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NO PLANALTO
Previdência flerta com improbidade administrativa
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Com FHC , tentou-se a esquerda pseudo-esclarecida.
Com Lula, apostou-se na hipotética esquerda popular. Atônitas,
as pessoas já se perguntam: e se a
esquerda for isso mesmo?
Alheio ao assombro, o ex-PT
consolida o verdadeiro milagre
brasileiro: uma sociedade isenta
de sentido social. Que o digam os
aposentados. Estão habituados a
purgar nas filas as culpas passadas. Porém, uma pane nos computadores adicionou crueldade à
penitência.
Nos últimos dias, postos do
INSS converteram-se em sucursais do inferno. O tumulto fez
lembrar a infame tentativa de recadastramento de anciões do ano
passado. Difícil saber do que é
que estão abusando mais, se da
paciência dos velhos ou da ingenuidade da Viúva.
O caos previdenciário é como
rocha sedimentar. Resulta da decomposição de velhos detritos.
Empilhados em camadas, vão sedimentando devagarinho. Sob
Lula, não pára de crescer.
Agora mesmo, a pretexto de
agilizar o atendimento aos aposentados, o peemedebista Carlos
Bezerra, presidente do INSS, encomendou ao petista José Jairo
Cabral, presidente da Dataprev, a
troca de 16.631 microcomputadores instalados em pontos de atendimento da Previdência.
Optou-se por alugar as máquinas por um período de quatro
anos. A um custo estimado de R$
262 milhões. A cifra embute acessórios e manutenção.
Organizaram-se dois pregões. O
primeiro resultou na contratação
da Siemens. Assinou com a Dataprev um contrato de R$ 145,9 milhões (locação de 7.000 microcomputadores, mais acessórios).
Os procuradores da República
José Alfredo de Paula e Silva e Raquel Branquinho sentiram cheiro
de queimado. Obtiveram liminar
judicial sustando a entrega da encomenda. E comunicaram o caso
ao TCU, por cujos escaninhos
transitam vários processos contra
a Dataprev.
Relator do caso, o ministro Ubiratan Aguiar determinou que fosse sobrestado também o segundo
pregão. Visava a locação de mais
9.631 microcomputadores.
Os autos que correm na Justiça
e no TCU contêm documentos
nauseantes. São três as principais
peças: um relatório da Controladoria Geral da União, uma avaliação de técnicos do Ministério
Público e uma auditoria do TCU.
Folheando o papelório, o repórter compôs o seguinte quadro:
1) a Dataprev optou pelo aluguel dos equipamentos sem realizar estudos técnicos que atestassem o acerto da providência;
2) recolheram-se indícios de que
as especificações anotadas nos
editais direcionaram os pregões
para micros da marca Novadata,
orçados pela Siemens;
3) colecionaram-se evidências
de superfaturamento. Pesquisas
paralelas de preços mostram que
a compra de equipamentos sairia
mais barato do que a locação;
4) o contrato firmado com a Siemens contempla cláusulas de reajuste que, se aplicadas, elevarão
os preços a patamares ainda mais
incompatíveis com os preços de
mercado;
5) a divisão da locação em dois
pregões visou driblar a lei. Evitou-se a realização de audiência pública, obrigatória em aquisições
de mais de R$ 150 milhões.
O caso foi submetido ao plenário do TCU na última quarta-feira. Aprovou-se o cancelamento
da operação. Está viciada por "diversas irregularidades".
Ouvido pelo repórter, Carlos Bezerra, o presidente do INSS, disse
que já determinou o cancelamento da locação. Reafirmou, porém,
a necessidade de modernização
tecnológica dos postos de atendimento da Previdência. Quer debater alternativas com a Procuradoria da República e com o TCU.
A despeito do recuo, Bezerra e
os gestores da Dataprev não escaparão de um processo por improbidade administrativa. Será movido pelo Ministério Público nos
próximos dias.
Abespinhada, a Siemens não
parece disposta a aceitar passivamente o cancelamento do seu
contrato de R$ 145,9 milhões. Alega que já encomendara os equipamentos. Deve ir aos tribunais.
Quanto aos aposentados, continuarão submetidos à inclemência
da incúria administrativa. A mera troca de computadores não garante a melhoria instantânea no
atendimento.
A ruína da Dataprev resulta de
um descaso de 30 anos. A autarquia tornou-se escrava tecnológica. Vinha alugando seus supercomputadores, desde os primórdios, de um único fabricante, a
multinacional Unisys.
As máquinas funcionam num
ambiente de "plataforma fechada". Ou seja, não rodam softwares de outras marcas. Envenenados por preços sobrevalorizados,
os contratos com a Unisys foram
firmados sem licitação.
A Previdência convive há anos
com o diagnóstico que preceitua a
migração de seus dados para um
"sistema aberto", compatível com
outros bancos de dados públicos.
Sob FHC, o governo deu de ombros. Sob Lula, a migração caminha a passos de tartaruga manca.
Na quinta-feira, reuniram-se
em Brasília os gestores da Previdência, do INSS e da Dataprev.
Decidiu-se constituir uma comissão. Terá 15 dias para formular
uma boa explicação acerca das
causas do martírio que infelicita
os aposentados.
As declarações que se seguiram
ao encontro passaram a impressão de que a coisa está sob controle. Só não se sabe ainda de quem.
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