|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
Tim e os outros
Pela pessoa , pelo profissional
e pela atrocidade atordoante
de que foi vítima, o repórter Tim
Lopes justifica toda a emoção
emergida do seu desaparecimento. Não se justifica, porém, o sentido dado a grande parte dessa
emoção, criador de ficções perigosas como o surgimento de uma espécie de terror contra jornalistas,
ameaças à liberdade de imprensa
e risco para a democracia.
Em qualquer lugar do mundo,
ameaçar a segurança de um foco
de bandidagem sujeita a riscos,
inclusive o de morte. Risco que
não advém só da criminalidade
instalada nas favelas, mas de vários outros gêneros de máfias, que
podem ser de empreiteiros, de policiais (caso do ex-coronel e ex-deputado Hildebrando Paschoal,
que matava com motosserra no
Acre), de bicheiros, a do combustível adulterado e, tantas vezes, de
políticos corruptos.
Terror contra jornalistas há na
Colômbia, onde muitos têm sido
caçados e mortos, ou pela guerrilha de esquerda, ou pela guerrilha
direitista.
A liberdade de imprensa está
reprimida, sim, mas não pela
bandidagem favelada. Está sempre reprimida por muitos jornalistas e certos proprietários de mídia, com suas práticas diárias de
deformação e sonegação de informações, por sujeição a interesses
oficiais ou particulares, como por
conveniências materiais diretas.
E de que fronteiras da democracia se trata, ao falar da criminalidade produzida nas favelas? Os
direitos dos pobres em geral são
mesmo aqueles conferidos pela
Constituição?
Em sete anos e meio de um governo que se diz construtor de um
grande futuro, o que foi feito para
reduzir as fontes de onde brota,
em quantidade crescente e cada
vez mais letal, a criminalidade
urbana? Nem aquilo a que se dedicou por tanto tempo, e com tantos sacrifícios para a população e
o país, foi feito: bastou que meia
dúzia de mafiosos financeiros e
outros tantos políticos se lançassem no terrorismo eleitoreiro, já o
governo teve que correr para se
refugiar no colo do FMI e aumentar em monumentais US$ 10 bilhões a dívida com que deixa o
Brasil sufocado.
Nada foi ou é feito para reduzir
as fontes da criminalidade e, pior,
é muito o que estimula seu crescimento e ferocidade. Duas manchetes internas, ambas dos últimos dias, nos dois jornais mais
importantes de Rio e S.Paulo:
"Receita do comércio na década
de 90 cresceu 60% e o salário caiu
22,5%" (Globo) e "Indústria de
SP demite mais do que contrata".
Dois pequenos e repetitivos adendos ao que se lê dia após dia, ano
a ano, sobre a construção da realidade que Márcio Pochman assim resume, na mais recente das
contribuições excelentes que vem
dando para pensar-se o presente e
o futuro: o Brasil é o segundo país
do mundo em quantidade de desempregados.
Isso não decorre, é claro, da dimensão populacional, porque há
países com população equivalente ou maior e nem por isso com 14
milhões de desempregados. À
parte a gravidade do ponto de vista humanitário, quando se fala
do desemprego e da consequente
falta de perspectiva, mesmo que
mínima, para a juventude pobre,
o que se está exprimindo é a existência de uma condenação de
muito dessa massa a um ambiente embrutecedor, em que tudo o
que é humano vai se degradando
até reduzir-se, no extremo já banal, à própria matéria e seu instinto, sem emoções, sentimento
ou qualquer noção.
Cidades como Rio e S.Paulo estão transformadas em depósitos
de pobres. Resultado de um processo. Diante do qual, tudo o que
a mídia fez e faz são ondas de sensacionalismo. É a exploração
mercantil-emocional de um ou
outro episódio. As políticas e não-políticas geradoras da degradação ficam intocadas. Para rechear
o sensacionalismo, a falsa defesa
do interesse público escala um
culpado, assim proporcionando a
conveniente guarda a quem tenha real responsabilidade pela
degradação social e pela omissão
nas restrições à criminalidade.
Agora mesmo, a Associação Paulista de Magistrados precisou publicar "Nota de Repúdio" a um
artigo em que os juízes de S.Paulo
são acusados de melhorar seus
vencimentos "com gordas propinas pagas pelas quadrilhas".
O sensacionalismo que se vale
da tragédia de um jornalista sério
como Tim Lopes é mais um momento típico da mídia brasileira
em relação à criminalidade. Tão
poucos dias depois do desaparecimento de Tim, um casal foi também preso, torturado e assassinado quando entregava uma cesta
de café da manhã no dia dos namorados, nas cercanias de uma
favela no subúrbio carioca ironicamente chamado Piedade. A jovem e marido que, guarda penitenciário, ocupava-se de um trabalho complementar, seriam menos humanos do que jornalistas?
A tortura e morte de que padeceram seriam menos revoltantes?
Sim, a julgar pela maneira muito
discreta com que o caso foi tratado na mídia do Rio. Talvez para
não desconcentrar a exploração
do outro caso.
É fora das favelas que está a
maior parcela da responsabilidade pelo aumento incontrolado da
violência urbana. E, nesta parcela, grande parte não é gerada nas
cidades mais presentes no noticiário, S.Paulo e Rio. Mas não só
nelas o tempo se encurta para a
ação e se estreitam as possibilidades de ainda reverter a criminalidade, antes que venha a provocar, então verdadeiramente,
ameaça ao que aqui se chama democracia.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: No planalto: Saiba por que você fará gol contra na Copa presidencial Índice
|