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ESQUERDA NO DIVÃ
Evento no Rio reúne brasileiros e nomes como o economista Robert Brenner para debater impasses da globalização
Seminário da esquerda faz ""alerta" a Lula
FERNANDA DA ESCÓSSIA
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
Após sete meses de vida, o governo do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) terá a partir de
amanhã seu primeiro reencontro
com a esquerda mundial -que
apostou nele e que hoje não esconde sua preocupação com os
rumos da política econômica.
Por "esquerda", entendam-se
nomes como o economista Robert Brenner, o historiador Giovanni Arrighi e os sociólogos Immanuel Wallerstein e Atilio Boron, estrelas do seminário "Hegemonia e Contra-hegemonia: os
Impasses da Globalização e os
Processos de Regionalização",
que começa amanhã no hotel
Glória, na zona sul do Rio.
O presidente Lula foi sondado
para participar do evento -como convidado de honra-, mas,
até a última sexta-feira, não havia
confirmado sua presença na sessão de abertura, quando será lançada a candidatura do economista Celso Furtado, 83, para o Prêmio Nobel de Economia.
Com ou sem o presidente, sua
gestão acabará sendo discutida no
seminário, pensado como um debate sobre a hegemonia dos Estados Unidos, sua crise e as alternativas a ela, diante do que se considera uma exaustão do modelo
neoliberal. Está prevista a participação de Marco Aurélio Garcia,
assessor especial de Lula para assuntos internacionais, entre outros integrantes do governo.
Política externa
No caso brasileiro, o debate inclui o papel do país no mundo. O
problema, na opinião desses intelectuais de esquerda, é que o discurso da política externa de Lula
de fortalecer a integração latino-americana e o Mercosul, buscando posições "afirmativas" diante
da hegemonia americana, pode
ser anulado pelos efeitos da política econômica, que caminha em
sentido contrário.
É o que diz o economista Theotonio dos Santos, 66, professor da
UFF (Universidade Federal Fluminense) e presidente do conselho científico do seminário, para
quem há "clima de decepção"
com o governo Lula.
Santos coordena a entidade
promotora do seminário, a Reggen (Rede sobre Economia Global
e Desenvolvimento Sustentável),
criada pela Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e pela Universidade das Nações Unidas.
"Do ponto de vista de política
exterior, [o governo] está abrindo
um caminho importante. Mas
considero que manter essa política financeira -que se chama de
conservadora, mas que a mim parece irresponsável- impede o
desenvolvimento econômico e os
objetivos sociais do governo."
O economista Carlos Eduardo
Martins, 39, coordenador do comitê executivo do evento, afirma
que a população está dando um
crédito de confiança ao governo,
mas diz que esse crédito tem limite: "Nosso papel é alertar os companheiros sobre os caminhos que
devem ser seguidos; é um alerta
sem pretensão nem arrogância, é
um alerta de companheiros que
sempre dialogaram".
Pessimista, André Gunder
Frank, 74, um dos formuladores
da teoria da dependência e professor emérito da Northeastern
University (Boston), diz que os
cortes orçamentários para elevar
o superávit primário acabaram
"com as duas grandes prioridades
do governo: a reforma agrária e a
guerra contra a fome". "Lula está
fazendo a mesma política dos juros mais altos do mundo que fez
fracassar o governo do meu amigo pessoal Fernando Henrique. O
resultado tem que ser o mesmo,
só que agora pior, e só uma sorte
celestial pode evitar no Brasil um
desastre ao estilo argentino."
São frequentes as comparações
com a Argentina, seja pelo colapso do governo de Fernando de la
Rúa (que renunciou em dezembro de 2001), seja pela iniciativa
do atual presidente, Néstor Kirchner, de impor controles à entrada
de capitais de curto prazo e rever
contratos de privatização.
"Esse seminário é para tentar
mostrar ao governo que certos caminhos são destinados ao fracasso. Como por exemplo, o De la
Rúa, que surgiu com uma perspectiva de se contrapor ao neoliberalismo de [Carlos] Menem e
foi engolido pelas suas ambiguidades", afirma Martins.
"Os aduladores disseram de
Menem o mesmo que dizem de
Lula, e o resultado vocês já viram", diz o argentino Atilio Boron, 60. "A idéia absurda de pretender governar acalmando os
mercados é uma idéia que provoca a desgraça, a ruína dos países."
Teórico do declínio do império
americano, Immanuel Wallerstein acha que é cedo para julgar o
governo Lula, mas o compara ao
do Congresso Nacional Africano,
que chegou ao poder na África do
Sul na década passada, após longa
luta contra o apartheid: "Ambos
descobriram que tinham que fazer uma série de acordos para poder governar". Para Wallerstein, o
exercício do poder tem "limitações inerentes", mas isso não significa que os governos estejam
"fadados ao imobilismo". "Se Lula conseguir fortalecer o Mercosul
e transformá-lo numa entidade
econômica bem-sucedida, ele terá
um imenso impacto no sistema-mundo."
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