São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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ELIO GASPARI

Urucubaca
Os companheiros do PT-Federal precisam se benzer:
O governo tem um gerente (José Dirceu) que chega atrasado a enterro (de Yasser Arafat).
O partido tem um tesoureiro (Delúbio Soares) que deposita no Banco Santos uma parte de sua caixa, que tanto trabalho dá para arrecadar. Ou que não dá trabalho para arrecadar.

O choque de Betto
Frei Betto vai-se embora do governo depois de ter passado por curiosas experiências.
Acompanhou Lula numa viagem ao exterior. Recebeu US$ 1.400 para custear sua ilustre estadia. Gastou US$ 89 e passou seis meses tentando devolver o troco. Desistiu e fez um cheque em nome do Fome Zero.
Certo dia pediu um automóvel à garagem do Planalto. Disseram-lhe que não havia carros, só Kombis. Quando ele entrou no veículo, o motorista perguntou: "Mas o senhor anda de Kombi?".
Desde o final do ano passado, Betto estava convencido de que, numa crise, seu amigo Lula tomaria um curso político diverso do seu. Via isso como um fato da vida, sem maiores emoções.
Betto continua sua caminhada, sempre procurando dobrar à esquerda.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e vê nexo em tudo o que o governo faz. Ele está encantado com a decisão dos çábios da Funcef (fundo de pensão dos empregados da Caixa Econômica) e da Centrus (do Banco Central). Eles investiram coisa de R$ 100 milhões de seus acionistas em papéis do Banco Santos. O idiota não sabe se eles chegaram a essa idéia usando seus próprios neurônios ou se alguém aconselhou-os a fazer o investimento.
Eremildo confia nos fundecas porque sabe que, todas as vezes que eles colocam o dinheiro dos trabalhadores nas cumbucas que o Planalto recomenda, o BNDES dá um jeito e reestrutura as dívidas das empresas quebradas. Foi isso que aconteceu com a FerroNorte, onde o banco da Viúva passou uma pomada de R$ 654 milhões nas feridas de um negócio ruinoso feito pela Funcef e pela Previ.
O idiota quer se transformar numa aplicação recomendada pelo Planalto. Pelas suas contas, a Viúva tomou um espeto de mais de R$ 500 milhões no Banco Santos.

A PPP do Pajé com o Plutocrata
Para o registro das negociações que deverão resultar nas PPPs, as Parcerias Público-Privadas, ou Papemos a Poupança da Patuléia:
Há duas semanas, ilustres personagens de Brasília receberam um convite verbal para uma reunião na tarde de quarta-feira, 10 de novembro, no gabinete da Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento. A reunião destinava-se a discutir o projeto que cria as PPPs. Dela participariam representantes do Senado e do Ministério do Planejamento, mais o secretário do Tesouro, Joaquim Levy, e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf.
A presença de Skaf numa reunião de representantes do Legislativo com hierarcas do Executivo era uma coisa meio girafa. Sabendo-se que o atual presidente da Fiesp move-se como um centauro, com corpo de empresário e cabeça de comissário (ou o oposto), vá lá.
Os incautos chegaram ao ministério e foram recebidos pelo doutor Demian Fiocca, estratego das PPPs, acompanhado de um funcionário da Presidência da República. Com ele estava Skaf. Joaquim Levy, cadê? Não estava. Em compensação, havia quatro rostos inesperados: representantes das empreiteiras Camargo Correa, OAS, Andrade Gutierrez e Alusa.
Coisa jamais vista. Parlamentares e técnicos do Poder Legislativo convocados para uma reunião de serviço, no interesse da República, na presença canhota de representantes de empreiteiras. Mais: para discutir mudanças na redação de um projeto da iniciativa do governo, do intere$$e das empreiteiras e do desembolso da choldra. Não se sabe se a impertinência da cena incomodou Skaf, mas o fato é que em cinco minutos ele foi embora.
Seria útil aos costumes nacionais se o Ministério do Planejamento produzisse uma minuta dos temas discutidos nessa reunião, com a opinião de cada doutor. Como a reunião durou duas horas, deve ter rolado muito assunto.
É antiga e variada a crônica de peraltices das empreiteiras. Já se meteram com deputados que roubavam o Orçamento da Viúva. Acertaram-se em maracutaias hidrelétricas do general Pinochet, e de tiranos d'África. Abasteceram a caixa de pecúlio de arrecadadores presidenciais, como o falecido Paulo Cesar Farias, o homem das PPPs (Pingue a Prebenda Patrimonial) do collorato. Com todos esses antecedentes, nunca tiveram a audácia de participar de uma reunião, na sede de um ministério, com representantes do Executivo e da burocracia legislativa para emendar a redação de um projeto remetido ao Congresso com o patrocínio e a chancela do presidente da República.
As empreiteiras podem defender seus interesses no Palácio da Alvorada, na Granja do Torto, no BNDES ou no Ministério do Planejamento. Também podem batalhar no Congresso Nacional. O que não podem é misturar as duas jurisdições, a menos que a reunião seja realizada para a Casa de Mãe Joana.

Lula hospedou-se no mundo da fantasia
Lula hospedou-se no mundo da fantasia. Pouco se importa se os fatos desmentem a veracidade do personagem que representa. Falando a uma patuléia endinheirada do Rio, ele disse o seguinte:
"Eu, quando vejo um intelectual da universidade, um professor se aposentar com 50 anos de idade, eu fico pensando: está certo que um jogador de bola, aos 30, está ficando velho, está certo que um bispo, aos 75, tem que se aposentar. (...) Mas, meu Deus do céu, o ser humano atinge o ápice da sua capacidade intelectual aos 50 anos, é quando ele está, eu diria, maduro, pronto, aí se aposenta. Não é possível".
O dirigente sindical Luiz Inácio da Silva aposentou-se aos 51 anos e hoje fatura uma pensão de R$ 3.396 brutos mensais. Soma-os aos vencimentos de cerca de R$ 7.000 líquidos, com casa, comida, manicure e roupa lavada. Nessa verba não estão incluídos seus ternos (21) da grife Ricardo Almeida, que custam, por baixo, R$ 2.500 à escumalha. Lula é um dos 17.700 afortunados que recebem mais de dez salários mínimos do regime geral de Previdência. Ele reivindicou a aposentadoria especial declarando-se perseguido pelo governo do general João Figueiredo, que o prendeu por 31 dias. Em dinheiro de hoje, já recebeu pelo menos R$ 326 mil. Isso dá R$ 10.500 por dia de cana.
Usando sua linguagem, Lula deve se dar conta de que neste país ninguém tem o direito de dar lição de moral aos outros enquanto usufrui dos benefícios de uma elite que desgraça o país. O país melhoraria se ele continuasse batendo duro nas aposentadorias alheias, tendo devolvido a sua.

O dono do urso
Faltam vagas no cemitério dos "donos do Lula". Nos anos 60, acreditava-se no ABC que ele comia pela mão de Frei Chico, seu irmão. Lula diria: "Minha ligação com Frei Chico é uma ligação biológica. (...) Não tinha nenhuma afinidade política".
Nos 70, o dono era outro. Chamava-se Paulo Vidal e presidia o Sindicato dos Metalúrgicos. Lula derrubou-o. Hoje, registra que há a suspeita de que Vidal tenha sido um "dedo-duro".
Nos 80, Lula tinha novos donos. Eram os sindicalistas, professores e jornalistas que ajudaram-no a fundar o PT. Restam poucos à sua volta, muitos deles transformados em áulicos.
Nos 90, os "donos" eram seus principais assessores durante as Caravanas da Cidadania e os seminários do PT. Povoaram a primeira plumagem do presidente.
Luiz Inácio mudou novamente de turma. Tem gente achando que é o novo "dono do Lula".

Tunga sindical
Um leitor do Recife expõe a tunga que sofre do Sindicato dos Empregados nos Correios. O Sintect informou-o que cobrará uma contribuição assistencial dos trabalhadores (sindicalizados ou não), no valor de 2% de um salário mensal. Serão quatro mordidas, todas descontadas na folha.
Mui democraticamente, o sindicato esclarece que o trabalhador pode ser desobrigado. Basta que escreva ao sindicato quatro cartas (uma para cada parcela da cobrança). As cartas devem ser registradas, com aviso de recebimento.
Os diretores do Sintect não podem argumentar que desconhecem o alcance da própria malvadeza.
Se um trabalhador ganha R$ 1.000 mensais, a tunga da contribuição é de R$ 20, dividida em quatro mordidas de R$ 5.
Se a vítima decide não pagar os R$ 20, será obrigada a mandar quatro cartas registradas, com AR. Cada uma pagará a tarifa de R$ 5,35.
Para não ser mordido em R$ 20 pelos sinditecas, o trabalhador tem que passar pela humilhação de gastar R$ 21,40.
 
Há alguns anos o Sindicato dos Trabalhadores em Editoras de São Paulo exigia que o trabalhador, para se livrar da tunga, levasse pessoalmente ao sindicato uma carta manuscrita. Funcionava só no horário comercial, fechando para almoço. Os maganos foram obrigados a aceitar uma carta entregue por oficial de cartório.

Se o governo falar sério, tira as algemas dos seus arquivos
Com a sua capacidade de complicar o que é simples e de fugir do que é complicado, o comissariado fabricou um falso problema: o da abertura dos arquivos da ditadura. A questão é falsa porque todos os arquivos são abertos e todos os arquivos são fechados. O grau de sigilo dos documentos públicos está demarcado por lei. Num atentado à história nacional, FFHH dobrou o tempo de segredo dos papéis confidenciais para 20 anos, prorrogáveis por mais 20. Um documento das privatizações de 1999 poderia ser liberado em 2019, ficou para 2039.
Um documento carimbado como "Secreto" hoje só poderá ser liberado em 2034, quem sabe em 2064. Se ele tem cem páginas, o segredo vale para todas, mesmo que o assunto secreto ocupe dois parágrafos.
Nesse pé, o governo será sempre acusado de usar o sigilo oficial para proteger torturadores, ladrões e privatas. A oposição ficará na posição de pedir a abertura dos arquivos, mesmo que não tenha interesse ou paciência para examiná-los.
A patuléia sustenta um Arquivo Nacional. É lá que devem ser guardados os documentos públicos. Não é necessário congelar documentos. Basta que a autoridade pública assuma a responsabilidade do que libera e do que divulga.
Um exemplo: em maio de 1971, o chefe da Central Intelligence Agency, Richard Helms, foi a uma comissão do Senado americano e depôs durante três horas sobre a ditadura brasileira. Meses depois, o Senado publicou os trabalhos da comissão, e era a seguinte a íntegra do depoimento de Helms: "Censurado".
Foi classificado como "Top Secret". Pelo critério de FFHH, o depoimento de Helms só poderia ser conhecido em 2021.
Desde 1987, o Senado liberou cerca de 60 de suas 96 páginas. A CIA sabia que a bomba destinada a explodir o marechal Costa e Silva no Recife, em 1966, tinha saído da AP.
O ministro da Segurança Institucional de Lula, general Jorge Armando Félix, diz que as informações de documentos secretos podem ser usadas para constranger cidadãos. Radicalizando-se a formulação angélica do general, os arquivos podem ser usados para chantagear autoridades da República.
Bingo. Arquivo fechado produz chantagistas. Aquilo que o general enunciou como receio é um produto maligno da política que defende. Ele já viu elefante voar. Faz pouco tempo, soube que uma patrulha de investigação privada de crimes públicos estava mexendo no arquivo da Abin sem credencial, licença formalizada ou registro oficial de seus pedidos. Tirou-a do ar.
Foi com um arquivo blindado que o chefe do FBI, J. Edgar Hoover, intimidou os presidentes John Kennedy, Lyndon Johnson e Richard Nixon. O sujeito adorava detalhes da vida pessoal de artistas e políticos. Logo ele, que passava as férias com um amigo bem apessoado. Chamava-se Clyde Tolson. Quando Robert Kennedy soube que Tolson passara por uma cirurgia, perguntou: "De que se trata, histerectomia?".


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