|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TRIBUTÁRIA
Redução dos tributos em cascata e da autonomia dos Estados foi aplicada pelo ministro Octávio de Bulhões em 65
Reforma de militares inspira a de Lula
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A reforma tributária proposta
pelo governo Luiz Inácio Lula da
Silva tem uma fonte de inspiração
que a muitos pode parecer inusitada: a reforma promovida em
1965 pelo regime militar, sob o comando de economistas de pensamento liberal.
Redução da autonomia dos Estados, fim da guerra fiscal por investimentos, redução dos tributos
que incidem em todas as etapas
do processo produtivo, desoneração das exportações e equilíbrio
das contas públicas -os princípios apresentados há 38 anos pelo
então ministro da Fazenda, Octávio Gouvêa de Bulhões, são repetidos hoje pelo petista Antonio
Palocci Filho.
Trata-se de mais que simples
coincidência ou promiscuidade
ideológica. Especialistas concordam que a reforma dos militares
criou um sistema de impostos
moderno e até inovador para a
época, contribuindo, mais à frente, para as taxas recordes de crescimento no período do "milagre
econômico".
Não é improvável que venha daí
a crença nacional em reformas
tributárias capazes de tirar o país
do atoleiro, propulsora de dezenas de projetos nesse sentido nos
últimos anos. A experiência mostra, porém, que a tarefa é muito
mais difícil sob ares democráticos. Não é por outro motivo que
as ambições de Lula são bem mais
modestas.
Nos tempos de Bulhões, que administrava a economia ao lado de
Roberto Campos (Planejamento),
tecnocratas podiam aplicar livremente os modelos que desenhavam em suas pranchetas. Pouco
importavam as demandas de governadores, o impacto na opinião
pública, o Congresso -que sancionou em menos de dois meses a
reforma "proposta" em 65.
Inovação e autoritarismo
Foram criados dois impostos, o
ICM (hoje ICMS) e o IPI, que indiciam sobre o valor agregado, ou
seja, descontavam da tributação o
custo de produção das mercadorias. O mecanismo, hoje consagrado por evitar a cumulatividade, era quase inédito então. Quase
toda a Europa o adotou depois do
Brasil.
O regime autoritário impôs
uma alíquota uniforme para o
ICM, impedindo que Estados oferecessem benefícios para a atração de empresas. A União passou
a centralizar as principais decisões sobre a tributação, para harmonizá-las com o seu projeto
econômico.
Lula, um admirador declarado
do espírito de planejamento dos
militares, participou, como deputado, da reforma tributária seguinte, promovida pela Constituição de 88. Nesse caso, porém, os
objetivos eram outros: ampliar a
autonomia de Estados e municípios e reduzir o peso federal no
bolo tributário -em outras palavras, um novo pacto federativo
compatível com a redemocratização do país.
A estrutura de impostos de 65,
basicamente mantida, passou a
revelar problemas de adaptação à
nova era. Enquanto nos países desenvolvidos a regra é manter o
principal tributo sobre o consumo na competência federal, o
ICMS estadual brasileiro abriu caminho para uma infinidade de legislações e alíquotas diferentes.
Nos anos 90, quando o país recebeu uma nova onda de investimentos externos, a guerra fiscal
voltou com força.
Mais: o desenvolvimentismo do
regime militar deixou entre suas
sequelas um Estado em severa crise financeira, cujos sinais mais
evidentes foram a moratória da
dívida externa e uma inflação galopante. Foi nesse cenário que o
governo federal se viu forçado a
recompor sua arrecadação.
Contribuições
A saída mais fácil deixada pela
Constituição de 88 era lançar mão
das chamadas contribuições sociais, cujas receitas não precisam
ser compartilhadas com governadores nem com prefeitos. As siglas criadas desde então são velhas conhecidas hoje: Cofins,
CSLL, CPMF, Cide.
Em busca de novas bases para a
taxação, foi abandonado o princípio de 65 segundo o qual a cumulatividade deveria ser evitada. A
Cofins incide sobre o faturamento; a CSLL, sobre o lucro líquido; a
CPMF, sobre a movimentação
bancária. Em resumo, tributam
toda a cadeia produtiva.
As tentativas de nova reforma
começaram no governo Collor,
quando o país ingressou na era
batizada de "neoliberal".
A debilidade política do presidente, no entanto, não permitiu
mais que a elaboração de projetos
por uma comissão de especialistas.
O governo Fernando Henrique
Cardoso foi iniciado com um projeto ambicioso, baseado na substituição do ICMS por um IVA
(Imposto sobre Valor Agregado)
federal. Mas a crise nas contas públicas, agravada pelo Plano Real,
levou a equipe econômica a preferir a receita garantida das contribuições sociais.
Lula ressuscitou, como prometeu na campanha, a bandeira da
reforma tributária.
Mesmo retomando os princípios de 65, sofre limites políticos e
econômicos: propõe unificar a legislação do ICMS, mas não há
consenso para mudar a cobrança
do imposto; propõe eliminar a cumulatividade da Cofins, mas não
pode abrir mão da CPMF.
Texto Anterior: Tributária: Prefeitos querem criar nova taxa de limpeza urbana Próximo Texto: Elio Gaspari: O erro novo de Berzoini com a fila dos pobres Índice
|