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AGENDA DA TRANSIÇÃO
País sofre com o apagão e indeniza as distribuidoras
Foram nove meses de redução compulsória do consumo de luz,
seis deles com corte de 20% nas residências e de até 35% nas
indústrias; antes, o único racionamento importante no
país após os anos 50 havia sido restrito ao Nordeste, em 87/88
CHICO SANTOS
DA SUCURSAL DO RIO
O governo do presidente Fernando Henrique Cardoso foi responsável pelo primeiro racionamento de âmbito nacional (exceto o Sul) da história moderna da
energia elétrica no Brasil (pós-Furnas). Junto com o Plano Real
(iniciado no governo Itamar
Franco), foi o fato que mais afetou
o cotidiano dos brasileiros nos últimos oito anos.
Além de terem sido obrigados a
gastar menos luz, os consumidores, ao final do episódio, foram
obrigados a cobrir, via aumento
de tarifa, as perdas das empresas
de energia com a redução forçada
dos seus faturamentos.
Foram nove meses de redução
compulsória do consumo, seis
deles com corte de 20% nas residências e de até 35% nas indústrias. Antes, o único racionamento importante ocorrido no país
após os anos 50 havia sido restrito
ao Nordeste, no período 87/88.
De acordo com especialistas do
sistema elétrico, a escassez foi precipitada pela combinação do atraso nas obras da hidrelétrica de Itaparica (complexo de Paulo Afonso) com a demora na conclusão
da interligação Norte-Nordeste,
que levaria energia de Tucuruí para o Nordeste.
O apagão, como ficou conhecido o último racionamento, começou no dia 4 de junho do ano passado e se estendeu até o dia 28 de
fevereiro deste ano, com abrandamento das metas a partir de 1º de
dezembro. A insuficiência de investimentos em geração e transmissão de energia foi sua principal causa.
De acordo com levantamento
do engenheiro e economista
Maurício Tolmasquin, da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro), os investimentos caíram de uma média anual de
R$ 13 bilhões de 80 a 89 para R$ 7
bilhões/ano de 90 a 98.
O estudo constatou também
que o menor
volume de investimentos
ocorreu no primeiro mandato de FHC
(1995-1998), ficando em
R$ 5,3 bilhões
anuais, contra
R$ 6,4 bilhões
no governo
Itamar Franco
e R$ 8,9 bilhões
no governo
Fernando Collor. Os estudos
técnicos apontavam para
uma necessidade anual de
R$ 10 bilhões
ao longo dos três governos.
Um trabalho encomendado pelo governo à empresa de consultoria Coopers & Lybrand, concluído em outubro de 1996, ao
custo de US$ 10 milhões, já alertava para o risco de falta de energia
elétrica no final dos anos 90.
O documento, que não teve publicidade na época, recomendava
medidas que foram tomadas durante o racionamento do ano passado, como a criação de um órgão
à semelhança do "ministério do
apagão", como ficou conhecida a
Câmara de Gestão da Crise de
Energia Elétrica, presidida pelo
ministro da Casa Civil, Pedro Parente.
A privatização do setor
elétrico começou mais de
um ano antes
do alerta, em
julho de 1995,
com a venda
da Escelsa (Espírito Santo
Centrais Elétricas), empresa
federal de distribuição de
energia.
Em 1996 foi
vendida a
Light, distribuidora federal do Rio, e em
1998 foi a vez
da Gerasul (sul
do país), única geradora estatal
privatizada. A partir de 1996 foi
vendida a maior parte das distribuidoras estaduais, mas a privatização das grandes geradoras federais (Furnas, Chesf e Eletronorte)
ficou emperrada.
Para o físico Luiz Pinguelli Rosa,
diretor da Coppe-UFRJ, "há uma
relação direta, causal entre o apagão e o programa de privatizações". Para ele, ao decidir criar
um mercado de energia elétrica e
privatizar as empresas, o governo
passou a restringir os investimentos das geradoras estatais.
"Entregou-se a gestão da energia elétrica ao setor macroeconômico do governo", disse. Segundo
Pinguelli, o dinheiro das estatais
do setor passou a ser usado para
fechar as contas do governo, e as
empresas privadas não investiram porque o setor público não
definiu as regras para esses investimentos.
O físico defende para o setor elétrico um modelo no qual se combinem investimentos públicos e
privados, dentro de regras que
considerem a energia um serviço
público, com obrigações claramente definidas para seus participantes.
Outro especialista, o engenheiro
Adriano Pires Rodrigues, também da Coppe, tem ponto de vista
diferente. Para ele, "a falta de privatização gerou o apagão". Rodrigues diz que o governo pecou por
falta de planejamento.
Os problemas, na sua avaliação,
começaram com a venda das distribuidoras antes das geradoras.
Prosseguiram quando o governo
interrompeu as vendas de estatais, temendo a elevação de tarifas
e a consequente inflação, e ficou
esperando que o setor privado investisse no lugar das estatais. "Deram o azar de vir uma seca, e o resultado foi o apagão", conclui.
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