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OPERAÇÃO ANACONDA
Agente federal foi advogado dos acusados de irregularidade; segundo a PF, juiz Rocha Mattos orientou defesa
Esquema agiu na fraude dos precatórios
RUBENS VALENTE
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Seis dos nove presos pela Operação Anaconda tiveram algum
tipo de conexão com o chamado
escândalo dos precatórios
-emissão irregular de títulos da
dívida da Prefeitura de São Paulo
que resultou no desvio para outras finalidades de R$ 1,2 bilhão.
O agente federal César Herman
Rodriguez foi, em 1997, o advogado dos principais acusados de
manipular os papéis da dívida
paulistana, segundo documentos
apreendidos pela Polícia Federal
aos quais a Folha teve acesso.
Nos depoimentos tomados pela
PF para abastecer a CPI dos Títulos Públicos, ele foi o advogado de
Enrico Picciotto e Francisco Carlos Calandrini, sócios da corretora Split, e de Sérgio Chiamarelli
Jr., gerente da empresa.
Em abril deste ano, o agente Rodriguez continuava a advogar para Chiamarelli Jr., como mostram
gravações feitas pela PF. Ele fora
exonerado da PF em 1992, sob
acusação de ter contrabandeado
um fuzil AR-15, mas voltara em
setembro de 1999 após vencer um
processo administrativo. O estatuto da PF proíbe que seus funcionários exerçam outras funções.
Em outra conversa gravada, o
juiz federal João Carlos da Rocha
Mattos revela segredos da Justiça
e fornece indícios de que orienta a
atuação de Rodriguez como advogado. Em 23 de abril deste ano,
o juiz diz o que achava da defesa
dos acusados no escândalo dos
precatórios: "O [material] do Batochio, dei uma olhada muito por
cima e achei que está uma merda.
(...) Só encheu linguiça fazendo citação".
Rodriguez aproveita a crítica e
pede ao juiz para que veja uma
defesa sua e a compare com a suposta prolixidade de Batochio:
"Só queria que você desse uma
olhada para ver qual é a diferença:
dá para falar sobre o assunto [de
modo] curto e conciso". O juiz diz
que vai olhar.
José Roberto Batochio era advogado de Picciotto e protocolara a
defesa dele no dia 11 de abril às
15h47. Em 7 de maio, 13 dias depois de ter dito que a defesa de Batochio "está uma merda", Rocha
Mattos absolveu Picciotto e mais
seis funcionários da Split da acusação de sonegação fiscal, gestão
fraudulenta e operação com títulos sem o devido lastro.
Em 16 de setembro do ano passado, em outra conversa gravada
pela PF, o delegado José Augusto
Bellini fala sobre uma reunião e
anuncia: "O Batochio vai lá".
Por causa dessas conversas, a PF
crê que a sentença foi negociada.
Batochio, ex-deputado federal e
ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, diz que nunca
reuniu-se com esse grupo (leia
texto abaixo). "Se eu soubesse que
havia compra de sentença, não
me daria ao trabalho de fazer uma
defesa de 167 páginas. Essa acusação não faz sentido", afirma.
Morando na casa do juiz
O trabalho de Rodriguez como
advogado era acompanhar os depoimentos dos integrantes da
Split nas delegacias de combate ao
crime organizado e de crimes fazendários.
Um contrato de locação revela
que o escritório de Rodriguez na
época da CPI, na rua Peixoto Gomide, pertencia a Abrahão Emílio
Cunha, sogro do juiz. Em sua declaração do Imposto de Renda de
1992, o juiz dá aquele endereço
como o de sua residência.
Não é a única intersecção da
Operação Anaconda com os precatórios. Quem investigou toda a
parte paulistana da emissão dos
títulos da dívida e tomou os depoimentos dos donos da Split foi
o delegado federal Eldo Saraiva
Garcia. Segundo a PF, o delegado
é o Qüem-Qüem que aparece no
livro-caixa do grupo recebendo
US$ 85 mil. Garcia nega a acusação e o apelido (leia texto abaixo).
Rocha Mattos, Rodriguez e
Chiamarelli estão presos desde o
dia 30 de outubro, sob acusação
de integrar uma quadrilha com
ramificação na Justiça Federal.
Outro indício de que Rocha
Mattos negociou a absolvição de
Chiamarelli Jr., segundo o Ministério Público Federal, foi captado
numa conversa entre o juiz e o delegado Bellini gravada pela PF:
Bellini - O Serginho [Chiamarelli Jr.] tá mandando um beijo.
Rocha Mattos - Manda um
abraço pra ele, pergunta se ele
gostou da decisão. (...) Ele gostou
da decisão?
Bellini - Sim, por isso mesmo, tá
te mandando um beijo. (...)
Rocha Mattos - Tá bom, outro
aí pra ele.
A decisão do juiz foi proferida
em 7 de maio deste ano e o diálogo do beijo ocorreu, segundo a
polícia, cinco dias depois.
Intimidade
Rodriguez, além de diversas
conversas telefônicas com Mattos
gravadas pela PF, tem vínculos
documentados com o magistrado
que julgou seus ex-clientes. Ele
declarou ter feito um empréstimo
de R$ 48 mil para Rocha Mattos.
O agente federal ocupou o imóvel do sogro do juiz como escritório de advocacia e também alugou
duas linhas telefônicas da ex-mulher, Norma Regina Emílio Cunha, e da irmã do magistrado, Vera Cecília. Mas o relacionamento
de Rodriguez e do magistrado é
ainda anterior aos depoimentos
na CPI. Em 1995, Rocha Mattos
serviu de testemunha para uma
declaração de Rodriguez pela
qual cedeu um fuzil AR-15 para o
procurador da República aposentado João Antônio Desidério.
Um processo na Justiça revela
que Rodriguez frequentava a intimidade da família Rocha Mattos.
Ele foi arrolado como testemunha
de Norma durante o processo de
divórcio do casal. Ela queria comprovar que mantinha um relacionamento conjugal com o juiz.
Entre os presos pela Anaconda,
outras pessoas se relacionaram ao
escândalo dos precatórios. O advogado Affonso Passarelli Filho,
ex-sócio do agente Rodriguez, defendeu o empresário Sérgio Chiamarelli Jr., em processos na Justiça Federal.
O advogado Carlos Alberto da
Costa Silva, também preso, atuou
na defesa, durante a CPI, do bancário João Maury Harger Filho,
ex-gerente do Beron (Banco do
Estado de Rondônia), pelo qual
teria passado parte do dinheiro
obtido pelas corretoras na compra e venda dos precatórios.
Costa Silva é procurador da
"off-shore" Cadiwell, no Uruguai,
proprietária do apartamento na
rua Maranhão, em Higienópolis,
onde o juiz Rocha Mattos vivia
antes de ser preso.
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