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Inchaço garante vitória em convenções, diz peemedebista
DA REPORTAGEM LOCAL
Secretário-executivo do PMDB
nacional e presidente do partido
em Minas Gerais, o deputado federal Saraiva Felipe, 52, disse que
o inchaço do número de filiados
nos partidos é usado para manipular convenções municipais.
O deputado disse ter dado declarações à Folha porque "não suporta a hipocrisia".
Folha - Quais os objetivos dos
partidos que inflam seu número de
filiados?
Saraiva Felipe - O inchaço do número de filiados corresponde,
muitas vezes, a um processo de
disputa local. Alguém quer, por
exemplo, apoderar-se do partido
para garantir determinada candidatura. Então, começa a "laçar" filiados. Conheço situações em que
as filiações foram feitas por rua.
Filiou todo mundo da rua Benedito Valadares, por exemplo. Foi de
casa em casa, passou a lábia, pediu o título de eleitor e conseguiu
filiar a rua inteira. O cara já faz isso antecipadamente.
Quando ele vai disputar a convenção, tem um número de filiados maior para garantir o comando do partido. Esse é um objetivo
local, garantir a hegemonia no
partido, na verdade, sem nenhum
lastro de preocupação para que o
filiado tenha consciência do passo
que está dando, do que representa
participar, integrar, como filiado,
as fileiras de um partido. Não conhece o programa, nada.
Folha - É uma espécie de filiação
de cabresto.
Felipe - É uma filiação de cabresto para garantir vitórias em convenções municipais.
Folha - É uma forma de manipular
a convenção?
Felipe - Com certeza. Em geral,
quem tem o comando do partido
tem facilidade em controlar para
que o comando não mude de
mãos. Isso implica falta de democracia partidária.
Folha - Quais são os outros objetivos?
Felipe - Um deles é o seguinte: o
sujeito começa a exibir [números], começa a ter filiados para
poder fundar um partido, em geral um partido pequeno, para
cumprir a legislação de ter tantos
mil filiados para registrar um partido. Mas, na verdade, as filiações
são feitas assim também. Elas não
têm nenhum significado político,
partidário ou ideológico. São simplesmente para cumprir o rito de
exigências para se fazer o registro.
Muitos desses partidos se transformam em partidos de aluguel,
para promover a candidatura de
uma pessoa só. "Eu sou o dono do
partido". E já tivemos até casos de
partido que acaba vendendo espaço para candidatos ou até vendendo horário da TV, através de
coligações que, na verdade, são
feitas "negocialmente", não à base
de qualquer tipo de ideologia,
compromisso programático.
Folha - O que é prometido à pessoa que vai se filiar nesse sistema?
Felipe - Vai desde a relação pessoal, de amizade, até troca de favores. [Dizem]: "Se você se filiar
ao meu partido, e eu tiver êxito,
não sei o quê, eu posso ajudá-lo,
arrumar emprego". Quando não,
é oferecido algum benefício. Do
mesmo jeito que se compra um
voto com uma cesta básica, pode
se comprar uma filiação com uma
lata de óleo. Proporcionalmente,
o voto vale mais do que a filiação,
mas a filiação pode [ser obtida]
com promessas ou até mesmo
vínculo que implica algum tipo de
troca. "Olha, filia aqui a família toda porque eu vou arrumar emprego para não sei quem". Hoje,
uma grande moeda de troca, na
situação de desemprego que existe, é a promessa de emprego.
Folha - Que casos mais marcantes
o sr. se lembra dessas filiações feitas "a laço"?
Felipe - No próprio PMDB, em
Belo Horizonte, na década de 80,
quando havia convenções entre
vários grupos. Numa madrugada,
por exemplo, alguém conseguiu
arregimentar 500 filiados. Ou seja,
filiação feita por atacado, vamos
dizer assim.
Se a convenção fosse ser daqui a
seis meses, havia então uma corrida em busca de filiações para se
garantir vitória nas convenções
municipais. Com isso, você tinha
artificialmente milhares de filiações que praticamente brotavam
da terra e que na verdade não tinham significado político.
Folha - Que medidas o sr. tem tomado para coibir essas práticas no
PMDB?
Felipe - Eu não tenho como chegar lá... Minas tem 853 municípios. O que nós temos cobrado
dos diretórios, e temos tido êxito,
é que eles façam uma espécie de
peneira nas filiações e nos apresentem números mais razoáveis.
Nós já tivemos casos de número
de filiados em determinado município superior ao número de
eleitores. Eu até pressuponho que
tenha havido múltiplas filiações e
sem controle, de tal forma que, se
ninguém contestasse no cartório
eleitoral -porque é proibida a
dupla filiação-, ficava vigorando
o grupo que tivesse mais votos
numa convenção municipal.
Hoje temos 190 mil filiados, mas
o PMDB de Minas já chegou a ter
2 milhões de filiados, para você ter
uma idéia.
Folha - Nesse processo de limpeza o sr. chegou a encontrar pessoas
mortas, ainda filiadas?
Felipe - Muitas. O MDB foi fundado em 1966. Herdou automaticamente essas filiações. Quarenta
anos depois, quando fomos fazer
uma filtragem, havia um percentual considerável de defuntos filiados.
Folha - Qual a importância, para o
processo eleitoral, de se alterar a
legislação das filiações?
Felipe - Primeiro, você tira esse
caráter fisiológico de se tentar
transformar o partido num mero
cartório de controle numérico de
votantes. Devia haver algum tipo
de legislação que, na verdade, pertencer a algum partido significasse algum tipo de responsabilização. Como eu tenho deveres e
obrigações como cidadão, significa que eu deveria deveres e obrigações de filiado. Além de ter uma
campanha de conscientização
que, se eu quiser fazer uma reforma política, que ela passasse no
plano da filiação partidária.
Folha - Há filiados que nem sabem que estão filiados ou conhecem os objetivos da sigla?
Felipe - Eu posso te assegurar
que a maioria. Não tem a mínima
idéia.
Folha - Segundo o TSE, o PMDB
tem hoje 2 milhões de filiados. O sr.
diria que quantos, realmente, são
filiados de fato, militantes?
Felipe - O partido tem no país
mil e poucos prefeitos e uns 10 mil
vereadores. Diria que, no fim, nós
devemos ter, participando mesmo, uns 40 mil.
(RV)
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