São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002

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NO PLANALTO

Chama-se desalento o fenômeno que atrapalha Serra

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Cena um : manhã de sábado, mercado de Guaianazes, bairro pobre da zona leste de São Paulo. Um torrão só carimbado por pegada de político em tempo de eleição. O governador Geraldo Alckmin e o deputado José Aníbal, dois grão-tucanos, buscam, de barraca em barraca, o calor de mãos eleitoras. Durante 40 minutos, esgueiram-se por entre tabuleiros de frutas, verduras, cereais, carnes, peixes... Mantimentos às moscas. Contaram escassos cinco clientes. Cumprimentaram mais barraqueiros.
Cena dois: manhã de terça-feira, divisa do Distrito Federal com Goiás, a 45 minutos de carro do Palácio do Planalto. Abespinhados com um aumento de 11,9% na passagem de ônibus, moradores de cidades goianas que ganham a vida em Brasília muniram-se de pedras e paus. Destruíram cerca de 40 ônibus em quatro horas e meia de fuzarca, que envolveu aproximadamente 3.000 pessoas. Convocada, a polícia disparou balas de borracha e bombas de gás. Prendeu 18, autuou dois. Autorizado pelo Ministério dos Transportes, o reajuste começara a vigorar havia quatro dias. Passagens de R$ 1,70 e R$ 2,20 foram, respectivamente, a R$ 1,90 e R$ 2,45.
Não carece digerir mapas de pesquisas eleitorais para entender o que se passa com a candidatura governista de José Serra. Basta olhar em volta para descobrir o nome do sentimento que embala a caravana oposicionista de Ciro Gomes. Chama-se desânimo.
O tucanato paga a fatura do mandato longevo. Passados oito anos, FHC serve à bugrada um pudim indigesto. A receita mistura estagnação econômica, extorsão tributária, insegurança e desemprego.
O Dieese contabiliza algo como 19% de desempregados na Grande São Paulo. Ou seja, de cada cinco pais de família, um encontra-se no olho da rua. Segundo o IBGE, a produção industrial paulista caiu 5,6% em maio, em comparação com o mesmo mês de 2001. São informações que ajudam a explicar o ermo que rodeou Alckmin e Aníbal no mercado de Guaianazes. Falta grana até para o básico.
O aumento de ônibus que converteu em ira o desalento de trabalhadores das cercanias de Brasília encontra justificativa técnica na disparada do dólar. A Petrobras amarrou o preço do petróleo à gangorra do câmbio. Mas tente-se explicar isso à cozinheira Maria do Carmo da Silva Corsino.
Ela viajava no primeiro ônibus depredado na terça-feira. Levava pela mão dois filhos. Ia para o trabalho, num apartamento da Asa Sul de Brasília. "Quando eu vi a chuva de pedras, fiquei apavorada", conta. Por sorte, conseguiu embarcar num outro ônibus, que, esquivando-se pelo matagal, escapou da barricada de pneus erguida por manifestantes na rodovia.
Em quem vota Maria do Carmo? "Ciro Gomes." Por que não Lula? "Não sei dizer. Acho que ele não estudou. Se ganhar, vai chegar um ponto que o Exército toma conta. Não vai prestar." E quanto a José Serra? "Vai continuar tudo a mesma coisa." Mas FHC não fez um bom governo? "Pros ricos pode ter sido. Pra nós, não."
O apego da Petrobras ao dólar inflou também o preço do gás. Compelida a pagar R$ 28 pelo botijão, a gentuça decerto entoará loas a Serra quando receber o vale-gás de R$ 7. "O gás está tendo uma influência eleitoral extraordinária", lamuria-se o deputado Jutahy Magalhães Jr. (PSDB-BA).
O tucanato colhe, neste ocaso de segunda administração, uma tempestade que começou a semear no primeiro mandato. Se não tivesse apostado a biografia na reeleição, FHC talvez tivesse desvalorizado o câmbio ainda em 97, antes da crise da Ásia. Como propugnava, diga-se, José Serra.
E o dinheiro de estatais levadas ao martelo a toque de caixa talvez tivesse servido a causas mais nobres do que o mero financiamento da fantasia do dólar barato. A dívida pública, que era de R$ 153 bilhões em 94, soma hoje algo como R$ 708 bilhões. O que torna o governo refém do mercado.
Some-se a tudo isso a conjuntura mundial hostil e obtém-se uma atmosfera de crescente tensão, que conspira a favor da mudança. A malta emite sinais de que deseja experimentar coisa diferente.
Quanto mais demorar a entender o que se passa, menor será a capacidade de reação do governo. Reduziram-se os juros na última quarta-feira. Tarde demais. Os efeitos da medida, dizem os especialistas, chegarão junto com o Natal.
A oposição se firma como alternativa porque vende ao eleitor algo que ele deseja ardentemente comprar: esperança. Pode não entregar a mercadoria depois. Mas essa é outra história, a ser contada depois da eleição.
 
Do reino das filantrópicas: o Conselho Nacional de Assistência Social cassou o certificado filantrópico da Ulbra, a universidade luterana que, entre outras estripulias, investiu numa frota de carros antigos.



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