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JANIO DE FREITAS
Muito além da margem
O jornalismo é como terra-de-ninguém aberta a todas as
invasões - por exemplo, em casos mais recentes, as invasões pelo
economicismo alheio ao leitor,
pelo neoliberalismo agora arrependido e por modalidades novas
de faturamento extra de jornalistas. Na quinta e na sexta-feira,
uma novidade: o jornalismo foi
invadido por manifestações de
percepção extrasensorial.
A primeira despontou em um
site de interesse global, quando
uma jornalista, já com muitos
anos consumidos nas redações,
difundiu que a sondagem eleitoral para próxima publicação
constatava melhoria de José Serra
e perda de Ciro Gomes. Na sexta-feira, a jornalista pôde fazer serviço mais completo. E ganhar companhia.
Com amplos pormenores factuais e analíticos, indicou os setores eleitorais onde a sondagem
detectara a fonte da queda substancial de Ciro Gomes, com a
consequente subida reanimadora
da candidatura de José Serra. E,
nesse caso usando o velho papel
impresso, outra jornalista, provavelmente baseando-se na colega,
sugeria a volta da dupla Lula-Serra ao segundo turno, com pontos de Ciro Gomes "herdados por
José Serra" segundo "sinais" das
próximas pesquisas.
Nas duas edições de ontem, Folha e "Globo" registravam nas
primeiras páginas:
"Dólar recua pela primeira vez
na semana" e "Dólar cede após
cinco dias de alta". Explicação
dos dois jornais para a reviravolta no mercado financeiro: "O
principal fator da melhoria do
humor do mercado foram rumores da subida do presidenciável José Serra" (Folha) e "rumores favoráveis a José Serra
(...) diante do sucesso da primeira troca de títulos públicos".
Esperada para este domingo, o
que era "a próxima pesquisa"
do Datafolha ainda estava na
fase de "campo" na sexta-feira,
ou seja, ainda estava consultando o eleitorado. Só na noite de
sexta-feira a pesquisa foi entregue à redação, para ser incluída
na edição de hoje.
Ciro Gomes não caiu, ficou no
mesmo índice, considerada a
margem de erro da pesquisa. José Serra não subiu, foi o único a
cair, indo além da margem de
erro de dois pontos para empatar tecnicamente com Anthony
Garotinho também no Datafolha. Mas muita gente ganhou e
muita gente perdeu altas somas
nas Bolsas e no mercado de
moeda, sob indução dos "rumores" falsos.
Nasceriam de graça essas informações falsificadas e determinantes de lucros e perdas? O
certo é que, para ficar na linguagem mais adequada ao caso, estão muito além da margem de
erro do jornalismo. E olha que
essa margem está tão alargada
que já se perde de vista, ou não
haveria ousadias como os "rumores" endolarados.
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