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JANIO DE FREITAS
Mistérios no céu
Um homem de mãos atadas. E dominado por temores.
Essa é a imagem, induzida
progressivamente nos primeiros 12 a 15 meses do atual governo, que fiz de Lula na presidência. Não a tenho mais. A
imagem, que é uma hipótese,
tornou-se convicção. Não por si
mesma. Foi transformada por
Lula e sua tibieza em convicção.
É fácil concordar com a percepção, generalizada, de que
Lula se sente no céu, e o que se
passa abaixo das nuvens é indiferente ao seu êxtase. Os deslumbramentos de Fernando
Henrique e Fernando Collor
não foram menores, e foram
até mais patéticos, um com os
exibicionismos físicos, o outro
com a presunção intelectual. O
chamado deslumbramento é
primário, mas é o de menos.
Sem prejudicar o seu encantamento com o nirvana presidencial, o que dá a idéia de um
Lula de mãos atadas é mais e é
diferente disso. E, por ora, sem
evidência da origem de tamanha limitação. Mas com abundância de exemplos factuais
que ajudam a notar o homem
de mãos atadas, sabe-se lá por
que comprometimentos, e contido por medos injustificados.
Dois casos, nesse sentido, são
suficientes para ilustrar o que
se passa sob a denominação de
presidência. Mais recente, um
pode ser a substituição do ministro da Defesa.
A nota oficial de apologia dos
crimes cometidos por oficiais,
nos quartéis da ditadura, compôs-se de rica variedade: desacato às leis do país, pelo teor;
insulto à sociedade, por sua
prepotência; quebra da ordem
e da hierarquia militar e funcional; e, para não irmos mais
longe, desafio à autoridade
presidencial. A ser verdade que
o Exército emitiu a nota sem
conhecimento do seu comandante, estaria caracterizada a
incapacidade de comando justificadora de pronta designação de novo comandante; sendo inverdadeiro o desconhecimento prévio, o próprio comando do Exército era parte do
ato comprometedor do governo
e do presidente, cuja autoridade só se recomporia com o
pronto afastamento do desafiante.
Só houve uma segunda nota,
de sucinta negação ao sentido
subversivo da anterior, porque
o então ministro da Defesa se
mostrou irredutível ao exigi-la.
O comandante do Exército resistiu ao próprio Lula, que precisou fazer, ele mesmo, um remendo de última hora no texto,
para torná-lo um pouco menos
fugidio.
Quem saiu, com um pedido
de demissão digno, foi o ministro José Viegas. E Lula, temeu
ser derrubado só porque decidisse trocar o comandante do
Exército, em nome da ordem
constitucional e da disciplina?
Se não houve tal indistinção
entre fantasia e realidade, por
que a atitude tão temerosa? O
fato é que Lula se portou, em
todo o episódio, como se fosse
ele o infrator.
Outro exemplo, entre tantos
possíveis, é a presidência do
Banco Central. Lula teve à sua
disposição, como tem ainda,
uma infinidade de pessoas com
idêntica ou maior habilitação
que Henrique Meirelles para o
cargo. O que se passou, no entanto, foi o acinte da entrega do
Banco Central do Brasil ao então presidente do Bank Boston,
nem ao menos da sucursal brasileira, mas da própria matriz
norte-americana desse banco.
De quem se tratava? De alguém
que se filiou, não ao PT ou a
partido aliado do PT, mas ao
adversário PSDB, apoiou a
candidatura de José Serra e obteve, com mais despesa do que
campanha, um mandato de
deputado federal peessedebista
por Goiás. Como e por que foi
içado daí para a presidência do
Banco Central no governo Lula? Nem Lula, nem ninguém no
governo, teve jamais condições
de dar ao seu eleitorado uma
explicação admissível.
Note-se ainda: antes mesmo
da formalidade de diplomação,
Henrique Meirelles abdicou do
mandato, renunciou à sua eleição, porque ia receber a presidência do Banco Central. Alguém que anunciara o início de
uma carreira política, de grandes ambições, só abriria mão
de um mandato, para assumir
um cargo no governo, se protegido por condições excepcionalíssimas. Indemissível, autonomia, carta branca, o que mais?
Lula e seu governo estão envolvidos em mistérios. E, no caso, mistérios são sinônimos de
comprometimentos, que atam
mãos e inspiram mais medos
do que os naturais. Um dia isso
se esclarece, queiram ou não o
próprio Lula, José Dirceu, Luiz
Gushiken e Antonio Palocci.
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