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Boron defende que petista precisa mudar rapidamente a política econômica para não frustrar movimentos sociais
Não resta muito tempo a Lula, diz sociólogo
DA SUCURSAL DO RIO
Para o sociólogo e cientista político argentino Atilio Boron, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
tem oito meses para direcionar
mais à esquerda o rumo de seu
governo -ou será tarde. Após isso, os projetos sociais já estarão
comprometidos, e as bases do governo, desmoralizadas. Boron, 60,
é secretário-executivo do Clacso
(Conselho Latino-Americano de
Ciências Sociais) e autor de "Estado, Capitalismo e Democracia na
América Latina". Vem ao Brasil
para o seminário "Hegemonia e
Contra-Hegemonia: os Impasses
da Globalização e os Processos de
Regionalização", amanhã, no Rio.
Folha - Qual a sua avaliação do
governo Lula?
Atilio Boron - É um governo que
representou grandes esperanças,
não só no Brasil, mas em toda a
América Latina, e que herdou
uma situação extraordinariamente difícil, produto dos estragos da
política neoliberal. Até agora, não
encontrou os rumos necessários
para produzir as transformações
de que o Brasil necessita e que o
povo espera do PT. Ao governo
de Lula não resta muito tempo
pela frente. Se nos próximos dez
meses, oito meses, não resolver
reorientar o rumo das políticas
econômicas e avançar profundamente nas sociais, fundamentalmente Fome Zero e reforma agrária, quando quiser fazê-lo chegará
o momento em que será muito
tarde. Estamos olhando a experiência do governo Lula com muita preocupação, porque, se não
der certo, será um problema gravíssimo e uma grande frustração
aos movimentos sociais, partidos
políticos e forças sociais que, na
América Latina, aspiram iniciar
uma era pós-neoliberal.
Folha - O sr. acredita em uma mudança de rumo?
Boron - Espero que sim, porque
as políticas que o governo Lula está seguindo não são congruentes
com a proposta do PT ao povo
brasileiro. São políticas que vão
produzir um holocausto social e
uma fenomenal crise econômica
no Brasil. São políticas parecidas
com as que se desenvolveram na
Argentina, de altas taxas de juros,
concentração de renda, confiança
no fluxo de capital estrangeiro. Os
aduladores disseram de [Carlos]
Menem o mesmo que dizem de
Lula, e o resultado vocês já viram.
Creio que Lula tem cerca de oito
meses para mudar essa situação.
Depois, os adversários históricos
da mudança social e do progresso
social estarão fortalecidos, e as bases sociais do PT e o povo brasileiro estarão desmoralizados para
encarar um processo de mudança. Isso é o engano do "possibilismo" conservador, que aconteceu
na Argentina e que vejo com
preocupação reproduzindo-se
agora no Brasil. A idéia absurda
de pretender governar acalmando os mercados é uma idéia que
provoca a desgraça, a ruína dos
países. O Brasil tem tempo de evitar esse desastre, com consequências para toda a América Latina.
Folha - Setores da intelectualidade brasileira têm olhado com inveja para o presidente argentino Nestor Kirchner, que tomou medidas
como o controle da entrada de capitais. O que diferencia a situação
argentina da brasileira?
Boron - Kirchner chegou ao governo em circunstâncias totalmente inesperadas. Ele se deu
conta de que, se a Argentina não
mudasse de rumo, chegaria a um
novo colapso, como em dezembro de 2001, com [Fernando] De
la Rúa. O nível de mobilização e a
capacidade de reivindicação da
sociedade argentina, muito altos,
deixaram poucos espaços de manobra ao governo para decidir
por uma política diferente ou sofrer o risco de uma derrota como
a de De la Rúa. Mas a batalha fundamental é a do rumo econômico,
e aí veremos se o governo efetivamente propicia uma mudança ou
sucumbe. É a prova de fogo.
Folha - O americano Immanuel
Wallerstein comparou a ascensão
do PT ao poder com a do Congresso
Nacional na África do Sul. Para ele,
essas forças não podem corresponder às expectativas pois o poder estatal é menor do que as pessoas
imaginam. O sr. concorda com isso?
Boron - Não concordo em nada.
Com todo respeito, creio na vontade política e no poder estatal.
Você crê que o Estado brasileiro é
tão débil a ponto de não cobrar
imposto de uma maneira civilizada, fazendo com que os mais ricos
e poderosos paguem mais imposto? É um argumento inaceitável.
Se você me disser que no Equador
o aparato estatal está debilitado e
carece de pessoal adequado para
desenvolver uma política tributária correta, talvez eu acredite, mas
no Brasil? Se não se cobra imposto
como se deve cobrar, não é pela
providência divina, é porque não
há vontade política.
Folha - Como o sr. vê hoje o destino do Mercosul frente à Alca? Crê
que Brasil e Argentina seguirão
juntos e terão força frente às pressões dos EUA?
Boron - Argentina e Brasil têm
de avançar no processo de integração crescente, estão condenados pela geografia a trabalhar juntos, há interesses comuns e, em
princípio, boa sintonia política. Se
há um país que vai ser muito prejudicado pela Alca é o Brasil, o
mais industrializado da América
Latina. Há condições para dizer
não à Alca. Se falta vontade política, é como no amor: se não há
vontade amorosa, não há nada.
Folha - Qual sua avaliação sobre a
política externa do governo Lula?
Boron - Houve alguns acertos,
mas tem de ser mais consistente.
O ponto central na política exterior do Brasil e da América Latina
é a posição diante da Alca. E a posição discursiva avançada e progressista que o Brasil teve na invasão do Iraque, posição que eu celebro, será eclipsada se, ao mesmo
tempo, não houver postura firme
em relação à Alca e ao projeto
anexionista norte-americano para a América Latina. É preciso
aprofundar e tornar mais consistente a política exterior do Brasil
diante dessa situação.
Folha - A esquerda no poder está
destinada a ser igual à direita?
Boron - Não é de nenhuma maneira destino ser igual. Se chegarmos a ser iguais, estaremos traindo nossa função histórica, que
não é substituir a direita para governar como a direita, mas introduzir novas modalidades. Há
uma crise nos partidos de esquerda à medida que, nos últimos
anos, o que muitas organizações
de esquerda fizeram foi se transformar em agentes de políticas de
direita. Mas isso não é fatal, são
decisões que, em presença de novos processos de mobilização sociais e políticas, podem ser perfeitamente revertidas.
(FERNANDA DA ESCÓSSIA e CLAUDIA ANTUNES)
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