. E, a julgar pelo depoimento que deu a Denise Paraná, a política é a cachaça de Lula.
O presidente disse: "A verdade é
o seguinte: política é como uma
boa cachaça. Você toma a primeira dose e não tem mais como parar, só quando termina a garrafa". Tintim.
Texto Anterior: Imagem externa: Argentinos admiram a severidade de Lula com EUA Próximo Texto: Toda Mídia - Nelson de Sá: Mal-entendido Índice
|