|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AGENDA NEGATIVA
Thomas Skidmore critica a manutenção da política econômica e a total falta de alternativas criativas
Gestão Lula começa a inquietar brasilianistas
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA, EM BRUXELAS
Thomas Skidmore, talvez o
mais conhecido dos "brasilianistas" norte-americanos, voltou de
recente viagem ao Brasil duplamente mal impressionado com o
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Mal impressionado primeiro
com o presente: "Infelizmente, a
continuidade da política de Fernando Henrique Cardoso resultou em crescimento zero no ano
passado e expectativa decepcionantemente baixa para este ano. É
muito inquietante o drástico declínio da renda pessoal (14%) no
período Lula". Mal impressionado igualmente com as perspectivas: "Há uma total falta de alternativas criativas. Ao contrário, a
equipe econômica parece assustada primordialmente pela inflação,
o que leva a juros altos", declarou.
Skidmore, professor de História
Latino-Americana Moderna na
Universidade Brown, é autor de
pelo menos três clássicos sobre a
recente história brasileira, entre
eles "De Getúlio a Castelo", e um
"best-seller" acadêmico tanto em
seu país como no Brasil e na Europa. Sua inquietação com o governo Lula, porém, é ainda minoritária nos meios acadêmicos europeus e norte-americanos que a
Folha consultou para obter uma
visão externa no momento em
que o presidente está para completar um terço de seu mandato.
"Lula é um presidente muito
popular na Europa", diz Olivier
Dabène, pesquisador associado
do Ceri (Centro de Estudos e Pesquisas Internacionais, da França).
Reforça Francisco Panizza, sociólogo da London School of Economics: "Quinze meses é muito
pouco para julgar um governo,
sobretudo um que não tem experiência em governar um país tão
complexo como o Brasil".
Mas se o reservatório de boa
vontade com Lula no exterior parece maior do que o que existe nos
meios acadêmicos internos, os sinais de impaciência são crescentes. O próprio Dabène, que passa
atestado de popularidade ao presidente, avisa: "As primeiras imagens de manifestações dos sem-terra dão a entender que há uma
legítima impaciência no Brasil
quanto às reformas sociais".
Já Moisés Naim, editor da revista trimestral "Foreign Policy",
olha exatamente para o lado em
que o governo foi mais bem sucedido (o da estabilidade econômica), para antecipar: "É perigoso
supor que os interesses do Brasil
serão bem servidos pela estratégia
dos primeiros 15 meses quando o
ambiente internacional mudar
-e vai mudar". Traduzindo: a
previsível elevação dos juros nos
EUA vai reduzir o apetite por investimentos em países de risco,
como o Brasil, com a conseqüente
elevação do risco-país e do dólar.
Christine Kearney, professora
do "Watson Institute for Internacional Studies", também da Universidade Brown, louva Lula pela
estabilidade macroeconômica
obtida, diz que "o Fundo Monetário Internacional está muito satisfeito com o Brasil", mas alerta:
"Lula não foi capaz até agora de
cumprir com sua agenda social".
Ainda assim, Kearney mostra
paciência: "O déficit social no
Brasil é tão grande que os esforços
de uma só administração dificilmente mostrarão resultados imediatos e perceptíveis. Superar a
pobreza e a desigualdade levará
décadas, e será o resultado dos esforços cumulativos de muitos
presidentes". Como "o ciclo eleitoral é de quatro anos", não de décadas, a professora teme que Lula
pode "acabar alienando o apoio
tanto da esquerda como a direita
no Brasil. Seria muito ruim para a
democracia brasileira".
Um risco que é afastado por David Lehman, pesquisador de
Ciência Social na Universidade de
Cambridge, nem tanto por Lula,
mas pelo próprio país: "Os brasileiros deveriam se colocar de joelhos todos os dias de manhã para
agradecer a Deus. Não porque Lula é o presidente das mil maravilhas, mas porque vivem num país
sem fundamentalismo, sem fortes
lutas culturais ou étnicas, e que está dando ao mundo um exemplo
de convivência social, religiosa e
cultural, e também de capacidade
de mudança e tolerância".
É pouco provável que muitos
brasileiros concordem com Lehman, mas é preciso entender que
a Europa está com os olhos postos
no terrorismo e no fundamentalismo religioso. Mas um vizinho
de Lehmann (Andrew Hurrell, de
Oxford) acha que a oportunidade
para agradecer a Lula está sendo
jogada fora: "Suponho que, quando historiadores olharem para
trás, para estes anos, podem concluir que foi perdida uma oportunidade para reformas sociais e
econômicas mais radicais, que
corrigissem alguns dos enormes
desequilíbrios sociais do Brasil".
Texto Anterior: Dirceu passa por exames e não vai a reunião do PT Próximo Texto: Especialistas não possuem novas receitas Índice
|