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QUAL REFORMA?
Presidente do STF tenta manter canal de comunicação aberto com governo; categoria decide paralisação amanhã
Ameaça de greve de juízes pressiona mudança
MARTA SALOMON
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O recuo do recuo, como ficou
conhecida a negociação que resultou na nova versão da reforma
da Previdência, não deu às regras
de aposentadoria do setor público
o seu formato definitivo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
soube disso antes mesmo de o relatório do deputado José Pimentel
(PT-CE) ser lido no plenário da
Câmara, na quinta-feira.
Nesse dia, quando reuniu no
Palácio da Alvorada alguns de
seus principais assessores, Lula
ouviu de um deles que o limite de
remuneração imposto ao Poder
Judiciário nos Estados -75% dos
vencimentos de um ministro do
Supremo Tribunal Federal- cairá nos tribunais, caso seja aprovado pelo Congresso.
Pivô da ameaça de greve dos juízes, com cores de crise institucional, o chamado subteto entrou na
reforma previdenciária para ajudar o caixa dos governadores, que
fazem o papel de cavalaria montada na estratégia do governo em favor das reformas.
O presidente da Câmara, João
Paulo Cunha (PT-SP), e o presidente do STF, Maurício Corrêa,
também sabem o que Lula sabe.
Os dois trocaram telefonema na
tumultuada tarde de quinta-feira.
João Paulo tranquilizou Corrêa:
"Isso vocês resolvem depois", comentou sobre o subteto.
Na sequência, o ministro classificou de "inadmissível" a ameaça
de greve dos juízes.
Porta-voz do Judiciário nas negociações, Corrêa zela para manter o canal aberto. Pessoalmente,
está mais interessado na aprovação da emenda que aumenta de
70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória.
A mudança evitaria que o presidente do Supremo tivesse de deixar o posto em maio do ano que
vem, no meio do mandato.
Sem a pretensão de ser definitivo, o recuo do recuo selado na
quinta-feira teve um objetivo
muito claro na estratégia do Planalto. Depois de menosprezar inicialmente o poder dos juízes, o
governo descobriu que a reforma
previdenciária não se completa
com a promulgação da emenda
constitucional pelo Congresso. A
palavra final caberá aos tribunais.
E isso dá aos juízes mais poder do
que aos partidos políticos e os diferencia dos outros servidores.
É o poderoso poder da toga.
Contribuições
Caberá aos juízes definir, por
exemplo, o destino da contribuição de inativos, curiosamente deixada de fora da pauta de negociações e responsável pela maior
parte do efeito da reforma nas
contas públicas.
Os senadores José Sarney
(PMDB-AP), Renan Calheiros
(PMDB-AL) e Aloizio Mercadante (PT-SP), presidente do Senado,
líder do PMDB e líder do governo,
respectivamente, questionaram
Corrêa sobre o aparente desaparecimento da polêmica em torno
da cobrança dos inativos.
"Os tribunais vão cuidar disso
depois", foi a frase que ouviram
sobre o questionamento.
No complicado jogo entre Poderes, o presidente Lula deu sinais
de não se intimidar com uma
eventual greve nacional dos juízes. Caso ela ocorra, será a primeira na história do país. A decisão
está prevista para amanhã, em
reunião da AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros).
O presidente da entidade, Cláudio Maciel, diz ter certeza de que a
greve sairá, independentemente
da provável falta de apoio público
e de um igualmente provável arranhão na instituição: "Pode desmoralizar [o Judiciário], mas pior
do que ficará com a reforma da
Previdência é impossível", argumenta. "Estamos sendo chamados para o confronto."
Maciel tenta pensar com a cabeça do ministro Antonio Palocci
Filho (Fazenda), um dos principais opositores a concessões
maiores na reforma. "Se estão
preocupados com a reação do
mercado, como pensam que o
mercado vai reagir a uma crise
institucional?", provoca.
A história recente registra uma
ameaça parecida de greve de juízes, em fevereiro de 2000. Foi
abortada na véspera por uma polêmica decisão do ministro Nelson Jobim no Supremo Tribunal
Federal. Por meio de liminar, Jobim concedeu aumento salarial
disfarçado em auxílio-moradia.
O presidente da AMB participou da negociação e, até a semana
passada, estava certo de que haveria um acordo para garantir aposentadoria integral com repasse
dos reajustes (a chamada paridade) aos atuais e aos futuros servidores, além de um limite mais elevado (90% do vencimento do
STF) aos salários dos magistrados
nos Estados.
"É a mesma coisa que um cabo
ganhar mais do que um almirante", reclama sobre o percentual de
75% do subteto. Os almirantes, no
caso, seriam os desembargadores.
O "acordo" a que Maciel se refere era uma proposta de negociação tornada pública por líderes
governistas antes da hora e que
basearia as articulações comandadas pelo presidente da Câmara,
João Paulo. O episódio rendeu ao
deputado o apelido de "anti-Midas" na cúpula política do governo -uma referência à personagem que transformava tudo o que
tocava em ouro.
As trapalhadas na articulação
política do governo despertaram
uma legião de "experts" em política na oposição. Embora ninguém
imaginasse que a reforma previdenciária encaminhada ao Congresso no final de abril pudesse
ser mantida intacta, foram vários
os que concluíram que Lula "piscou" antes da hora, abrindo caminho a pressões ainda mais fortes.
Para um outro grupo também
numeroso, o erro de Lula foi tratar todos os servidores públicos
como iguais -um princípio do
qual o governo não abre mão.
O ministro Ricardo Berzoini
(Previdência), voto vencido em
concessões maiores para conter a
resistência do Judiciário, insiste
que a porta das negociações não
foi fechada pelo governo.
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