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NO PLANALTO
Chama-se desalento o fenômeno que atrapalha Serra
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Cena um : manhã de sábado,
mercado de Guaianazes,
bairro pobre da zona leste de São
Paulo. Um torrão só carimbado
por pegada de político em tempo
de eleição. O governador Geraldo
Alckmin e o deputado José Aníbal, dois grão-tucanos, buscam,
de barraca em barraca, o calor de
mãos eleitoras. Durante 40 minutos, esgueiram-se por entre tabuleiros de frutas, verduras, cereais,
carnes, peixes... Mantimentos às
moscas. Contaram escassos cinco
clientes. Cumprimentaram mais
barraqueiros.
Cena dois: manhã de terça-feira, divisa do Distrito Federal com
Goiás, a 45 minutos de carro do
Palácio do Planalto. Abespinhados com um aumento de 11,9% na
passagem de ônibus, moradores
de cidades goianas que ganham a
vida em Brasília muniram-se de
pedras e paus. Destruíram cerca
de 40 ônibus em quatro horas e
meia de fuzarca, que envolveu
aproximadamente 3.000 pessoas.
Convocada, a polícia disparou
balas de borracha e bombas de
gás. Prendeu 18, autuou dois. Autorizado pelo Ministério dos
Transportes, o reajuste começara
a vigorar havia quatro dias. Passagens de R$ 1,70 e R$ 2,20 foram,
respectivamente, a R$ 1,90 e R$
2,45.
Não carece digerir mapas de
pesquisas eleitorais para entender
o que se passa com a candidatura
governista de José Serra. Basta
olhar em volta para descobrir o
nome do sentimento que embala
a caravana oposicionista de Ciro
Gomes. Chama-se desânimo.
O tucanato paga a fatura do
mandato longevo. Passados oito
anos, FHC serve à bugrada um
pudim indigesto. A receita mistura estagnação econômica, extorsão tributária, insegurança e desemprego.
O Dieese contabiliza algo como
19% de desempregados na Grande São Paulo. Ou seja, de cada
cinco pais de família, um encontra-se no olho da rua. Segundo o
IBGE, a produção industrial paulista caiu 5,6% em maio, em comparação com o mesmo mês de
2001. São informações que ajudam a explicar o ermo que rodeou Alckmin e Aníbal no mercado de Guaianazes. Falta grana
até para o básico.
O aumento de ônibus que converteu em ira o desalento de trabalhadores das cercanias de Brasília encontra justificativa técnica
na disparada do dólar. A Petrobras amarrou o preço do petróleo
à gangorra do câmbio. Mas tente-se explicar isso à cozinheira Maria do Carmo da Silva Corsino.
Ela viajava no primeiro ônibus
depredado na terça-feira. Levava
pela mão dois filhos. Ia para o
trabalho, num apartamento da
Asa Sul de Brasília. "Quando eu
vi a chuva de pedras, fiquei apavorada", conta. Por sorte, conseguiu embarcar num outro ônibus,
que, esquivando-se pelo matagal,
escapou da barricada de pneus
erguida por manifestantes na rodovia.
Em quem vota Maria do Carmo? "Ciro Gomes." Por que não
Lula? "Não sei dizer. Acho que ele
não estudou. Se ganhar, vai chegar um ponto que o Exército toma conta. Não vai prestar." E
quanto a José Serra? "Vai continuar tudo a mesma coisa." Mas
FHC não fez um bom governo?
"Pros ricos pode ter sido. Pra nós,
não."
O apego da Petrobras ao dólar
inflou também o preço do gás.
Compelida a pagar R$ 28 pelo botijão, a gentuça decerto entoará
loas a Serra quando receber o vale-gás de R$ 7. "O gás está tendo
uma influência eleitoral extraordinária", lamuria-se o deputado
Jutahy Magalhães Jr. (PSDB-BA).
O tucanato colhe, neste ocaso de
segunda administração, uma
tempestade que começou a semear no primeiro mandato. Se
não tivesse apostado a biografia
na reeleição, FHC talvez tivesse
desvalorizado o câmbio ainda em
97, antes da crise da Ásia. Como
propugnava, diga-se, José Serra.
E o dinheiro de estatais levadas
ao martelo a toque de caixa talvez tivesse servido a causas mais
nobres do que o mero financiamento da fantasia do dólar barato. A dívida pública, que era de
R$ 153 bilhões em 94, soma hoje
algo como R$ 708 bilhões. O que
torna o governo refém do mercado.
Some-se a tudo isso a conjuntura mundial hostil e obtém-se uma
atmosfera de crescente tensão,
que conspira a favor da mudança. A malta emite sinais de que
deseja experimentar coisa diferente.
Quanto mais demorar a entender o que se passa, menor será a
capacidade de reação do governo.
Reduziram-se os juros na última
quarta-feira. Tarde demais. Os
efeitos da medida, dizem os especialistas, chegarão junto com o
Natal.
A oposição se firma como alternativa porque vende ao eleitor algo que ele deseja ardentemente
comprar: esperança. Pode não entregar a mercadoria depois. Mas
essa é outra história, a ser contada depois da eleição.
Do reino das filantrópicas: o
Conselho Nacional de Assistência
Social cassou o certificado filantrópico da Ulbra, a universidade
luterana que, entre outras estripulias, investiu numa frota de
carros antigos.
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