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SUPERFATURAMENTO
Negócio envolve BNDES e Fundo da Marinha Mercante
Fraude em construção de navios chega a US$ 100 mi
MAURÍCIO SIMIONATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELÉM
Uma fraude milionária envolvendo o Fundo da Marinha Mercante, funcionários do BNDES e
estaleiros no Norte do país está
sendo investigada há dez meses
pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Projeções iniciais
dão conta de um rombo nos cofres públicos de US$ 100 milhões.
De acordo com a investigação,
fraudadores arregimentam empresários e fazem propostas superfaturadas, no caso para projetos de construção de navios.
As propostas são então analisadas pelo BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico
e Social), responsável por gerir os
recursos do fundo, e então era liberada uma verba muito acima da
necessária para a construção da
embarcação.
A "sobra" era dividida entre os
empresários e o estaleiro responsável pela construção.
A Agência Folha ouviu cinco
empresários e dois engenheiros
navais de Belém (PA) que confirmaram o esquema de desvio de
verbas. O depoimento de cinco
deles consta no processo.
As investigações, que correm
em segredo de Justiça, mostram
que os US$ 100 milhões foram
desviados nos últimos dez anos
em que foram concedidos os financiamentos pelo BNDES com
os recursos do FMM (Fundo da
Marinha Mercante).
O BNDES confirmou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que tem conhecimento de
que existe uma investigação da
Polícia Federal e do Ministério
Públicos sobre o caso e que está
colaborando.
Suspeita
Marcos Cozzolino, coordenador-geral do Departamento da
Marinha Mercante, órgão do Ministério dos Transportes que controla o FMM, disse que, por causa
das suspeitas, os recursos para a
região amazônica foram suspensos no primeiro semestre.
"Estamos colaborando com a
investigação e vejo com maus
olhos toda essa suspeita, mas vamos aguardar o fim das apurações. Apesar de termos a responsabilidade pelo controle do Fundo, o risco do financiamento é do
BNDES", disse.
Entre os investigados está o ex-chefe do Denap (Departamento
de Navegação Portos e Hidrovias), da sede do BNDES no Rio
de Janeiro, Miguel Pedro da Cunha. Ele pediu aposentadoria em
abril deste ano após trabalhar 28
anos no banco.
Cunha nega as acusações e acusa empresários do setor na Amazônia de terem "montado" as denúncias contra ele.
"As acusações são mentirosas.
Eu não tinha como aprovar projetos sozinho. Acima do meu cargo
tinha um superintendente, que
encaminhava os projetos para a
diretoria do banco", afirmou.
O Fundo da Marinha Mercante,
que só no ano passado arrecadou
R$ 800 milhões, deveria ser usado
justamente na renovação da marinha mercante brasileira.
O BNDES é um dos agentes financeiros da verba arrecadada
pelo Fundo. Cabe ao banco analisar o risco do negócio e aprovar
ou não a liberação do financiamento aos empresários.
A fraude
Segundo as investigações, a
fraude começaria no estaleiro
ETN (Empresa Técnica Nacional
S.A.), com sede em Belém, que teria "facilidades" muito acima das
normais na aprovação de financiamentos de embarcações apresentados ao BNDES.
O estaleiro ETN, de propriedade do empresário Carlos Alberto
Câmara de Souza, supostamente
funcionaria como uma espécie de
escritório lobista para captar contratos de construção de embarcações para empresários de navegação que não tem capacidade econômica para conseguir o financiamento no banco.
Depoimentos dados à PF indicam que a ETN "foi responsável
pelo custeio de viagens" do ex-chefe do Denap para o exterior,
além do "oferecimento de presentes diversos". A Justiça Federal já
autorizou a quebra de sigilos bancários dos envolvidos.
A ETN era a responsável por
montar o projeto e conseguia a
aprovação no prazo de quatro a
cinco meses. O processo de outros
estaleiros demorava em média de
um ano a um ano e meio.
Os valores das embarcações
apresentadas seriam superfaturados em até 200%.
O empresário da navegação
construía a embarcação sem gastar nada e ainda ficava com uma
parte do lucro, mas para isso tinha que assumir toda a dívida, em
dólares, com o BNDES.
O lucro da transação era repassado para as contas bancárias da
ETN ou de empresários ligados à
empresa, segundo as investigações do Ministério Público.
Donos de barcos pequenos da
Amazônia eram o alvo principal
do esquema. A Waldemar Navegação, por exemplo, conseguiu
aprovar, por meio da ETN, um
projeto de US$ 985 mil do BNDES
para construir dois barcos no estaleiro, mesmo tendo um capital
social de R$ 450 mil.
"A ETN fez todo o projeto para
a gente. Todo o dinheiro que recebemos do BNDES foram repassados para a ETN construir os barcos", disse o sócio-proprietário da
empresa, Altair da Silva.
Outro empresário teve financiamento de US$ 2 milhões para fazer um barco de passageiros na
ETN, mas segundo especialistas
de outros três estaleiros, de Belém, o barco poderia ser construído pela metade do preço.
Projetado para transportar 350
passageiros, a embarcação fez
apenas quatro viagens, apresentou problemas mecânicos e está
parado até hoje.
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