São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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AGENDA NEGATIVA

Thomas Skidmore critica a manutenção da política econômica e a total falta de alternativas criativas

Gestão Lula começa a inquietar brasilianistas

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS

Thomas Skidmore, talvez o mais conhecido dos "brasilianistas" norte-americanos, voltou de recente viagem ao Brasil duplamente mal impressionado com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mal impressionado primeiro com o presente: "Infelizmente, a continuidade da política de Fernando Henrique Cardoso resultou em crescimento zero no ano passado e expectativa decepcionantemente baixa para este ano. É muito inquietante o drástico declínio da renda pessoal (14%) no período Lula". Mal impressionado igualmente com as perspectivas: "Há uma total falta de alternativas criativas. Ao contrário, a equipe econômica parece assustada primordialmente pela inflação, o que leva a juros altos", declarou.
Skidmore, professor de História Latino-Americana Moderna na Universidade Brown, é autor de pelo menos três clássicos sobre a recente história brasileira, entre eles "De Getúlio a Castelo", e um "best-seller" acadêmico tanto em seu país como no Brasil e na Europa. Sua inquietação com o governo Lula, porém, é ainda minoritária nos meios acadêmicos europeus e norte-americanos que a Folha consultou para obter uma visão externa no momento em que o presidente está para completar um terço de seu mandato.
"Lula é um presidente muito popular na Europa", diz Olivier Dabène, pesquisador associado do Ceri (Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais, da França).
Reforça Francisco Panizza, sociólogo da London School of Economics: "Quinze meses é muito pouco para julgar um governo, sobretudo um que não tem experiência em governar um país tão complexo como o Brasil".
Mas se o reservatório de boa vontade com Lula no exterior parece maior do que o que existe nos meios acadêmicos internos, os sinais de impaciência são crescentes. O próprio Dabène, que passa atestado de popularidade ao presidente, avisa: "As primeiras imagens de manifestações dos sem-terra dão a entender que há uma legítima impaciência no Brasil quanto às reformas sociais".
Já Moisés Naim, editor da revista trimestral "Foreign Policy", olha exatamente para o lado em que o governo foi mais bem sucedido (o da estabilidade econômica), para antecipar: "É perigoso supor que os interesses do Brasil serão bem servidos pela estratégia dos primeiros 15 meses quando o ambiente internacional mudar -e vai mudar". Traduzindo: a previsível elevação dos juros nos EUA vai reduzir o apetite por investimentos em países de risco, como o Brasil, com a conseqüente elevação do risco-país e do dólar.
Christine Kearney, professora do "Watson Institute for Internacional Studies", também da Universidade Brown, louva Lula pela estabilidade macroeconômica obtida, diz que "o Fundo Monetário Internacional está muito satisfeito com o Brasil", mas alerta: "Lula não foi capaz até agora de cumprir com sua agenda social".
Ainda assim, Kearney mostra paciência: "O déficit social no Brasil é tão grande que os esforços de uma só administração dificilmente mostrarão resultados imediatos e perceptíveis. Superar a pobreza e a desigualdade levará décadas, e será o resultado dos esforços cumulativos de muitos presidentes". Como "o ciclo eleitoral é de quatro anos", não de décadas, a professora teme que Lula pode "acabar alienando o apoio tanto da esquerda como a direita no Brasil. Seria muito ruim para a democracia brasileira".
Um risco que é afastado por David Lehman, pesquisador de Ciência Social na Universidade de Cambridge, nem tanto por Lula, mas pelo próprio país: "Os brasileiros deveriam se colocar de joelhos todos os dias de manhã para agradecer a Deus. Não porque Lula é o presidente das mil maravilhas, mas porque vivem num país sem fundamentalismo, sem fortes lutas culturais ou étnicas, e que está dando ao mundo um exemplo de convivência social, religiosa e cultural, e também de capacidade de mudança e tolerância".
É pouco provável que muitos brasileiros concordem com Lehman, mas é preciso entender que a Europa está com os olhos postos no terrorismo e no fundamentalismo religioso. Mas um vizinho de Lehmann (Andrew Hurrell, de Oxford) acha que a oportunidade para agradecer a Lula está sendo jogada fora: "Suponho que, quando historiadores olharem para trás, para estes anos, podem concluir que foi perdida uma oportunidade para reformas sociais e econômicas mais radicais, que corrigissem alguns dos enormes desequilíbrios sociais do Brasil".


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