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TÚNEL DO TEMPO
ONG divulga fita em que o então pré-candidato à Presidência agradava aos agricultores atacando multinacionais
Lula achava "burrice" liberar transgênicos
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma fita de vídeo gravada por
uma ONG antitransgênica mostra
o tamanho da divergência entre o
hoje presidente Luiz Inácio Lula
da Silva e o então pré-candidato à
Presidência Lula de julho de 2001
no que se refere à liberação dos
transgênicos. Na gravação, ao responder a uma pergunta de um repórter da Folha, Lula afirma que
era "no mínimo burrice", sob o
aspecto comercial, a liberação da
soja transgênica.
"Do ponto de vista comercial, é
no mínimo burrice de quem pensa que a soja transgênica vai abrir
algum mercado para o Brasil", diz
Lula na entrevista que concedeu
em 30 de julho de 2001 num sítio
de São Mateus do Sul (PR), durante a Caravana da Agricultura
Familiar, organizada pelo Instituto da Cidadania, entidade ligada
ao PT, e pela CUT (Central Única
dos Trabalhadores).
Na fita, gravada pela AS-PTA
(Assessoria e Serviços a Projetos
em Agricultura Alternativa), Lula
comenta a decisão do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, de assinar um decreto que
fixava regras para a rotulagem de
alimentos que contivessem
OGMs (organismos geneticamente modificados).
"Agora, eu sou radicalmente
contra [a liberação dos transgênicos] e acho um retrocesso o governo fazer isso. Isso, na verdade,
está acontecendo porque mais
uma vez a elite política desse país
se rende ao fascínio de uma multinacional", disse o petista.
A pedido de Lula, o vice-presidente da República, José Alencar,
baixou uma medida provisória há
três semanas para liberar o plantio e a comercialização de soja
transgênica no país.
Numa entrevista concedida em
17 de agosto último ao programa
"Fantástico", da Rede Globo, Lula
disse que estava mudando de
idéia a respeito dos transgênicos:
"Já fui politicamente muito contrário; hoje, cientificamente, tenho dúvidas". Mas, na entrevista
concedida durante a caravana do
Paraná, Lula mostra que também
levava em conta razões objetivas
econômicas, e não apenas científicas, para ser contrário à liberação da soja transgênica.
"Nem sei se o meu partido tem
uma posição coletiva, uma decisão. Eu, particularmente, sou
contra." Para justificar sua posição, Lula citou quatro motivos. O
primeiro, "não está provado cientificamente que é a melhor soja ou
que tenha as melhores qualidades
[do que] a soja orgânica"; o segundo, "você fica dependente de
semente que a [empresa multinacional] Monsanto é detentora da
patente"; e o terceiro, o suposto
erro de se achar que a soja transgênica abriria mercados ao país.
O quarto motivo, também de
natureza comercial, foi o mais explicado por Lula em sua entrevista. "Em vez de o Brasil ficar tentando disputar mercado com os
Estados Unidos, seria muito melhor que o Brasil aprimorasse a
nossa produção de soja não-transgênica e tentasse fazer com
que a nossa soja tivesse mais penetração no mercado europeu e
no mercado japonês".
Segundo o pré-candidato, "o
Brasil precisaria pensar enquanto
nação e definir o que o Brasil deseja primeiro, antes de ficar aceitando as imposições de empresas
multinacionais".
"Esperança"
Para o Lula de 2001, a opção de o
governo investir na soja não-transgênica seria boa para o governo: "Na minha opinião, seria
até uma questão de inteligência de
marketing do governo brasileiro e
seria uma agressiva política de comércio exterior, colocando para
competir a soja transgênica da
Monsanto com a soja não-transgênica que o agricultor brasileiro
tão bem já sabe produzir".
A gravação mostra que as palavras de Lula tiveram grande aceitação entre os agricultores que assistiam à entrevista. Os aplausos
tiveram de ser contidos pela apresentadora, que pediu silêncio nos
seguintes termos: "Eu sei que vocês todos ficam faceiros com essas
respostas do Lula. A gente vibra
de saber que a esperança está no
ar, mas a gente precisa deixar os
jornalistas trabalharem".
A entrevista então continuou.
Um jornalista de "O Estado de S.
Paulo" tocou novamente no tema, perguntando se Lula, eleito
presidente da República, proibiria os transgênicos. Lula se mostrou contrariado com o fato de o
repórter voltar ao mesmo assunto
e com a especulação sobre a definição do processo eleitoral: "É
muito difícil você dar resposta para uma coisa que vai acontecer
daqui a um ano e meio. O que eu
acho é que o Brasil não precisa de
soja transgênica. Para bom entendedor, meia palavra basta. O que
vai acontecer depois do dia 1º de
janeiro de 2003, você vai ficar sabendo no momento".
Durante a campanha eleitoral,
Lula tornou a se manifestar contrariamente aos transgênicos levando em conta aspectos econômicos e ambientais. Mas, dessa
vez, no papel. O texto explicativo
do projeto Fome Zero diz, na página 87, que os transgênicos "não
resolverão" o problema da fome
no país e acrescenta: "Pelo contrário, o cultivo de produtos transgênicos poderá prejudicar o acesso
aos mercados externos importantes para o Brasil, que exigem áreas
livres de transgênicos, e pode promover uma poluição genética
com resultados imprevisíveis".
O texto do projeto, que teve a
coordenação geral do próprio Lula, continua, no capítulo que trata
da agricultura familiar: "O projeto
Fome Zero apóia as propostas da
Campanha Nacional Por um Brasil Livre de Transgênicos, que envolve diversas entidades e ONGs".
A AS-PTA, que fez a gravação
da visita de Lula ao Paraná, integra a campanha citada no texto.
(RUBENS VALENTE)
Colaborou PLÍNIO FRAGA, da Reportagem Local
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