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DIREITOS HUMANOS
Nilmário Miranda afirma que medida impede excessos das polícias e é uma chance a mais de fazer justiça
Federalização dos crimes vai conter abusos, diz ministro
EDUARDO SCOLESE
JULIA DUAILIBI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com a reforma do Judiciário
aprovada na semana passada no
Congresso, a possibilidade de crimes contra direitos humanos serem investigados e julgados pela
Justiça Federal será um "instrumento" para conter abusos cometidos por policiais militares nos
Estados e é uma chance "a mais de
fazer justiça".
A opinião é do ministro Nilmário Miranda, 47, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos na
Presidência, que aponta o texto final da proposta de emenda constitucional da reforma do Judiciário como um "passo à frente",
mas que "não resolve o problema" do acesso à Justiça.
Segundo Nilmário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) poderia ter "contribuído mais" com o país se não
tivesse assinado a quatro dias do
final de seu mandato o decreto
que, na prática, impede a abertura
de arquivos secretos.
Nilmário falou à Folha na quinta-feira, em seu gabinete. A seguir,
trechos da entrevista.
REFORMA DO JUDICIÁRIO
Eu comemoro. Não que lá tenha
tudo que a gente queria que fosse
aprovado. Mas eu também aprendi a considerar que na Câmara e
no Senado é assim: reforma boa é
aquela passa.
O que a gente comemora menos
é a questão do acesso à Justiça,
que não avançou muito. Mas há
políticas públicas que podem fazer isso avançar, como alguns Estados investindo em centros integrados de cidadania para aproximar esse aparato de políticas públicas à população. [A reforma]
não resolve o problema, mas foi
um passo à frente.
FEDERALIZAÇÃO
Foi o ponto mais importante da
reforma [a federalização dos crimes]. É um instrumento excepcional. Primeiro, é mais proteção
à vítima, pois, se ela sentir que a
Justiça não foi realizada na instância inicial, ainda pode recorrer à
Justiça Federal. É uma possibilidade a mais de fazer justiça.
Segundo, pode-se dividir melhor a responsabilidade internacional com os Estados. Tribunais,
juízes, promotores e procuradores vão levar isso em conta, já que
a possibilidade de deslocar competência estará posta.
A federalização dos crimes vai
acabar também com a frustração
do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cujas investigações, agora, poderão ser
usadas juridicamente. Até então,
como no caso de Eldorado do Carajás [no Pará, em 1996], fazíamos
investigações e elas não tinham
conseqüência jurídica.
POLÍCIAS
Dos crimes [ligados aos direitos
humanos] cometidos no país,
apenas 5% são federais [como trabalho escravo]. A União tem ido
bem nisso. Pelo menos a Polícia
Federal tem demonstrado que é
uma polícia que não tortura, não
executa, não mata.
Temos de passar por uma reforma das polícias [dos Estados], que
é um grave problema. Só 10% dos
crimes de homicídios no Brasil
são apurados. O Plano Nacional
de Segurança Pública pode ser negociado com os Estados. Precisamos de uma polícia para o cidadão, e não para proteger a propriedade e os que tem dinheiro.
Estamos longe de nossos objetivos. A violência [da Polícia Militar] é encoberta por esses boletins
execráveis que falam em resistência seguida de morte. Fora do país
nós somos cobrados por isso. E lá
não adianta dizer que o problema
é do Estado. É por isso que a federalização [dos crimes] é um instrumento importante.
VIOLÊNCIA NO CAMPO
[A criação de varas agrárias nos
Estados] não vai diminuir os conflitos, e sim a ocorrência de violência. O conflito é natural. As varas agrárias especializadas são importantes, pois um juiz especializado em direito civil não vai ter a
mesma sensibilidade de um juiz
especializado na questão agrária.
MORTOS E DESAPARECIDOS
As pessoas que compõem [a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos] são pessoas
seríssimas, todas elas. Há liberdade total, absoluta de ação. Nunca
houve interferência, [como afirmou o ex-presidente da comissão, João Luiz Duboc Pinaud].
Conto com [o novo presidente
da comissão, Augustinho] Veit,
para avançar, como criar um banco de DNA, com material genético das famílias. Temos também
um começo de conversa para
criar um grupo de antropologia
forense. Com isso, uma vez descobertos sítios onde podem estar
pessoas, não só desaparecidos, teremos um grupo preparado para
todos os casos, não só os ligados a
questões políticas.
ARQUIVOS DA DITADURA
Os brasileiros têm o direito de
conhecer a sua história. Ninguém
pode negar isso. Mas não podemos fazer nada que não seja segundo a lei. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse
que, se fosse assinar de novo, não
o faria. Então por que ele assinou?
É uma coisa que tem tantas conseqüências, ele fez a quatro dias de
deixar a Presidência. Por que dificultou tanto o acesso a informações? Poderia ter contribuído
mais.
O presidente [Luiz Inácio Lula
da Silva] tem de dirigir [as negociações pela abertura dos arquivos] de tal forma que preserve a
harmonia, o equilíbrio, não haja
traumas, crises institucionais.
Abrir, sim, mas procurando evitar traumas.
Mas não vamos tapar o sol com
a peneira. Isso tem de ser negociado com as Forças Armadas.
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