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NO PLANALTO
Em conversa com Lula, Deus lava as mãos
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Deus não gostou de ter sido
citado pelo presidente.
Abespinhado, decidiu agir. Apareceu para Lula no Palácio da Alvorada. Foi um sonho confuso.
Por um instante, Lula pensou
que estivesse diante do vulto satânico do deputado Babá. Quem
mais usaria barba e cabelos tão
exóticos?
Deus apresentou-se: "Sou eu, o
Todo-Poderoso, Senhor dos homens de boa vontade".
E Lula: "Gostei do disfarce,
companheiro Bush. O que é que
você manda?".
"Não, não", disse Deus. "Venho
do céu, não dos EUA. Sou o Altíssimo, o genuíno."
"Deixa de sacanagem. Vem me
acordar de madrugada para se gabar da altura. Ora, francamente,
companheiro Genoino."
"Não, não. Sou Deus, o verdadeiro, o Messias. Compreende?"
Natural que a ficha de Lula demorasse a cair. Deus nunca tinha
aparecido para ele antes. Nem em
sonho.
"Desço pouco à Terra", desculpou-se Deus. "É birra antiga. Ainda não engoli o que fizeram ao
meu enviado. Mandei-o para salvar todo mundo e foi injust..."
Lula atalhou a frase de Deus:
"Perdão, companheiro Messias,
mas o Fernando Henrique teve o
que mereceu. Ele deixou uma herança maldi..."
Foi a vez de Deus interromper o
raciocínio do presidente: "Eu me
refiro a Jesus Cristo."
Lula tentou contornar o constrangimento: "Rezei muito para
chegar à Presidência. Três derrotas me fizeram pensar que você
não existisse. Graças a Deus, digo
a Você, eu estava errado. Demorou, mas minhas preces foram
ouvidas."
"Bem", disse Deus, "não pense
que foi fácil. Normalmente, não
me meto em assuntos de política.
Mas achei que, vitorioso, o Serra
não controlaria o próprio ego. E
concorrência é algo que Eu não
admito."
Lula cofiou a barba. Fez cara de
dúvida: "Não tô entendendo."
"Deixa pra lá", impacientou-se
Deus. "Vou direto ao ponto. Não
gostei de você ter dito que esperava que Eu ajudasse os desempregados do Brasil."
A cobrança divina deixou Lula
sem palavras: "Mas, mas..."
"Quem prometeu milagres foi
você. O desemprego é problema
seu."
"Não me queira mal, companheiro Padre Eterno. Falei metaforicamente."
Deus explodiu: "Ao inferno
com suas metáforas. Não jurou
que criaria dez milhões de empregos? Pois peça socorro ao seu amigo mandingueiro, aquele da Bahia."
"O ACM?"
"Não, o outro."
"Duda Mendonça?"
"Esse mesmo. Como o Serra, ele
também pensa que é Deus. Recorra a ele. Me exclua dessa. Tenho
um nome a zelar. Aliás, demorei
muitos anos para construir uma
santa reputação."
Lula quis mudar o rumo da prosa: "Falando em boa reputação,
me conta um segredo. Afinal, o Zé
Dirceu sabia dos trambiques do
Waldomiro Diniz?"
"Pensa que não tenho o que fazer? Sou onipresente, mas já não
posso estar em toda parte. É dura
a faina celeste."
"Outra coisa: quando é que o
meu Corinthians vai sair do atoleiro?"
"Desemprego", verberou Deus,
voz em riste. "Vim falar de desemprego."
Lula percebeu a inevitabilidade
do tema. Entregou os pontos:
"Ok, desemprego. O que quer eu
faça?"
"Sei lá."
"Como assim?"
Deus fingiu que não ouviu.
Lula insistiu: "Se o Senhor, que
tudo pode, não sabe, como é que
eu, um pobre metalúrgico, vou
saber?"
Deus emitiu os primeiros sinais
de desconforto: "Você me pediu o
milho. Não pediu para fazer o fubá. Resolver os problemas do Brasil é tarefa gigantesca. Envolve poder mais alto."
Lula, pulso acelerado, espantou-se: "Valei-me, Altíssimo. Poder mais alto que o Seu?"
Deus franziu o cenho. Sentiu
um aperto na garganta. Sussurrou, descrente: "Você ainda não
sabe do que o Sarney é capaz."
Lula acordou sobressaltado. Insone, visitou o Planalto. Em segredo. Alta madrugada. Passou em
revista a galeria de fotos dos ex-presidentes. Deteve-se na imagem de Sarney. Revirou os olhos
para cima, num esgar de transe
místico.
Pela manhã, Lula chamou a direção do PMDB para uma conversa. Falaram de cargos. De segundo e de terceiro escalões. Começou, a seu modo, a tratar do
problema do desemprego. Seja o
que Deus quiser, pensou. Amém.
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