São Paulo, domingo, 18 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

Lula montou uma fábrica de grupos de trabalho

Apareceu uma estatística reveladora do que poderia ser a operosidade do governo Lula: em 16 meses foram criados 55 grupos de trabalho interministeriais, dos quais a Casa Civil do comissário José Dirceu participa de 37 e coordena 16.
Não se deve mais rir da piada segundo a qual o camelo é um cavalo desenhado por um grupo de trabalho. Piada mesmo é Lula ter criado 55 grupos de trabalho, o comissário coordenar 16 e alguém acreditar que haja o menor risco de uma geringonça dessas funcionar. Fazendo-se de conta que todos esses grupos de trabalho são necessários (inclusive o do Hip Hop), deve-se criar outro grupo de trabalho, para coordenar os grupos de trabalho. Piada? Ouça-se o doutor Swendenberger Barbosa, da Casa Civil, falando às repórteres Lu Aiko Otta e Vera Rosa: "Estamos fazendo o levantamento de todos os grupos de trabalho, comissões e conselhos e cruzando com as prioridades definidas pelo presidente Lula".
A estrutura do comissariado petista tem muito grupo e pouco trabalho. Destina-se a contornar o aparelho da República. Basta ouvir o companheiro José Genoino: "É preciso avançar para horizontalizar as ações, porque a máquina administrativa emperra tudo". (Podia ter dito que é preciso recuar para verticalizar, dava na mesma.) Para tranqüilidade geral o blábláblá vai dar apenas em blábláblá.
Os Grupos de Trabalho ganharam notoriedade na vida nacional nos anos 50, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Em 14 meses, Lula já criou duas vezes mais GTs que JK durante um período semelhante. Na versão original, eles eram extrapartidários, na atual, são superaparelhados.
Os GTs foram úteis, mas a musculatura do governo de JK esteve em outro lugar. Ele tocou o bonde por meio dos Grupos Executivos que, como diz o nome, executavam. O mais famoso deles foi o Geia, da indústria automobilística. Enquanto os grupos de trabalho estudavam problemas e procuravam padronizar normas, os GEs faziam as coisas acontecer. Ficando-se no caso do Geia, nele tinham assento representantes de diversos ministérios e autarquias. Quando se decidia que uma coisa devia acontecer, os representantes das repartições que tinham assento no Geia atiravam-se na execução do que até então era palavrório. O Geia mandava onde precisava, mas o chefe da Casa Civil não mandava no Geia (se mandasse, o Brasil ainda não teria produzido o primeiro Fusca). O Geia era chefiado por um tocador de planos, o almirante Lúcio Meira.
A máquina de fazer coisas de JK estava nas mãos de um companheiro leal, mineiro como ele, conhecedor da máquina administrativa, um esteta da discrição. É provável que Lucas Lopes tenha dado menos entrevistas em toda a vida que o comissário José Dirceu em um ano. A política fiscal de Kubitschek custou-lhe caro. Ela deve ter sido uma das causas do enfarte que provocou sua saída do Ministério da Fazenda.
Seria injusto supor que essas trivialidades administrativas são desconhecidas do PT e da equipe que ocupa o Planalto. A solução (ou o problema) do governo JK chamava-se Juscelino Kubitschek. O problema (ou a solução) do governo de Lula chama-se Luiz Inácio da Silva.
O presidente dividiu o governo em câmaras, conselhos e grupos. Despachar com seus ministros que é bom, nem pensar. Até o fim de março não havia despachado formalmente com a ministra Marina Silva, em cuja presença tocou bongó no Planalto. A ministra Dilma Roussef, das Minas e Energia, teve um despacho, e só. Todos os ministros já foram convidados para jantares, viagens e churrascos, mas a Presidência da República não é uma função animadora de eventos. Presidente é presidente, despacho é despacho, churrasco é churrasco.

Gushipress 1

Como diz o mestre-comissário Luís Gushiken, "o cidadão precisa ver um lado positivo das coisas. Este país está cheio de coisas boas". Por isso, seria injusto confinar a uma só edição da coluna da repórter Mônica Bergamo a coisa boa que ela noticiou na semana passada.
Foi esta: O Palácio do Planalto vai contratar, ao preço de R$ 19 mil mensais, uma empresa "especializada para monitorar a qualidade do ar nos palácios da Alvorada, do Jaburu e do Planalto", além da Granja do Torto.
Segundo o governo, os palácios estão "expostos a poluentes físicos, químicos e biológicos trazidos do exterior pelos ocupantes e visitantes dos prédios".
Há uma lei que justifica essa prevenção. Dispondo de toda a máquina do serviço público civil e militar, Lula talvez queira contratar uma empresa privada para diminuir o desemprego.
O senador Demostenes Torres (PFL-GO) informa: Lula dispõe de R$ 366 milhões arrecadados à patuléia poluente para sua política de segurança pública. Entre janeiro e a metade de abril, o governo administrou apenas R$ 1,9 mil (10% do que gastará mensalmente com os ares palacianos). Nesta semana o senador contará mais, da tribuna.
O ervanário que poderia ter sido usado para reduzir o risco Brasil dos brasileiros da Rocinha foi congelado pelo doutor Antonio Palocci para reduzir o risco Brasil dos banqueiros que precisam de sossego para passear seus cachorros na Park Avenue, em Nova York.

No andar de baixo

Os marqueteiros da política nacional descobriram nas pesquisas de grupo que o AirLula é o ponto mais dolorido na lista de queixas do andar de baixo em relação a Lula.
Simples: é coisa de pobre que resolve ficar com mania de rico.
O ministro Guido Mantega revelou que tem medo de voar no avião que serve a Lula. A menos que ele acredite em tripulações suicidas, em vez de torrar US$ 56 milhões, podia se entender com um terapeuta. Saía mais barato.

Dois economistas contra os "capitalistas"

Saiu um livro inesquecível. É "Salvando o Capitalismo dos Capitalistas", dos professores Raghuran Rajan e Luigi Zingales, da Universidade de Chicago. Rajan é hoje o diretor de pesquisas do Fundo Monetário Internacional. Trata-se de um sermão econômico escrito com clareza e traduzido com elegância por Maria José Cyhlar Monteiro.
Rajan e Zingales mostram como o principal inimigo do desenvolvimento de um regime capitalista de créditos, empreendimentos e oportunidades são pessoas que se dizem capitalistas e, agarradas à saia da Viúva, pedem mais privilégios e menos concorrência.
Num país governado por uma ruinosa ekipekonômica, essa dupla de professores faz um interessante estrago intelectual. Adoram o mercado financeiro e defendem o usurário de "O Mercador de Veneza", de Shakespeare, com a coragem dos jagunços. Lidos no Brasil, parecem críticos da proteção que o Banco Central dá à banca. Ensinam que entre 1990 e 2000, nos países desenvolvidos, os chamados "benefícios privados" que os acionistas controladores tiraram de suas empresas ficaram em torno de 1% do valor de mercado das companhias. No Brasil, estima-se que a conta tenha ficado em 65%. Benefício privado é algo como vender barato uma matéria prima para outra empresa (do acionista), revendendo-a a um preço mais alto.
Rajan e Zingales têm pouca compaixão pelo andar de baixo. Acham que não há nada a fazer pelos inadimplentes do crédito imobiliário. Provam: na Inglaterra a retomada de um imóvel leva um ano e custa 4,75% do seu valor. Lá os empréstimos imobiliários equivalem a 52% do PIB. Na Itália o prazo sobe para três anos, e o custo vai a 20%. Os empréstimos caem para 5,5% do PIB. A dupla tem muito menos compaixão pelo andar de cima. Tanto pelos cartéis de bancos como pelos empresários que pedem benefícios em nome da ordem social. São esses, segundo Rajan e Zingales, os capitalistas que ameaçam o capitalismo. Os professores implicam com os políticos. Como se eles tivessem o monopólio da demagogia. (No Brasil, o dólar de R$ 1,20 de FFHH foi uma produção do Banco Central.)
O livro tem um incrível capítulo, onde louva-se a política econômica brasileira do final do século 19. (Leia-se Rui Barbosa.) Ragham e Zingales sustentam que, nos primeiros anos da República, Pindorama passou por uma saudável revolução burguesa. Menosprezam a crise conhecida como Encilhamento, quando o pessoal do papelório perdeu fortunas.
Em 1880 a indústria têxtil mexicana era o dobro da brasileira. Em 1915, a situação inverteu-se. Uma das causas da mudança foi a liberdade dada ao dinheiro. Pena que no século 21 a ekipekonômica tenha conseguido colocar o PIB brasileiro abaixo do mexicano.

Gabeira viu muito mais nessa fotografia

Deve-se a Fernando Gabeira uma fina percepção da cena que está aí em cima:
"Quando descemos o morro com um corpo carregado no carrinho de mão estamos estimulando o abuso de drogas. Estamos mostrando que mandamos para os ares um fundamento da civilização brasileira, o respeito aos mortos".
A maioria dos brasileiros com idade para ler jornal convive, desde que se conhece como gente, com uma guerra no Oriente Médio. Árabes e judeus matam-se num conflito onde se misturam ódio, racismo e intolerância. Essa guerra nunca produziu a cena de um soldado carregando um inimigo morto num carrinho de pedreiro. Muito menos o clima de ordem e naturalidade que há na imagem.
É possível que só exista coisa parecida na coleção de 140 fotografias tiradas num dia de setembro de 1941 pelo sargento alemão Heinz Joest no gueto de Varsóvia.

Gushipress 2

Por mais tediosa que seja a lembrança das promessas de campanha de Lula sua repetição pode ser uma forma de agradar ao companheiro Luís Gushiken.
Em julho de 1998, durante um encontro com advogados, Lula disse o seguinte:
"Assumo o compromisso de acabar com o uso indiscriminado de medidas provisórias. O atual governo adotou mais MPs do que os decretos-lei editados pelos governos militares. Limitar-me-ei ao que prescreve a Constituição Federal -para cuja elaboração contribuí- de só editar medidas provisórias em situações de emergência".
O compromisso continua de pé, sem o amparo dos números. Em 78 semanas de governo o companheiro Lula produziu 75 medidas provisórias, quase uma por semana. Bateu com folga as marcas de FFHH (2,73 por mês) e Collor (uma a cada dez dias).
Um exemplo de "situação de emergência" no governo Lula foi a MP que liberou a propaganda de cigarros no Grande Prêmio Brasil de Automobilismo de 2003.

Brechó PSDB

Se o PSDB não levantar a bola da candidatura da deputada Denise Frossard para a Prefeitura do Rio, ficará numa estranha posição: julga-se habilitado a voltar ao Alvorada com um candidato que lá viveu por oito anos e não consegue ter candidatos viáveis para disputar as prefeituras de São Paulo ou do Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do país.

Lorota

É falsa a idéia segundo a qual a banca internacional teme que Lula passe a torrar dinheiro. O medo espelhado na avaliação do JP Morgan é outro: chama-se estagnação econômica.


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