São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

QUAL REPRESENTAÇÃO?

Com muitos itens sem chance de aprovação, projeto pode afrouxar ainda mais as regras político-eleitorais

Congresso prepara anti-reforma política

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O projeto de lei 2.679 é chamado de reforma política por deputados e senadores. Na prática, todos os envolvidos no debate sabem que poucos itens do projeto serão aprovados. O que é dado como mais viável são trechos que apenas tornam ainda mais frouxas as regras político-eleitorais no país.
Essa anti-reforma política tem como itens mais próximos da aprovação a redução da chamada cláusula de barreira e o fim da verticalização -regra que exige coerência nas alianças fechadas para as eleições para presidente da República e nos Estados.
No caso da cláusula de barreira, trata-se da lista de exigências que cada sigla tem de cumprir para ter amplo acesso à propaganda na TV e rádio, receber dinheiro do fundo partidário e conseguir montar uma estrutura de liderança dentro do Congresso.
A lei atual, 9.096 (de 1995), estabelece que a cláusula de barreira entrará em vigor de maneira integral a partir da disputa eleitoral de 2006. Os legisladores deram um longo período para que os partidos tivessem condições de se adaptar.

Cláusula de barreira
Depois de 2006, os partidos terão de obter 5% dos votos para deputado federal em todo o país. Além disso, terão de conquistar 2% dos votos para deputado em pelo menos nove unidades da Federação.
Considerada a votação de 2002, só sete partidos obtiveram essa marca da cláusula de barreira: PT, PSDB, PFL, PMDB, PP, PSB e PDT. Depois da eleição, PL e PTB incorporaram siglas nanicas e atingiram os requisitos da lei. Se repetirem o feito em 2006, nos quatro anos seguintes essas agremiações terão três benefícios principais:
1) TV e rádio - um programa semestral com duração de 20 minutos, em horário nobre, em rede nacional e programas de mesma duração nos 26 Estados e no Distrito Federal. Também terão direito a 40 minutos de propagandas, em rede nacional e em cada um dos Estados e no DF, divididas em inserções de 30 segundos ou um minuto;
2) Fundo partidário - dividir 99% do dinheiro (neste ano, o Orçamento prevê R$ 112,7 milhões) de acordo com a votação que cada sigla obteve para deputado federal;
3) Congresso - poderão ter estrutura de liderança (com salas e dezenas de cargos) na Câmara dos Deputados. Só os partidos que têm líder podem pedir a palavra a qualquer tempo em sessões do Congresso. Também só essas siglas têm representantes eleitos para presidir as comissões de trabalho.
Os partidos que não atingirem a cláusula de barreira em 2006 ficarão com apenas um programa de dois minutos por semestre em rede nacional, 1% do fundo partidário e sem estrutura para funcionamento parlamentar.
Esses partidos nanicos não ficarão proibidos de ter deputados. Mas seus congressistas vão trabalhar quase como se fossem avulsos, pois suas siglas não terão direito à burocracia oferecida hoje a várias agremiações médias por liberalidade da Mesa Diretora da Câmara.
A reforma política em curso -em debate na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara- reduz drasticamente a exigência da cláusula de barreira. Em vez de 5%, passa ser apenas necessário obter 2% dos votos para deputado federal em todo o país. Além disso, cada partido terá de eleger pelo menos um deputado em cinco unidades da Federação. Em 2002, 11 dos 27 partidos conseguiram essa façanha.
Em 2006, partidos pequenos emergentes como PPS, PC do B, Prona e PV podem passar do limite da cláusula que está sendo proposta. Nesse caso, em anos não eleitorais, apareceriam na TV e no rádio o mesmo tempo que siglas grandes como PT e PSDB.

Verticalização
A mudança mais certa até o momento foi deixada de fora da reforma política para ter um trâmite mais rápido. Trata-se do fim da verticalização, a norma que obriga os partidos a terem alianças coerentes nas eleições para presidente da República e nos Estados.
A regra foi adotada em 2002 por causa de um entendimento da lei feito pelo então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Nelson Jobim. Segundo o que ficou decidido, se o partido "A" se coligar ao partido "B" para a eleição de presidente da República, essas duas siglas não podem fazer alianças diferentes nos Estados -ou se juntam ou ficam separadas.
A medida impediu a prática mais comum na política partidária brasileira, que vem a ser diversidade de alianças entre todos os partidos, dependendo apenas das conveniências locais.
Quase todos os partidos são a favor da derrubada da verticalização. Uma alteração na lei está para ser votada na Câmara.

Coligação proporcional
Se a cláusula de barreira for mesmo flexibilizada, deve ser proibida a coligação para cargos proporcionais -quando um partido se coliga para eleger deputados federais, por exemplo.
Esse artifício é utilizado pelas siglas nanicas, que nunca conseguem atingir o chamado quociente eleitoral.
O quociente eleitoral é calculado assim: divide-se o número de votos válidos pela quantidade de vagas. Se um partido tiver votação menor que o quociente, não terá direito à vaga.
Dessa forma, um partido pequeno com um candidato bem votado muitas vezes fica sem uma cadeira na Câmara. Coligado a uma sigla maior, acaba entrando no Congresso.
O presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha (PT-SP), defende a redução da cláusula de barreira porque "o fim das coligações proporcionais terá o efeito de limitar o número de partidos".

Fidelidade
Não há consenso a respeito de fidelidade partidária, financiamento público de campanha nem sobre o sistema de listas fechadas para a eleição de deputados.
No caso da fidelidade partidária, o sistema proposto começou a tomar corpo há alguns anos e seria por meio da filiação: um político precisaria estar filiado ao partido um ano antes da eleição e só poderia sair depois de quatro anos no mandato. Se sair antes do prazo, ficaria inelegível.
Aos poucos, a proposta foi ficando mais branda. Primeiro, a exigência de ficar filiado ao partido durante o mandato caiu para três anos. Agora, está em dois anos. Se passar assim, seria quase inócua: quando terminarem os primeiros 24 meses de mandato, dezenas de deputados acabarão trocando de sigla.
De janeiro de 2003 até hoje, a Câmara dos Deputados já registrou 164 movimentações de seus integrantes, de um partido para o outro. Vários já passaram por mais de uma sigla.
Quem resume o sentimento da Câmara a respeito da quase natimorta proposta de fidelidade partidária é o deputado João Caldas (PL-AL): "Você conhece alguém que fabrica uma chibata para apanhar com ela?".

Financiamento público
O financiamento público é um caso raro em que os deputados têm receio do efeito que a medida teria na sociedade. São todos a favor, mas acham que seria difícil de explicar.
"Vão malhar muito a gente. Os que não têm o que comer não vão entender", diz o presidente nacional do PL, deputado Valdemar Costa Neto (SP).
A proposta em discussão é para a criação de um fundo com R$ 7 para cada eleitor a ser dividido proporcionalmente entre os partidos -de acordo com a votação que tiveram para a Câmara. A julgar pelo eleitorado atual, o fundo teria R$ 847 milhões.
Poucos sabem, mas já existe financiamento público de campanha no Brasil. Além do fundo partidário (R$ 112,7 milhões neste ano), a propaganda eleitoral custa cerca de R$ 300 milhões para o governo federal -o valor se refere a impostos não pagos por emissoras de rádio e de TV.
As TVs e as rádios podem abater do cálculo do seu Imposto de Renda parte do que perdem de lucros por transmitirem a propaganda partidária. Nos Estados Unidos, o maior custo das campanhas é o da compra dos horários de TV. No Brasil, os políticos recebem esse tempo "de graça".
A votação em listas fechadas também afasta os partidos de um consenso. Muitos acreditam que não é possível adotar tal medida antes de garantir mecanismos de democracia interna nas agremiações políticas.
A proposta da reforma política é para que cada partido faça convenções e decida quais são seus candidatos a deputado, formando assim uma lista. O eleitor só votaria no partido. Conforme o número de votos recebidos, entrariam os primeiros da lista.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Qual representação?: Reforma "oligarquiza" disputa política, afirma especialista
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.