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ENTREVISTA/FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Melhores quadros vão para o mercado, não para a política
Ex-presidente diz não ver nenhuma razão para uma CPI sobre o caso Alstom em SP
Tucano afirma não agüentar ler parte política dos jornais porque "tudo são fatos banais ou policiais, não vai me acrescentar nada"
ROBERTO DIAS
EDITOR-ASSISTENTE DE BRASIL
Fundador do PSDB, o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso preferia que a aliança
entre tucanos e democratas em
São Paulo não fosse desfeita.
Mas diz entender as razões de
Geraldo Alckmin e não ver dificuldade em montar um discurso de campanha para concorrer
na disputa contra Gilberto Kassab. "Vai dizer: o que já foi feito
de mudança, vou fazer mais",
diz FHC, 77 anos completados
na semana passada.
FOLHA - O que o PSDB cumpriu do
que se propôs a fazer na fundação e
o que não conseguiu?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - O
programa daquela época era
um programa no qual estávamos tateando o que veio a ser a
globalização, a necessidade de o
Brasil se inserir no mundo,
aquilo que o Mario [Covas] chamou de "choque de capitalismo". Avançamos bastante nisso. Não fomos só nós, mas o impulso inicial de quebra de uma
tradição nós demos. E na reforma do Estado. Não está completa, mas, se alguém reformou
esse Estado patrimonialista
que nós temos, foi o PSDB. E
iniciamos, bem ou mal, uma
coisa que hoje é atribuída ao
PT: os programas sociais. Uma
parte da programação nós
cumprimos. O que faltou? Falta
muita coisa, porque hoje existe
uma tal desconexão entre a vida política e o cotidiano das
pessoas que é difícil fazer aquilo que era nosso sonho, um partido que tivesse uma inserção
mais sólida na sociedade.
FOLHA - Como alcançar isso?
FHC - Não é uma questão só do
Brasil. É global, sociológica, a
sociedade de massa e o avanço
das forças de mercado se deram
de tal maneira que o papel que
os partidos exerciam no passado como polarizadores e condutores, eles perderam muito,
não só no Brasil. Isso não quer
dizer que a sociedade não tenha
avançado bastante nos seus
próprios pés, de uma maneira
que -visto aos olhos do que
pensávamos há 30 anos- é sem
política, sem partido político.
Será que é um mal? Acho que
o mal é quando você não tem
partidos políticos capazes de
propiciar pelo menos um quadro geral de referência. Os partidos não incorporaram o tema
do cotidiano. Os temas da vida
do cidadão hoje cortam transversalmente a sociedade, não é
de uma classe só. Todas sofrem
com insegurança, poluição,
com tráfego ruim. É o governo,
qualquer governo, mas qual é a
posição, como a sociedade é tocada por esse problema?
FOLHA - Tem algum partido caminhando nesse sentido?
FHC - Não acho. Acho que a
discussão é muito...Vou dizer
uma coisa que talvez seja quase
impensável para mim mesmo
há muito tempo: eu não agüento mais ler a parte política dos
jornais. Tudo são fatos banais
ou fatos policiais.
FOLHA - O sr. tem lido o quê?
FHC - Leio todos, mas eu salto,
começo a ler e pulo. Porque não
vai me acrescentar nada. Quero
entender mais os quadros. A
parte econômica é mais interessante, a de discussão educacional, a de meio ambiente.
FOLHA - O governo da social-democracia brasileira acabou ficando
tachado como um governo de direita. Esse rótulo incomoda o sr.?
FHC - Isso aí é o rótulo dado pelo PT. O povo não pensa isso,
não tem nem direita e esquerda, porque as categorias também ficaram vazias. O que não
quer dizer que, conceitualmente, não existam uma direita e
uma esquerda. E o PSDB, conceitualmente, não está à direita. O que significa estar à direita? Basicamente são os conservadores que não querem mudar e que não têm o sentido de
igualdade, justiça. Acho que o
PT é mais conservador que o
PSDB. Porque muda menos o
modo de fazer política. Voltou
atrás, aliás. Deu mais força para
as práticas tradicionais -não
que elas tivessem acabado ou
que o PSDB não tivesse incorrido nelas, mas tentava diminuir.
FOLHA - O programa atual do PSDB
diz: "Nenhum partido vive dos feitos passados, vive do que realiza no
presente e da visão de futuro que
oferece". O PSDB controla hoje cinco
Estados. O que o partido pode dizer
que realiza no presente?
FHC - No caso de São Paulo e de
Minas, que são os que eu conheço melhor, acho que o impulso dado na educação é muito grande. Também na segurança, no caso de SP, é bastante
notório que houve uma queda
imensa na taxa de homicídio.
Por outro lado, são partidos
que, ao fazer isso, não se esquecem de, como há condições
agora, investimentos grandes.
O que está sendo feito em São
Paulo em investimento no sistema de transporte é enorme.
FOLHA - Tirando esses dois casos
de presidenciáveis, os três outros
governadores enfrentam problemas bem graves: a crise no governo
Yeda (RS), a denúncia da Procuradoria contra Teotonio Vilela Filho (AL) e
a ameaça de cassação a Cássio Cunha Lima (PB). O PSDB tem dificuldade em encontrar novos quadros?
FHC - Todos os partidos têm tido essa dificuldade, que diz respeito ao que mencionei antes: a
desconexão com a vida da sociedade. Os melhores quadros
da sociedade vão para o mercado. Até para a área cultural. Não
vão para a política. Essa dificuldade existe, é indiscutível.
FOLHA - Era assim quando o sr. entrou na política?
FHC - Não. Entrei na política
partidária em função de uma
luta contra o regime autoritário. Aquilo era um fator mobilizador. Os quadros da sociedade
se jogaram na política. Depois
houve a desconexão.
FOLHA - Nos últimos dias, enquanto o comando nacional do PSDB divulgava uma nota reduzindo a crise no governo Yeda a uma conspiração
política, em SP a bancada tucana na
Assembléia barrava investigação no
caso Alstom. O partido não se enfraquece ao agir assim?
FHC - Não barrava investigação nenhuma. Não houve nada
que pudesse dar razão para fazer uma CPI sobre o caso Alstom. O caso Alstom é a divulgação, na Europa, de que essa empresa teria dado alguma propina a alguns políticos. E pára por
aí. Ninguém tem informação
concreta. O resto é especulação. Você não pode fazer uma
CPI na base da especulação.
Não tem um elemento. Não sei
se é o caso de CPI. O próprio governo deve ser o primeiro a se
manifestar contra e punir.
FOLHA - E o governo Yeda?
FHC - Eu não acompanhei o caso da Yeda. O que eu vi foi o vice-governador tendo gravado
uma conversa com alguém do
governo Yeda que dizia que
empresas estatais haviam financiado. Não se referia ao
PSDB nem ao governo dela. Ela
demitiu todo mundo. Então é
uma atitude diferente.
FOLHA - O programa de criação do
PSDB justificava assim a decisão de
vocês, fundadores do partido: "O
PMDB, ao qual cabia a maior parcela
de responsabilidade pelos rumos da
transição, sucumbiu lamentavelmente. Receoso de enfrentar suas
divergências internas, deixou de tomar posição ou mesmo debater as
políticas do governo a que deveria
dar sustentação". Isso não lembra
muito a situação atual do PSDB no
município de São Paulo?
FHC - É, eu acho que o caso do
município de São Paulo é um
teste para o PSDB. Vamos ver o
que vai acontecer na convenção. Achava que estrategicamente deveríamos manter uma
aliança. Mas isso dependia de
que os líderes do partido aceitassem essa idéia. Pelo jeito, a
preferência não foi essa. Ao não
ser essa, acho que o partido tem
que ter um comportamento
partidário. Eu terei -ficar com
o que for decidido na convenção. É difícil que a convenção
decida contra ter um candidato
próprio. Acho que o Alckmin
tem direito de querer ser candidato. Entendo as razões dele. O
partido não tem por que dizer:
"Você não pode ser candidato".
Não querem que seja? Então
vamos para a convenção.
FOLHA - O sr. costuma bater muito
na importância de ter clareza no que
defende. Como o partido vai poder
fazer campanha na cidade de São
Paulo concorrendo contra um governo do qual faz parte?
FHC - Aí não tem dificuldade
não. A oposição tem que ser feita ao PT. Seria suicídio ficar lutando Geraldo contra Kassab,
Kassab contra Geraldo. Os dois
têm que lutar contra o PT.
FOLHA - Mas o sr. mesmo menciona a importância do discurso da mudança numa campanha. Alckmin
não vai poder ter esse discurso.
FHC - Vai dizer: o que já foi feito de mudança vou fazer mais.
FOLHA - Uma linha de análise é
que, se vitorioso, Alckmin fortaleceria a candidatura de Aécio ao Planalto. Isso faz sentido para o sr.?
FHC - Não foi o que ele disse a
mim. Não sei nem se vai haver
disputa entre Serra e Aécio. Se
for definido que o candidato é o
Serra, o Geraldo vai se alinhar
nessa candidatura. Se for o Aécio, todos vamos nos alinhar.
Ou faz isso ou não tem partido.
FOLHA - Qual o futuro da polarização PT-PSDB? Ela tem força para se
enraizar de maneira semelhante à
de republicanos e democratas nos
EUA ou a comparação é inválida?
FHC - Não é infundada, porque
a diferença entre democratas e
republicanos nos assuntos
principais é pequena. Mas é difícil, porque acho que PT e
PSDB não esgotam as possibilidades do espectro político brasileiro. Pescam às vezes aliados
no que se chama aqui de direita,
que são os fisiológicos, e às vezes pescam no que eram os extremistas. O PT pesca nas duas
alas, no clientelismo de direita,
conservador, e no extremismo
revolucionário. O PSDB pesca
mais próximo ao centro, nos
dois lados. Mas isso não completa um ciclo político. Tem espaço para um partido no sentido do DEM se consolidar, que é
um partido de centro-direita,
com visão moderna da economia, sem ser reacionário. Não
acho que haja espaço no Brasil
para um partido de direita.
FOLHA - Sobre essa "pescaria", Ciro
Gomes disse numa entrevista recente que tanto o sr. quanto Lula se acomodaram com o patrimonialismo.
FHC - Não me acomodei com
patrimonialismo nenhum.
Tentei diminuí-lo. E fiz. Criar
mecanismos de Estado que fossem mais profissionais. Você
não acaba com o clientelismo
por um ato de vontade. Eu não
sei se o Lula fez isso com tanto
empenho. Agora, quem entende de patrimonialismo é o Ciro,
no Ceará, com o irmão dele.
FOLHA - Desde Covas e Almir Gabriel, em 1989, o PSDB não tem uma
chapa puro-sangue à Presidência.
Chegou a hora de voltar a ter?
FHC - Eu gostaria.
FOLHA - Aécio tem falado sobre esse candidato "pós-Lula". Como se
definiria o espaço desse candidato?
FHC - Acho uma boa definição.
Significa que você não tem que
continuar a debater o que está
fora de debate. A política macroeconômica está dada, a política social está dada, essas
questões foram sendo assimiladas pela sociedade, parte feita
pelo meu governo, parte pelo
governo do Lula. E daí? Como é
que vamos para frente?
FOLHA - A carga tributária aumentou no seu governo e ainda mais no
de Lula. Ficou menos distante do nível de Suécia e Noruega, referências
da social-democracia européia. Nesse aspecto, o caminho seria esse?
FHC - A carga tributária lá é
muito alta. A diferença é outra:
lá a qualidade dos serviços
prestados é muito boa. Eu acho
que uma social-democracia implica uma carga tributária elevada. A nossa passou dos limites. Você pode dizer que nós aumentamos. É verdade. Por quê?
Porque acabamos com o maior
imposto que beneficiava o governo, a inflação. Tivemos que
enxugar dívida dos Estados, o
que nos obrigava a ter uma carga maior. Agora acho que passou do limite. A melhoria da
prestação de serviços não aumenta na proporção do aumento da carga. Estamos num momento em que é coerente ser social-democrata e dizer: pára.
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