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JANIO DE FREITAS
Tim-tim por tim-tim
Compras da Presidência da
República sempre suscitaram interesse. No governo anterior, os esbanjamentos passaram
a provocar, também, indignação
de uns e ainda mais omissão de
outros. As compras da nova Presidência, com seus ingredientes
inesperáveis, começaram por
criar os já manifestados espantos
vários. E nisso poderiam ficar,
não fora a longa carta da Presidência, na Folha de anteontem,
com o propósito um tanto irritado de demonstrar que as compras
"primam pela transparência". A
menos que seja a transparência
das 600 taças de cristal listadas
nas compras, é justamente a opacidade da operação que reanima
certas curiosidades, impertinentes embora.
As taças, por exemplo. O preço
proposto pode estar correto, os refinamentos exigidos talvez atestem bom gosto, mas, convenhamos, 600? O governo do "Fome
Zero" está com interessantes disposições gastronômicas. Onde foram parar, porém, as taças que
integravam o acervo, notoriamente farto em dimensão e luxo?
Quebraram-se às centenas ou foram furtadas? Se não, como justificar as seis centenas da compra
atual?
É uma curiosidade insignificante, sim, mas que leva a outra um
pouco menos: por que, na sua longa afirmação da transparência
governamental, a Presidência
omitiu as indispensáveis referências aos jogos de cristal e de talheres, a tantos roupões necessariamente "em algodão egípcio" (inclusive em tamanho extra-grande, para a família presidencial?),
toalhas obrigatoriamente de
cambraia, com bordados só aceitáveis se feitos à mão?
A irrelevância dessa questão desaparece ao notar-se que o esclarecimento/sem esclarecimento é
parte de duas peculiaridades do
atual governo: sua falta de transparência, em nada diferente do
que tanto criticou, e suas más relações com o jornalismo.
Não pode se pretender transparente o governo que se volta contra toda a história política dos
seus principais integrantes, a pretexto da "gravíssima situação encontrada", e não proporcione a
quem o elegeu em boa fé nenhuma demonstração do que afirma,
nem uma só palavra que ao menos tentasse justificar a transfiguração. Gravíssima a situação já
era há anos sem conta, e disso
mesmo se fizeram o PT e as candidaturas de Luiz Inácio Lula da
Silva. E, claro, afinal a sua vitória.
Lula e o governo não foram surpreendidos, e, quando o insinuam ou dizem, só o fazem para
não dar transparência à estratégia que escolheram.
Não pode se pretender transparente o governo cujos principais
integrantes estavam todos, até há
pouco, sob a recomendação de
não conversar com jornalistas. Já
estão abertas algumas exceções,
selecionadas segundo as demonstrações, digamos, de boa vontade
de determinados jornalistas. Mas
as duas atitudes são igualmente
próprias da falta de transparência de um governo: o acesso é
aberto a alguns selecionados com
o objetivo de usá-los, e não de tornar o governo mais permeável à
função jornalística e, assim, mais
transparente para todos os cidadãos.
É bom que a Presidência compre 600 taças de cristal. Será um
modo -o seu modo- de lá introduzir alguma transparência
cristalina.
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