São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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DEBATE AGRÁRIO

Ex-presidente do Incra diz que já não há latifúndios improdutivos e que FHC fez assentamentos por pressão política

Desapropriação perdeu sentido, diz tucano

GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO

A reforma agrária que distribui terra aos sem-terra está ultrapassada. É o que diz o ex-deputado federal pelo PSDB Xico Graziano, presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em 1995, na gestão FHC.
Para Graziano, o campo se modernizou, e já não há latifúndios improdutivos como no passado, o que torna sem sentido uma política de desapropriações e transferência de propriedade da terra. A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - Por que, no seu livro, o sr. diz que se opõe à reforma agrária na forma como ela é colocada hoje?
Xico Graziano -
No livro, uso as informações que existem para comprovar que hoje a questão agrária mudou. Na antiga questão agrária, o problema era a existência de muita terra improdutiva. O drama fundamental da questão agrária de hoje está nos "com-terra". Está no emprego, a começar pelo emprego de quem está produzindo, os trabalhadores com terra. Precisamos fazer uma outra reforma agrária. Classicamente falando, nem é mais reforma agrária. A reforma agrária clássica significa redistribuir terra, tirar de alguém para dar a outrem. Tudo bem, então acabou a reforma agrária, vamos fazer outra coisa.

Folha - O sr. acha então que uma reforma agrária distributivista não aumenta a produção agrícola?
Graziano -
Não aumenta a produção e não ataca a miséria, nem no campo e muito menos na cidade. É totalmente ineficaz.

Folha - Dados do Instituto de Terras do Estado de São Paulo mostram que no Pontal do Paranapanema houve aumento da arrecadação de impostos municipais onde há assentamentos. Isso não mostra que essa política é benéfica?
Graziano -
O que é facilmente comprovável é que [a implantação de assentamentos] movimenta mais o comércio, e a partir daí acontecem outras coisas. Você despeja milhões de reais em crédito subsidiado e a fundo perdido para as famílias. Elas vão gastar. Isso movimenta o comércio, e a partir daí há uma arrecadação maior. Mas não é devido ao aumento da produção rural.

Folha - Quer dizer, o resto da sociedade está bancando isso?
Graziano -
É, está bancando. Mas é fogo de palha, não é consistente.

Folha - O sr. já foi um defensor da reforma agrária. O que mudou?
Graziano -
Ao executar na prática a reforma agrária [no governo José Sarney, de 1985 a 1990, quando Graziano também trabalhou no Incra], nós não encontrávamos os latifúndios que pensávamos existir. Esse processo de modernização agrícola já tinha começado, e os latifúndios já estavam se modernizando.

Folha - Há economistas que dizem que a reforma agrária, mesmo sem aumentar a produção, tem um efeito distribuidor de riqueza que aumenta o mercado interno e favorece a economia. O que o sr. acha?
Graziano -
Não são bons economistas. A primeira coisa que um economista faz numa política pública é ver a relação custo-benefício. É inequívoco que há os outros efeitos. Agora, a qual custo social ou a qual custo para o Tesouro? O custo médio de assentamentos, hoje, é de R$ 50 mil. Em São Paulo, R$ 80 mil. É muito oneroso.

Folha - No livro, o sr. diz que Fernando Henrique Cardoso compartilha da sua visão sobre a questão agrária. Porém, o governo dele assentou mais de 300 mil famílias.
Graziano -
Ele não conseguiu condição política para rever o que estava sendo feito. O dinamismo da política impediu que essa revisão de conceitos, ou de modelos, pudesse ser feita. [No livro] eu insinuo que, paradoxalmente, este governo [o de Lula] é que pode ter a chance de fazer isso. E está fazendo, em certo sentido.

Folha - Mas muitas superintendências do Incra são ocupadas por integrantes do MST. Isso não mostra que o governo acredita na reforma agrária distributivista?
Graziano -
Eu diria que é uma contradição dentro do Incra. Como o governo resolve isso, eu não sei. Você tem o Plínio de Arruda Sampaio [economista que coordenou o Plano Nacional de Reforma Agrária, com a proposta de que Lula assente 1 milhão de famílias até 2006] e sua equipe, que se alinham totalmente ao MST e à CPT [Comissão Pastoral da Terra], você tem uma linha mais racional, que faz mais contas, que hoje é representada pelo próprio presidente do Incra [Rolf Hackbart], e você tem uma componente claramente social-democrata dentro do governo do PT que pensa como eu estou pensando.

Folha - Quem são esses?
Graziano -
Você conclua.

Folha - Como o sr. vê a declaração do secretário-executivo do Incra, Guilherme Cassel, de que a medida provisória que proíbe vistorias em terras invadidas não é eficaz?
Graziano -
Então o governo precisa ter a coragem de revogar. Não tem coragem de revogar e não tem coragem de fazer cumprir? É impossível governar assim.


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