|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
SOMBRA NO PLANALTO
Decreto assinado por Lula e Dirceu em outubro criou grupo para tornar jogo legal
Casa Civil articulava plano de legalização dos bingos
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O escândalo Waldomiro Diniz
cortou a poucos metros da praia
uma onda que levaria à legalização dos jogos de bingo no país.
Resultado de uma longa negociação coordenada pela Casa Civil e
com o apoio entusiasmado de
empresários do bingo, as novas
regras deveriam liberar os jogos
com a justificativa oficial de aumentar a arrecadação de tributos.
"Virou um vespeiro", disse o
subchefe de Coordenação da
Ação Governamental da Casa Civil, Luiz Alberto dos Santos, um
dia antes de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciar um
aparente giro de 180 graus nos
planos do governo, por meio da
medida provisória que proíbe o
funcionamento dos bingos. Na
prática, o giro mesmo depende
agora do Congresso Nacional.
Horas antes do anúncio de Lula,
o presidente da Abrabin (Associação Brasileira dos Bingos), Olavo
Sales da Silveira, acreditava que o
projeto seguiria adiante apesar do
escândalo: "Não vejo espaço para
o governo recuar. Para mim, levantaria suspeita se recuasse".
Num exagero de retórica, Sales
avaliou que barrar os bingos só
interessaria a uma pessoa nessa
altura do campeonato: o empresário Carlos Ramos, o Carlinhos
Cachoeira, interlocutor de Waldomiro Diniz na fita em que o ex-assessor parlamentar do Planalto
foi flagrado em 2002, quando trabalhava para o governo Benedita
da Silva (PT-RJ), cobrando contribuições de campanha. O negócio de Cachoeira não seria o bingo, mas um concorrente desse: os
sistemas de loteria on-line.
Sales esqueceu que os maiores
opositores dos bingos são os procuradores que vêem no jogo um
sinônimo de lavagem de dinheiro
e de crime organizado.
Desde 2000, quando a chamada
Lei Maguito cortou novas autorizações para funcionamento de
bingos no país, o jogo atua à custa
de liminares concedidas pela Justiça. As últimas autorizações legais expiraram no final de 2002,
encerrando um ciclo que começara com a Lei Zico, aquela que liberou o bingo, em 1993.
No ano passado, os bingos já estavam completamente fora do
controle do governo. Em 2002, a
CEF (Caixa Econômica Federal),
responsável até então pela fiscalização, contabilizou a arrecadação
de só R$ 116 milhões para atividades esportivas, embora estimasse
que os bingos movimentassem
mais de R$ 2 bilhões por ano.
Bandeira petista
Antes de Luiz Inácio Lula da Silva chegar ao Planalto, já havia petistas engajados na liberação dos
bingos. O mais notável defensor
dos bingos no Congresso é o deputado Gilmar Machado (PT-MG), relator do projeto do Estatuto do Desporto, cujo texto libera
os jogos e destina parte do dinheiro arrecadado para os esportes.
Machado comparou a situação
dos bingos às plantações de soja
transgênica. Além de serem dois
temas polêmicos, só haveria duas
alternativas para o governo Lula
nesses casos: aceitar a clandestinidade ou legalizar. Proibir o bingo,
segundo ele, estaria fora de questão, ainda que ele mesmo não
aposte nas cartelas: "Não jogo,
sou evangélico". Então, por quê?
"Sou político", afirma.
Pouco antes das eleições de
2002, o PT tentou votar o projeto
em regime de urgência na Câmara, sem sucesso. Nessa época,
Waldomiro Diniz foi flagrado ao
lado de Carlinhos Cachoeira.
Como presidente da Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro),
ele promovia encontro para discutir o destino dos bingos e se
destacava como "defensor ferrenho" da atividade nas mãos dos
Estados, segundo registro feito à
época no site da Associação Brasileira dos Bingos. A Abrabin nega
que Waldomiro tenha participado das últimas negociações, em
coro com o Palácio do Planalto e
os demais defensores dos bingos.
Com a vitória de Lula, o relator
Gilmar Machado voltou a trabalhar com outra grande aliada dos
bingos na Esplanada, reconhecida
pela Abrabin: Virgínia Mesquita,
assessora especial do ministro
Agnelo Queiroz (Esporte). Ambos trabalharam afinados com a
Abrabin, associação que representa cerca de metade das 1.100
casas de bingo do país.
O presidente Lula nunca escondeu a disposição de regulamentar
os bingos. A mensagem que enviou ao Congresso no início do
primeiro ano de mandato já registrava a intenção de ter os bingos
como fonte de financiamento de
projetos do governo federal.
Mas foi com a assinatura de Lula e do chefe da Casa Civil, José
Dirceu, em decreto publicado no
"Diário Oficial" da União no início de outubro, que a Abrabin começou a cantar vitória. O governo
criava ali o grupo de trabalho para
cuidar da legalização. "Legalização cada vez mais rápida", comemorou o site da associação.
Controle na Caixa
O grupo chegou a uma proposta
de legalização do bingo no início
de janeiro. A Casa Civil aproveitou as sugestões do Ministério do
Esporte e se ateve ao modelo que
punha nas mãos da CEF o controle dos bingos, das autorizações de
funcionamento à fiscalização.
A proposta, que não chegou a
ser formalizada, exigia capital mínimo de R$ 500 mil das empresas
que quisessem atuar com casas de
bingos. Máquinas fora desses estabelecimentos seriam proibidas.
O sistema da Caixa poderia ficar
pronto num período de oito a 12
meses, previu o vice-presidente
de Benefícios, Carlos Borges.
"O projeto contraria interesses,
ia tirar gente do mercado", comentou o subchefe da Casa Civil.
A tese do governo é que interesses
feridos na futura regulamentação
estariam na origem do episódio
Waldomiro Diniz.
"Gostamos disso, a Abrabin
apóia", reagiu o presidente da
Abrabin. Ele já preparava uma
nova campanha publicitária para
quando o projeto chegasse ao
Congresso, semelhante à veiculada em televisões e revistas no segundo semestre de 2003 e na qual
a Abrabin afirma em editorial ter
gasto "algumas centenas de milhares de reais".
A campanha da Abrabin inclui
pareceres do ex-coordenador de
Inteligência da Receita Federal
Deomar de Moraes e dos juristas
Ives Gandra, Antônio Chaves Camargo e Hermínio Porto e a tentativa de convencimento dos parlamentares. Quanto foi gasto exatamente, Olavo Sales não diz.
Quatro dias antes de estourar o
escândalo Waldomiro Diniz, a direção da Câmara recebeu um novo pedido de votação em regime
de urgência de mais um projeto
de regularização do bingo. Foi
apresentado pelo líder do PL, deputado federal Valdemar Costa
Neto (SP), e usava mais um apelo
para liberar o jogo: o dinheiro arrecadado também ajudaria o
combate à fome. Era para reforçar
a onda pró-legalização do bingo.
Texto Anterior: Painel Próximo Texto: Cachoeira é o vencedor, diz Abrabin Índice
|