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NO PLANALTO
Notícia para irritar quem vai pagar IR
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Diz-se que o crime não
compensa. Bobagem. Às
vezes vale a pena. Só que aí muda
de nome. Abaixo, a história de
delito que alcançou a graça do rebatismo.
Chamava-se contrabando. O
maior já detectado no país. Roça
os R$ 200 milhões. Graças ao Judiciário, ganhou outro nome: descuido.
Foi assim, apelidada de desatenção, que uma hiperdelinquência compensou na semana passada. Aos detalhes:
1) a coisa começou com uma
carta anônima enviada à PF e à
Receita. Denunciava uma cilada
contra o erário. À testa, firmas da
Zona Franca;
2) seduzidas por vantagens fiscais, deveriam fabricar eletroeletrônicos em Manaus. Trariam peças do exterior, livres de impostos.
Em troca, montariam os aparelhos com mão-de-obra amazônica;
3) em vez de peças, importavam
equipamentos prontos -de televisores a máquinas fotográficas.
Vinham da Ásia com manual em
português e selo de origem: "Produzido no pólo industrial de Manaus";
4) a muamba deslizava por entre as pernas da Receita. Fiscais
deixavam-se driblar em troca de
propinas milionárias;
5) resultado: além de não coletar os tributos, o governo brasileiro bancava a geração de empregos e renda em países asiáticos.
Uma lambança;
6) guiando-se pelo texto da carta anônima, a PF grampeou telefones. Bingo. Confiscaram-se em
2002 cerca de R$ 200 milhões em
contrabando;
7) a investigação alcançou cinco empresas. Chama-se DM Eletrônica da Amazônia a campeã
de fraudes. É fornecedora da gigante CCE. Sozinha, importou
cerca de R$ 50 milhões em
muambas;
8) pilhados em flagrante, três
empregados da DM foram ao xilindró. Junto com eles, dois fiscais
da Receita foram sentenciados a
penas de 21 a 35 anos de cana;
9) denunciados, executivos das
empresas respondem em liberdade. O réu mais notório é Isaac
Sverner, presidente da CCE;
10) Sverner alegou que nada tinha a ver com a DM da Amazônia. Descobriu-se que é dono de
30% da DM. Sustentou que, se erros havia, não eram da CCE. Mas
parte da muamba asiática trazia
a marca CCE grudada à carcaça;
11) em apuros, Sverner contratou advogado de nomeada: Marcio Thomaz Bastos. Feito ministro de Lula, Thomaz Bastos passou a chefiar a mesma PF que
ajuntou provas contra o ex-cliente;
12) à margem da guerra penal,
abriu-se uma trincheira cível. A
DM armou-se de alguma esperteza e muita tecnicalidade jurídica.
Disse ter encomendado só componentes eletrônicos. O embarque
de aparelhos prontos devia-se a
"equívoco" do fornecedor asiático;
13) para corrigir o "erro", a DM
reivindicou a liberação da aparelhagem mediante o pagamento
dos tributos. A Justiça amazonense disse não. O jogo virou no
TRF1, tribunal de Brasília;
14) esgrimindo recursos judiciais que omitiam o logro, a DM
convenceu juízes de Brasília de
que, pagando os impostos, poderia reaver a muamba;
15) na quarta-feira, premida
por ordem judicial, a Receita começou a restituir à DM parte do
produto do crime. A devolução
prossegue na terça-feira;
16) há mais: pelas contas do Fisco, parte do contrabando liberado pelo TRF1 deveria render R$
15,8 milhões em tributos. A DM só
depositou em juízo R$ 6,2 milhões. Pagou imposto de peças,
não de aparelhos acabados;
17) há pior: a decisão do TRF1
manda liberar também equipamentos retidos em Belém (28 contêineres) -cerca de R$ 7 milhões
em impostos, dos quais nenhum
centavo foi pago;
18) o Ministério Público e a Fazenda tentam derrubar a decisão
judicial brasiliense. Pedem a extinção da DM e a perda do contrabando em favor da União;
19) se fracassarem, sobrevirá o
paradoxo: cinco pessoas terão sido condenadas por um crime que,
aos poucos, se esfuma. Uma delas,
Maristela Santos de Araújo, auditora da Receita sentenciada a 35
anos, ganhou liberdade provisória na quarta-feira;
20) vai ao lixo, de resto, a política de incentivos fiscais. Conforme
assentado na sentença que levou
bagrinhos ao cárcere, a DM é mera "maquiadora de produtos
fraudulentamente importados".
De centro industrial, a Zona
Franca passa a pólo muambeiro.
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