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CONVERSA INDISCRETA
Microfones haviam captado anteontem crítica aos EUA
Conversa com Fox não teve
"nada de mais", afirma FHC
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
O presidente Fernando Henrique Cardoso acha que não disse
"nada de mais", na conversa de
anteontem com seu colega mexicano Vicente Fox, captada por indiscretos microfones de televisão,
na qual lamenta a insensibilidade
norte-americana para a necessidade de ajudar os países pobres
da América Latina.
Tanto achou "normal" o comentário que repetiu ontem a sua
essência, dessa vez sabendo perfeitamente que a conversa estava
sendo gravada, em improvisada
entrevista coletiva à porta da Universidade de Salamanca, após receber o título de "doutor honoris
causa".
"Nossos comentários foram no
sentido de que, quando a Comunidade Européia foi formada, os
países mais ricos ajudaram os
mais pobres", relembrou o presidente, para em seguida engatar
com uma microaula de história.
"No fim da guerra (a 2ª Guerra
Mundial, entre 1939/45), Roosevelt e Churchill tinham muito claro o sentimento de criar um novo
mundo, um mundo de liberdade,
democracia e de bem-estar social", disse. É alusão a Franklin
Delano Roosevelt e a Winston
Churchill, os estadistas que comandavam respectivamente EUA
e Reino Unido à época.
Fechou o raciocínio assim: "A
integração nossa (da América Latina) agora precisaria também de
um impulso, para uma sociedade
mais igualitária".
De fato, a conversa FHC-Fox da
véspera era uma expressão de inveja pelo "brutal" progresso da
Espanha, a partir da ajuda "forte"
da Comunidade Européia, sempre conforme as observações do
presidente brasileiro.
E a conversa terminara com a
constatação compartilhada de
que os EUA, o único país que poderia repetir agora o esquema na
América Latina, não têm "concepção" para tanto.
É possível que a conversa enveredasse por inconfidências mais
complicadas diplomaticamente,
se Ana Tavares, a sempre vigilante
assessora de imprensa do presidente, não tivesse desconfiado de
que os microfones poderiam estar
registrando a conversa.
Ana pigarreou forte, FHC notou
algo e foi se afastando mais dos
microfones, que captavam cenas
da cúpula entre União Européia/
América Latina e Caribe, ontem
encerrada.
Na entrevista de ontem, FHC
cobrou dos países ricos "gestos
concretos de ajuda", citando até o
fato de o Brasil, "que não é dos
mais ricos", ter cancelado dívidas
de países centro-americanos e
africanos, porque não podem pagá-las.
Mas emendou: "A melhor ajuda
para nós é comércio livre, é acesso
a mercados, é transferência de
tecnologia, é formação nossa
mesmo de conhecimento. Isso é o
que precisamos".
O presidente retomou nesse
ponto uma constante de suas falas
mais recentes, a crítica, velada ou
aberta, aos Estados Unidos.
Primeiro, lembrou que, na universidade que acabara de lhe conceder o título de "doutor", 40%
dos 2.000 doutorandos são latino-americanos. "A Europa se dispõe
a apoiar e, quanto mais apoio
houver nessa matéria, melhor.
Acho que os EUA podem ter um
papel muito importante na questão do conhecimento na América
em geral", comparou.
Argentina
Mas, ao falar de Argentina, FHC
acabou fazendo uma crítica indireta à Europa, que, na véspera, pela voz do primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, havia dito
de público ao presidente Eduardo
Duhalde que seu único caminho é
fechar "rapidamente" um acordo
com o FMI.
"A Argentina precisa reorganziar seu sistema, inclusive financeiro, porque, no mundo moderno, não existe produção sem finanças", começou FHC, para logo
emendar: "Isso não quer dizer
que a gente deve dar um receituário à Argentina. Os argentinos sabem melhor que nós o caminho".
Em vez de receitas e sermões, o
presidente cobrou "apoio mais
efetivo" e disse esperar que, na
próxima reunião entre a União
Européia e o Mercosul, em julho,
"a Argentina já tenha sinais mais
concretos de apoio do FMI e dos
países em geral, assim como espero que até lá a Argentina tenha dado os passos necessários também
internamente".
FHC viajou à tarde, diretamente
de Salamanca para Roma, onde
participa hoje da cerimônia de canonização de Madre Paulina, a
primeira santa brasileira.
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