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JANIO DE FREITAS
Os efeitos do sucesso
O grande sucesso da semana não teve sucesso, mas gerou até imprevisíveis efeitos de
ordem comercial, bem além do
seu propósito eleitoral e da confusa discussão que provocou.
Embora aliados e aliadas de
José Serra publicassem que sondagens indicavam melhoria da
sua posição, sugerindo eficácia
da representação ideológica de
Regina Duarte, o estado-maior
do candidato captava uma certeza cruel. A sonoridade provocada pela atriz foi a esperada,
desde a primeira entrada na segunda-feira, mas com os sinais
inesperados. Na expectativa de
que os efeitos pretendidos viessem pela insistência, a representação foi repetida na terça-feira
e, já com relutância, ainda na
quarta. Nesse dia, a sondagem
de repercussão sentenciou: Regina Duarte tinha que ser retirada. Já o programa de quinta-feira foi modificado.
Era tarde, a julgar pelo ocorrido em cinco dias, de segunda a
sexta, dos quais três com Regina
Duarte: nos votos em geral, a distância entre José Serra e Lula da
Silva subiu de 26 para 29 pontos,
com o primeiro repetindo os 32
pontos da semana anterior e o
petista passando de 58 para 61.
Nos votos válidos, distância aumentada em de 28 para 32 pontos, com Lula subindo de 64 para
66 e Serra caindo de 36 para 34.
Tudo isso na aferição do Datafolha concluído na sexta.
Não foi só. Alheio à campanha
de Serra, outro estado-maior
passava por efeitos dramáticos
criados pela atriz. Não o comando da campanha de Lula, está
visto por quê, mas o da Telemar,
a telefônica que opera na maior
parte do país. Estava tudo pronto para o lançamento, em princípio na terça-feira, de uma vasta
campanha publicitária da empresa, quando na véspera, em cima da hora, desastre à vista.
À vista de quem estivesse vendo o programa lançado pela
campanha de Serra e depois visse a campanha da telefônica: a
personagem central da pesada
propaganda política atingia letalmente a suave personagem da
publicidade comercial. Eram a
mesma. E nenhuma promessa
de bons serviços evitaria, nos
76% que votaram contra José
Serra, deduções negativas para a
empresa.
A Telemar e seus publicitários
perceberam com mais presteza
do que os marqueteiros de José
Serra que, a par do desejo amplamente majoritário de mudar
o que o atual governo representa, o eleitorado se mostrara cansado de ataques no estilo
collorido. O que resultara contra
Roseana Sarney e Ciro Gomes,
com a contribuição decisiva de
ambos, ao voltar-se contra Lula
não funcionou. Apesar disso, a
campanha de Serra ainda conta
com seis dias para atacar Lula e
já mostrou que nesse propósito
não reconhece limites rígidos.
O efeito mais geral da atitude
de Regina Duarte foi positivo.
Evidenciou uma confusão de
conceitos e de idéias que explica
muito do Brasil atual. A questão
suscitada pela atitude de Regina
Duarte não é a liberdade de expressão, invocada por tantas
pessoas respeitáveis com argumentos como "ela tem o direito
de dizer o que quiser", estão fazendo "patrulhamento" -essa
expressão fascistóide para fugir
a críticas-contra ela, e por aí
afora.
A questão suscitada foi a da
ética na liberdade de opinião.
E não consta que seja ético
atribuir, sem expor nem o mínimo fundamento, intenções
malignas que justificassem a frase "tô com medo", que nem era a
afirmação de um estado de espírito, mas o claro intuito de induzir um medo não justificado mas
que influísse no exercício da cidadania por outros. Afirmar que
Lula, se eleito, vai "jogar na lata
de lixo" tudo o que é bom, é usar
de mentira, é desonesto.
Regina Duarte e qualquer outro goza do direito de ir à TV e
dizer por que prefere tal candidato e por que não vota em tal
outro. Mas, se isso implica julgamento de valor, o "por que" é
fundamental. E nem mesmo ele
torna absoluto o "direito de dizer o que quiser": em um exemplo extremado para ser ponto final, alguém tem o direito de ir à
TV sugerir a crianças que experimentem drogas?
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