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NO PLANALTO
Vem aí o Incra 2010,um órgão revolucionário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Antigamente a palavra
"revolução" já saía da boca
atirando. Era dizer "revolução" e
esperar pelo barulho das balas.
Com a morte da esquerda, a palavra depôs as armas. Tornou-se
inofensiva.
"Ideologia" é outro vocábulo
em crise. Costumava escorrer pelos cantos da boca, pingando
fronteiras no chão -esquerda de
um lado, direita do outro. Com o
sumiço das linhas demarcatórias,
Lulas acordaram do lado de Sarneys, Paloccis incorporaram Malans, Dirceus tricotaram com Valdemares.
Saudosista, o Incra resolveu patrocinar um gesto em defesa dos
termos em extinção. Acaba de
produzir um documento em cujas
folhas palavras como "revolução"
e "ideologia" compartilham a ilusão de que ainda vivem.
O texto trata da reestruturação
da autarquia incumbida de gerir
a reforma agrária. Com 31 páginas, é um latifúndio redacional.
Improdutivo, dedica-se ao cultivo
de abobrinhas. Prega a adaptação da engrenagem estatal a um
novo "padrão político-ideológico".
"É imprescindível uma revolução organizativa", anota o texto.
"A grande maioria de nossas instituições públicas tem estado estagnada, sem mudanças significativas durante os últimos 50
anos [...] Requer-se uma revolução organizativa, e nada menos
que uma revolução." Algo que
inocule na burocracia o germe da
"convulsão intermitente".
A "revolução" no Incra está a
cargo de pessoas escolhidas, conforme confissão exposta no documento, em processo que privilegiou "a militância política, sem
avaliação quanto à experiência
em gestão".
Na quinta-feira, Lula reafirmou na TV o seu compromisso
com a reforma agrária. O Incra
acha, porém, que a empreitada
depende da temperatura do caldeirão social. Quanto mais quente, melhor. "As manifestações de
massa, de forma organizada, são
o vetor central com vistas a atingir os objetivos."
Embora ainda não saiba o que
fazer para salvar 2003, o Incra
aventura-se a traçar cenários para 2010. Valendo-se de quiromancia própria dos economistas, os
sábios agrários esboçaram três cenários para o final da década.
Os acertos comerciais com os
EUA e a pujança do agronegócio
conspiram a favor do "cenário
negativo". A adesão do Brasil "à
Alca e a pressões das classes dominantes direcionam a produção
agrícola para o mercado exportador".
Mantida a tendência de "ampliação maciça de grandes propriedades rurais, com alto grau
de mecanização", o êxodo para as
cidades será tonificado, gerando
mais desemprego e concentração
de renda. Para o Incra, o próprio
sistema político está sob risco. O
sufoco econômico pode corroer "a
arrecadação necessária à implementação dos programas sociais
indispensáveis à manutenção do
regime".
Nos papéis do Incra, o "cenário
positivo" passa pelo fortalecimento da pequena propriedade rural
e pela mobilização da "sociedade
civil" por "serviços básicos". Fortalecidos, os ruralistas miúdos
produziriam alimentos para o
consumo interno. Reunidos em
cooperativas, exportariam a produção excedente.
No "cenário intermediário", a
reforma agrária avançaria, mas
de modo "insatisfatório". Ocupado com outras reformas, o Congresso rebarbaria a aprovação de
novas leis agrárias. Às voltas com
o esforço para recuperar a economia, "a agenda do governo ainda
não dispensaria à reforma agrária o nível de prioridade ideal".
No melhor estilo oposicionista,
o texto do Incra amaldiçoa a política monetária de Brasília. Anota
que os "juros altos geram mais
desemprego nas cidades, por consequência diminuem o consumo
de alimentos, encarecem os insumos, restringem o uso de recursos
públicos para apoio à produção
agrícola [...]".
Lula deveria desperdiçar um
naco de seu tempo na leitura do
documento do Incra. Talvez concluísse que, envenenada por uma
ideologia "démodé", a repartição
consolida-se como o desnecessário tornado irreversível.
A quem interessar possa, a íntegra do texto do Incra pode ser lida
no seguinte endereço eletrônico:
www.folha.com.br/032261. Um
aviso: o documento é de difícil deglutição. Contém muitos trechos
confusos, escritos num idioma peculiar, o "incrês".
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