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Presidente da Câmara afirma não considerar imoral ou irregular uso de servidores nos Estados
Cargos especiais não mudam, diz João Paulo
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
O presidente da Câmara dos
Deputados, João Paulo Cunha
(PT-SP), disse não considerar
imoral ou irregular a utilização de
pessoas que ocupam CNEs (Cargos de Natureza Especial) para tarefas em redutos eleitorais de deputados que integram a Mesa da
Câmara. Ele não pretende alterar
as atuais regras porque, segundo
ele, elas não impedem esse tipo de
trabalho.
O presidente da Câmara disse
que poderá tomar providências
caso seja feita alguma denúncia
contra funcionário que, nomeado
como CNE, não esteja trabalhando, o que configuraria um desvio.
Segundo João Paulo, problema
haveria se os CNEs não estivessem trabalhando. Sobre o uso, em
gabinetes e lideranças parlamentares, de CNEs lotados nas comissões permanentes da Casa, João
Paulo afirmou que é preciso avaliar caso a caso.
Leia a seguir trechos da entrevista que foi concedida à Folha na
última quinta-feira no gabinete
da presidência da Câmara, em
Brasília.
Folha - Que providência o sr. e a
Câmara irão tomar a respeito da
atuação dos CNEs?
João Paulo Cunha - Primeiro eu
queria dizer que não dei entrevista antes [à Folha] porque estava
muito envolvido com a votação
da reforma da Previdência. Na semana passada, gastamos dois dias
até muito tarde [no plenário]. Na
quinta-feira, fiquei muito esgotado. Na sexta, tive reunião com os
governadores. No domingo, fui
para o Uruguai e acabei, por absoluta falta de tempo, não conversando [com o jornal]. Estou
acompanhando as reportagens
com bastante cautela para depois
a gente ver em que a gente vai poder tomar de iniciativa. Mas, por
enquanto, nenhuma.
Folha - Os CNEs são cargos necessários?
João Paulo - A Câmara tem um
quadro de funcionários efetivos,
tem os funcionários dos gabinetes
e depois criou uma quantidade de
cargos, que não são do deputado,
relacionada a uma determinada
função [que o deputado exerce].
Uma atribuição a mais. Mesa, lideranças. No caso das lideranças,
há uma tabela proporcional ao tamanho da bancada. Dependendo
da bancada, haverá um número
de CNEs. O PT, por exemplo, é a
maior bancada e deve ter 52
CNEs. Você tem essa parte da estrutura da Câmara que é estritamente de confiança da função que
o deputado se investe em determinado momento e circunstância. Portanto não pertencem a
mim e a ninguém os CNEs. Pertencem à função. As lideranças
têm, todas as comissões permanentes têm, as especiais, as comissões de inquérito, o procurador, o
conselho de ética, o ouvidor, a
Mesa. E existem CNEs na Casa
que exercem funções administrativas. Nesse caso, o caminho natural será esgotá-los por meio de
concurso.
Folha - Quantos CNEs estão hoje
na Casa?
João Paulo - Todos estão na Casa.
Folha - As reportagens da Folha
mostraram vários deles vivendo nos
Estados.
João Paulo - Eu não sei a opinião
de vocês, mas vocês não acham
razoável que o presidente da Câmara tenha dois, três, quatro ou
cinco funcionários a mais para lhe
dar suporte no Estado de origem?
Folha - Mas o regulamento dos
CNEs diz que eles deviam estar lotados na Casa.
João Paulo - Isso é uma interpretação. Você poderia ser tão rigoroso a ponto de chegar a essa conclusão, mas não é absoluta essa visão. Porque, na realidade, quando
você coloca um CNE designado
para cumprir uma função, ele pode, de repente, para cumprir
aquela função relacionada a determinado cargo, estar em outro
lugar, não tem problema. O erro
seria se a pessoa não estivesse trabalhando. Se ele estiver registrado
e não estiver trabalhando, esse
sim tem de ser punido, demitido
sumariamente.
Folha - O sr. não vê problema nenhum no fato de CNEs lotados na
área administrativa da Casa trabalharem nos Estados?
João Paulo - Mas não estão lotados na administração da Casa.
Uma parte dos CNEs fica na administração mesmo. Eu estou lhe
dando um exemplo, minha secretária tem um CNE. Fora isso, na
diretoria geral da Casa há alguns
CNEs. Na Secretaria de Comunicação, se você for lá, há vários jornalistas que são CNEs.
Folha - A atribuição da Mesa não
é administrativa? Cada secretaria
não tem uma função específica?
João Paulo - Não, claro que não.
Não é só administrativa. Nenhum
deputado exerce uma função somente administrativa.
Folha - Se é política, por que então esses CNEs...
João Paulo - Eu não estou dizendo que é política. Estou dizendo
que não é só administrativa a função do deputado que tem qualquer cargo. Vejamos na Mesa. O
presidente pode ter alguns cargos,
um, dois, três, quatro, cinco, que o
auxiliem. Veja bem, qual é o problema? Eu sou um deputado normal em São Paulo e tenho a minha
estrutura de deputado, mas quando eu viro presidente, o meu trabalho multiplica por cem, do ponto de vista administrativo e do
ponto de vista político. O presidente da Câmara chega a São Paulo, eu não estou falando do deputado, não tem um motorista, um
segurança, uma secretária, um assessor para nada. O cargo do meu
gabinete de deputado continua
fazendo o trabalho de deputado.
Agora, alguns fazem o meu trabalho de presidente. Será que isso é
injusto? Eu não acho que seja.
Folha - [Os CNEs] podem acompanhá-lo, mas estar baseados ali o
ano inteiro, esperando o sr.? O sr.
vai quantas vezes a Osasco (SP)?
João Paulo - Eu vou... tem mês
que eu vou uma vez por semana.
Toda semana, praticamente.
Folha - E durante a semana, eles
ficam no seu aguardo?
João Paulo - Não. Não ficam no
meu aguardo. Ficam fazendo coisas para mim. Se eu lhe mostrar a
agenda que eles fazem, você vai
ver o quanto que eles trabalham.
Folha - Todos eles declararam
que o trabalho é político.
João Paulo - Mas é político mesmo.
Folha - O sr. pretende rever o ato
número 11, que regula a frequência do CNE e autoriza o titular da
área a liberar ou não o ponto?
João Paulo - Se você tem o servidor que é digitador, que tem de
chegar às 9h e ir embora às 17h e
digitar dez processos, esse tem de
assinar o ponto ao lado da mesa
dele. Agora, se você tem um assessor que faz múltiplas ações, ou seja, faz ação política, vai visitar um
ministério, prefeitos, vereadores,
deputados estaduais e acompanha determinado assunto, eu não
preciso pedir um ponto diário para ele. O que eu tenho de saber é se
ele fez aquele trabalho para o qual
foi contratado. Se fez, não tem
problema.
Folha - O sr. manterá o ato?
João Paulo - Vou [manter]. Só se
me for apontada uma coisa muito
desproporcional.
Folha - E o posicionamento do
presidente do Conselho de Ética
(Orlando Fantazzini, PT-SP), que
pediu uma atitude imediata da
presidência para resolver os desvios de função?
João Paulo - Eu recebo a manifestação do presidente do Conselho de Ética com muito respeito.
Só que ele precisa me mostrar,
mandar um expediente para cá,
porque, até agora, ele só falou
com o jornal, não falou com o
presidente. Então ele tem de mandar um expediente para o presidente, dizendo quais são os desvios de função existentes, para
que eu tome as medidas. Enquanto não for apresentado, não tem o
que fazer.
Folha - Quando o sr. diz que o CNE
foi criado não para a figura do deputado, mas para o cargo, não seria mais justo que pessoas concursadas trabalhassem?
João Paulo - Acontece que essa
Casa se move também por doutrinas, por filosofia, por pensamentos. E são pensamentos diferentes. Um presidente da comissão
"x", sendo do PC do B, leva determinadas pessoas que pensam como ele. Sabe quantos expedientes
foram protocolados aqui neste
ano? Dezoito mil. [Houve] 1.200
depoimentos, 500 audiências. A
comissão tem corpo técnico concursado que independe do presidente. O presidente da comissão
leva os CNEs para auxiliá-lo diretamente. Na Mesa, o presidente é
o que tem mais, 21.
Folha - É justamente por esse acúmulo de trabalho que é difícil entender por que as pessoas estão
nos Estados.
João Paulo - Elas auxiliam, por
exemplo, em uma demanda, sei
lá, de 20 prefeituras para discutir
o texto da reforma da Previdência. Veja bem, eu não posso ir. Então eu peço para meu assessor.
[Nas] discussões sobre o PPA em
São Paulo, foi meu assessor. Meus
assessores fazem contatos com
vereador, prefeito etc.
Folha - O ouvidor entende que é
preciso contratar mais pessoas para evitar esse problema de desvio.
O sr. concorda com ele?
João Paulo - O problema não é
esse. Se você me apontasse que
CNEs lotados na administração,
não nos cargos políticos...
Folha - Apontaria a Mesa administrativa...
João Paulo - Mas não é só administrativa. Você acha que minha
função é só administrativa?
Folha - O ato que designa funções
dos CNEs em nenhum momento fala de trabalho político.
João Paulo - Mas fala que o presidente da Câmara terá tantos
CNEs para desempenhar sua função.
Folha - Que é administrativa...
João Paulo - O presidente só tem
função administrativa?
Folha - Mas é eleito para isso.
João Paulo - Sou eleito para isso,
mas eu toco só a administração?
Folha - O ato não estabelece que
os CNEs possam atuar nas bases...
João Paulo - Mas não fala o contrário. Não é absoluto isso.
Folha - E o caso do CNE lotado nas
comissões que trabalha para deputados, lideranças. Não é um cargo
técnico, da administração?
João Paulo - Não é só isso. Você
tem um corpo técnico efetivo da
Casa em cada comissão. O presidente da comissão tem três cargos
e nomeia. O trabalho desse nomeado pode se dar aqui ou em
outro lugar.
Folha - No caso de os CNEs de comissão estarem trabalhando nos
gabinetes, nas lideranças...
João Paulo - Depende da situação. Cada caso é um caso. Precisa
avaliar bem.
Folha - O sr. disse que não vai tomar nenhuma atitude. Mas a médio e longo prazos, existe algum
projeto para rever os gastos com
CNEs?
João Paulo - Nós estamos trabalhando uma política geral de recursos humanos, que envolve
CNEs, servidores efetivos, diretoria. Estamos preparando.
Folha - Esses 1.960 CNEs não são
muita gente? Cada deputado já
tem a sua cota para contratar os
seus assessores particulares. Além
disso, mais os CNEs?
João Paulo - Nas lideranças, devemos ter uns 300. Na hipótese de
multiplicar por quatro, 1.200. Esses CNEs não prestam serviço para um deputado, mas para a liderança. Não beneficiam um deputado, beneficiam a produção
completa.
Folha - O sr. não havia prometido
durante a campanha para a eleição
da Mesa que iria atacar a questão
dos CNEs, moralizar...
João Paulo - Não. O que eu falei é
que eu não iria aumentar. Foi isso
o que eu falei.
Folha - O sr. aumentou em seis
(até a semana passada).
João Paulo - Sim. Mas hoje eu diminuí nove.
Folha - Ao contrário da grande
maioria dos deputados, o presidente de comissão tem CNEs em mãos e
pode colocá-los no seu gabinete ou
na base dele, o que o sr. disse que é
lícito, de certa forma fazendo campanha para o deputado. Isso não
cria um desequilíbrio?
João Paulo - Tanto isso não cria
nenhum problema na Casa que
ninguém reclama. Porque você
tem o bônus político de ser o presidente da comissão, é verdade. E
esse bônus permite contratar até
três [CNEs], que podem chegar a
12. Mas a demanda que ele tem é
muito grande. Mesmo nas comissões menores, a demanda é muito
grande.
Folha - Há algo que o sr. possa fazer para moralizar essa questão?
João Paulo - Mas eu não acho
que seja imoral.
Folha - Nada a ser feito?
João Paulo - Eu não acho que seja imoral, não significa que não há
nada a ser feito.
Folha - Se não é ilegal que o CNE
faça campanha política, não seria
mais transparente deixar isso claro?
João Paulo - Mas aí são interpretações diferentes. Para os cargos
que são caracterizados como cargos políticos na Casa, do nosso
ponto de vista, não há problema.
O que não pode é ter gente nomeada na Câmara que não trabalhe. Isso é que não pode.
Folha - Se é o titular do órgão que
determina se a pessoa trabalha ou
não, ele não pode simplesmente dizer que ela está, mas não está? Isso
não preocupa a Casa?
João Paulo - Mas eu não posso
partir do princípio de que o deputado é malandro. Não vou falar
que o deputado é malandro e está
assinando o ponto de quem não
trabalha.
Folha - O ato que libera o ponto
não está errado?
João Paulo - Não. Não está errado para essas funções.
Folha - Qual o critério adotado
para decidir quantos cargos vão
para tal secretaria, quantos vão para outra?
João Paulo - Há uma tabela.
Folha - Essa tabela foi criada como, com que critério?
João Paulo - Há... Nenhum. No
caso da Mesa, eu não sei.
Folha - O sr. pretende rever isso?
João Paulo - Não, não vou rever.
Folha - Quando o sr. assumiu, não
ocorreu de rever isso?
João Paulo - [Rindo]O que me
ocorreu foi montar a comissão da
reforma tributária e da Previdência para ver se a gente melhora esse negócio. Mas não me ocorreu,
não. Você vê que eu nem fui atrás
para descobrir a origem disso.
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