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JANIO DE FREITAS
Caráter mínimo
É difícil imaginar o que R$ 15
podem representar no mês
miserável de milhões de brasileiros. Muito mais difícil, porém, é
imaginar o futuro, e não precisa
ser o futuro distante, que resultará
da convivência contraditória entre os tantos problemas do Brasil e
a classe política retratada, com
perfeição, no dá ou não dá R$ 15 a
mais ao salário da humilhação,
dito salário mínimo.
A política implica conduta mais
maleável do que a maioria das demais atividades. O que não se confunde com inexistência de limites.
Ou seja, não se confunde com o
que temos visto em todos os níveis
da prática política no Brasil, e de
que a votação do mínimo no Senado merece ficar como símbolo.
Nenhum déficit neste país de déficits tem conseqüências mais terríveis do que o déficit de decência
pessoal na política. É deste que se
irradia a imoralidade nacional, a
imoralidade que permeia toda a
vida pública e lança extensões à
vida privada, sobretudo se empresarial.
Em um Senado composto por 81
figuras, não passa de uma dúzia,
se a isso chegar, o número dos que
não se passaram atestados autodenunciadores. A bancada do PFL
que votou com unanimidade nos
R$ 15 a mais é a bancada que sustentou as sucessivas extorsões do
governo Fernando Henrique, fosse
pelo salário mínimo ou por tantas
outras medidas de então. Um único furou a unanimidade do PSDB
na inversão de tudo o que os peessedebistas disseram e fizeram até
tão pouco tempo. O PPS, pseudocomunista, enlaçou-se no PFL e no
PSDB e se pôs contra qualquer melhoria do salário mínimo. Três
quartos da grande bancada do
PMDB votaram contra os votos
que deram durante os oito anos do
governo passado. No falecido PT,
só Serys Slhessarenko (MT), Flávio
Arns (PR) e, redimindo-se de atitudes recentes, Paulo Paim (RS)
mantiveram a face, a meio de
Mercadante, Suplicy, Cristovam
Buarque, Roberto Saturnino e outros inversores de si mesmos.
Favoráveis ou contrários ao governo, os que se têm mostrado em
atitudes modificadas foram hipócritas antes ou o são agora? Nenhum provaria, porque ninguém
poderia fazê-lo, que as condições
nacionais ou a mudança de governo trouxeram situações tão novas
que lhes impusessem a repentina
inversão, iniciada com os primeiros atos de Lula, de atitudes e palavras mantidas por anos e anos,
quando não demarcadoras da vida pessoal inteira. Suas inversões
não estão ocorrendo só em decisões superficiais, mas também,
com freqüência, em decisões que
envolvem princípios.
Por isso, os R$ 15 não estiveram
em questão quando o mínimo salário mínimo foi aprovado pela
Câmara ou quando o Senado lhe
deu o mínimo acréscimo que o governo Lula não admite. Em questão, de fato, nessa como nas votações precedentes de deputados e
senadores que há e meio exibem as
inversões individuais e partidárias, o que está em questão é a
(i)moralidade política, é a dignidade devida a instituições. É, em
termos pessoais de cada político, o
caráter. Aí está, antigo e se agravando como nunca, o grande déficit da política brasileira, o déficit
que cultiva e se alimenta dos problemas que o Brasil não soluciona.
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