São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

Os patronos

Quem ficou impressionado com a conclusão do IBGE de que "em 20 anos 600 mil pessoas foram assassinadas", no Brasil, em geral não se deu conta de que o número brutal já está muito superado. A estatística do IBGE não inclui os últimos quatro anos, decorridos desde o censo de 2000, e o número de assassinados tem crescido a cada ano, muito acima da média de 30 mil anuais verificada entre 1980 e 2000. Mas, sobretudo, em geral não se deu conta, em boa parte por culpa da mídia, de uma relevância implícita na estatística: o crescimento da criminalidade tem patronos.
Dos 598.367 assassinados nos 20 anos medidos, 370.988 (ou 62%) o foram na década de 90. Nesses anos, portanto, a média anual já chegava a 37.099. Não por coincidência, a segunda metade da década foi dominada pela política econômica de geração de desemprego, entrada da classe média baixa na zona da pobreza, falta de investimento governamental para impulsionar a atividade produtiva, enfim, de destinação do país à sempre maior lucratividade do setor financeiro nacional e estrangeiro.
São Paulo é uma demonstração penosa do que ocorre no Brasil. No período considerado pelo IBGE, o número de assassinatos em São Paulo, entre homens de 15 a 24 anos, aumentou 163%: passou de 44 para 115 em cada 100 mil paulistanos. No Estado do Rio, o aumento foi de 46%, mas porque o ponto de partida já era alto, de 124 por 100 mil, e a economia mais frágil do estado o sujeitara mais cedo à desagregação social. Ao passo que a forte capacidade econômica permitiu a São Paulo resistir melhor e por muito mais tempo à combinação de fatores da criminalidade, até que a derrocada inevitável chegou acelerada e impiedosa.
Não houvesse mais motivos para considerar anti-social a polícia econômica do governo Lula, já seria justo fazê-lo por um só motivo: a objeção do Ministério da Fazenda e do Tesouro Nacional à melhoria dos sistemas de combate à criminalidade urbana, inclusive à quantidade e qualidade do sistema penitenciário. Não foi por outro motivo que, na quarta-feira, os secretários estaduais de Segurança reuniram-se em Brasília para clamar contra a retenção dos repasses de verbas federais. O caso do Rio, exemplar em criminalidade, por isso mesmo é exemplar da contraface dessa criminalidade, aí por parte do governo Lula.
Há mais de um ano, Lula se comprometeu a dar pronta colaboração ao esforço do governo fluminense - negado pela mídia carioca, mas verdadeiro e comprovável na grande melhoria material e operacional do dispositivo de polícia. Haveria, de início, o repasse de R$ 40 milhões. A rigor, R$ 38 milhões. O Tesouro Nacional não liberou a verba, porém. Duas perguntas: quer dizer que o governo federal não libera verbas para combater o uso criminoso de armas contrabandeadas, por falta de ação do governo federal, porque o governo federal atrasou o pagamento de juros? Afinal de contas, o governo federal - este como o anterior, que criou tal prática - tem na direção econômica pessoas responsáveis ou agiotas obcecados com juros?
O Tribunal de Contas da União, acionado pelo governo fluminense, confirmou que a verba devia ser liberada. Foi? Dos R$ 38 milhões conveniados, o Estado do Rio recebeu apenas R$ 16 milhões, menos da metade. Com a crise na Rocinha, era claro que o descumprimento do governo seria citado, logo, foi incluída às pressas no sistema de contas federais a liberação de R$ 9 milhões dos R$ 22 milhões retidos. Outra vez, menos da metade. E, para os padrões da Fazenda de Antonio Palocci e do tesoureiro Joaquim Levy, até que foi muito: dos R$ 19 milhões esperados desde o ano passado para ampliação de cinco presídios e construções de outro, o Estado do Rio recebeu R$ 478 mil.
Alguns estados, como Mato Grosso, Espírito Santo, Alagoas, apresentam crescimento muito alto da criminalidade. Diante desse quadro nacional, assim se explica a impaciência dos secretários estaduais de segurança: os R$ 150 milhões do Fundo Nacional de Segurança Pública de 2003, por exemplo, ainda não foram repassados e, quando o forem, o serão parceladamente. As verbas são retidas pela preferência do governo por pagar mais e maiores juros do que cumprir o dever constitucional na ação contra a insegurança pública.
A criminalidade tem, entre outros, o patrocínio da política econômica posta em prática por Fernando Henrique Cardoso e Pedro Malan em 95, e mantida, com imoral agravamento, no governo Lula.


Texto Anterior: Brasil profundo: Sindicalista diz que ainda há 35 corpos em área indígena
Próximo Texto: Partido ao meio: Genoino cobra ações emergenciais contra o desemprego no país
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.