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NO PLANALTO
Arraes é "condenado" sem julgamento
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Se o mundo fosse feito de lógica, Miguel Arraes (PSB-PE)
não seria político. Fala para dentro. Discursa o ininteligível. Num
terreno movediço como o da política, traz os pés enfiados em pedestal de certezas absolutas. Não
se curva nem à evidência dos fatos. É estátua de carne e osso, efígie ideológica.
O nome de Arraes já vem precedido da legenda. Num meio em
que nada se perde, nada se transforma, tudo se corrompe, nunca
ninguém lhe havia posto em dúvida a honradez. Súbito, virou
réu. Acusaram-no de patrocinar,
em 1996, a suposta emissão fraudulenta de títulos do Estado de
Pernambuco. Era, então, governador.
O processo rasteja no Judiciário
desde julho de 1998. Já passeou
por escaninhos do STJ. Já fez baldeação na Justiça Federal pernambucana. Por fim, aterrissou
no STF. Deu-se em fevereiro de
2001. Lá se vão dois anos e oito
meses. E nada de julgamento.
Alertado por advogados, o também advogado Arraes vislumbrou na morosidade uma oportunidade para esquivar-se do julgamento. Em silêncio, requereu ao
Supremo, no final do ano passado, a exclusão de seu nome do
processo.
Invocando a idade avançada,
alegou que os crimes de que é acusado haviam prescrito. Relator do
processo, o ministro Carlos Veloso
deu-lhe razão. A prescrição só
ocorreria 12 anos depois do suposto delito. Mas conta-se o prazo pela metade quando o acusado tem
mais de 70 anos. Arraes, hoje um
vulto granítico a vagar pelos corredores da Câmara, tem 86.
Ao riscar o nome de Arraes do
processo, o ministro Veloso, longe
de absolver, condenou a efígie, a
pedidos, ao convívio com a suspeição. Arraes foi, por assim dizer, confinado numa Fernando
de Noronha metafórica. Viu-se
submetido, por opção, à tortura
da dúvida. Sua biografia, convenhamos, merecia a homenagem
de um veredicto peremptório.
A exclusão do nome de Arraes
não extinguiu o processo. Há outros réus. Entre eles, o deputado
Eduardo Campos (PSB-PE), neto
da efígie. Passou pela Secretaria
da Fazenda de Pernambuco na
ocasião da emissão dos títulos sob
análise. A seguir, um extrato da
peça de acusação:
1) sob Arraes, Pernambuco emitiu, em 1996, R$ 480 milhões em
títulos. Destinavam-se a quitar
precatórios (dívidas decorrentes
de sentenças judiciais);
2) anabolizaram-se os precatórios. Somavam R$ 26 milhões,
não os alegados R$ 480 milhões.
Um deles, de R$ 350 mil, virou R$
350 milhões;
3) a emissão dos títulos foi urdida por Wagner Ramos, um funcionário da Prefeitura de São
Paulo. Os papéis saíram da mesma fôrma em que foram assadas
letras de Alagoas e Santa Catarina. Juntas, compõem o bolo do escândalo dos precatórios;
4) contratado, sem licitação, para lançar os títulos no mercado, o
Banco Vetor amealhou, entre o
lucro da venda e a taxa cobrada
do Banco do Estado de Pernambuco, R$ 34,7 milhões;
Ouvido, Eduardo Campos informa: eleito governador, Arraes
herdou um Estado em petição de
miséria. Recusou a via das privatizações. Brasília negou-lhe ajuda. Ou emitia os títulos ou sobreviria o caos. Sob o barulho, há
muito de perseguição política.
Diz mais: o valor dos precatórios, de fato, estava errado. Mas o
equívoco, involuntário, foi do Tribunal de Justiça. O débito de
R$ 350 mil foi aos livros com três
zeros a mais. Pagos os precatórios, a sobra bancou outras despesas do governo. Ao "federalizar" a
dívida de Pernambuco, em 1999,
a União legitimou os papéis de
1996.
"Quero ser julgado", pede
Eduardo Campos, ministeriável
do PSB. "Não posso passar a vida
inteira sob inquérito." A quem interessar possa: no caso do neto,
convém não aguardar, por inútil,
a prescrição etária. Ele tem escassos 38 anos. Melhor julgá-lo.
Correção: aqui se informou, em
5 de outubro, que contrato firmado entre a Dataprev, braço tecnológico da Previdência, e a Cobra,
subsidiária do Banco do Brasil,
continha cláusula prevendo renovação por um ano. A hipótese de
prorrogação consta da proposta
de trabalho da Cobra, não do
contrato. O período aventado é de
dois anos, não de um.
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