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JANIO DE FREITAS
A denúncia do denuncismo
Bem que o seu presidente o
alertou, leitor distraído, contra o denuncismo praticado pela
imprensa brasileira - ou, mais
precisamente, pelos jornalistas
sem vínculo com o poder. Sempre
desejosa de aprimorar-se, nos últimos dias a imprensa levou o seu
mau hábito ao paroxismo: voltou
o denuncismo contra si. E por iniciativa de um jornalista, que denunciou a trapaça jornalística, de
sua co-autoria, que transformou
em US$ 1 milhão o US$ 1 mil movimentado pelo então deputado
Ibsen Pinheiro. E com esse escândalo motivou a cassação injusta
do deputado. Mas a atual denúncia do denuncismo passado, cá
entre nós, não é denúncia e tem
tudo de farsa.
A verdade, comprovável por documentos oficiais, é que Ibsen Pinheiro não foi cassado por ter a
CPI do Orçamento (mais tarde
"CPI dos Anões") considerado
inaceitável a "transferência de
US$ 1 milhão de uma conta bancária de Ibsen Pinheiro de uma
agência da Caixa Econômica para uma agência do Banrisul". O
valor, no caso, poderia ser qualquer um, e o problema seria o
mesmo. Porque não se tratou de
movimentação para uma agência
qualquer, como faz crer o denuncismo atual do denuncismo passado.
A CPI constatou que Ibsen Pinheiro transferiu seu dinheiro para o Uruguai, salvando-o do seqüestro das contas e da poupança
nas vésperas do seqüestrador Plano Collor. Ibsen Pinheiro era então o prestigiado líder do PMDB
na Câmara e foi quem quebrou a
demorada resistência peemedebista para aprovar o seqüestro do
dinheiro privado, causa de desgraças inumeráveis, pessoais e
empresariais.
Em seu depoimento na CPI, Ibsen Pinheiro atribuiu a transferência a um pagamento que, porém, recusou-se a dizer de que ou
a quem. E deu como destino a cidade brasileira de Santana do Livramento. Não por acaso, cidade
geminada à uruguaia Rivera, na
qual a CPI constatou localizar-se
a agência destinatária da transferência feita pelo líder do PMDB.
Dinheiro e bens produziram
respostas de Ibsen Pinheiro, na
CPI, que mais o arruinaram do
que esclareceram. O depósito feito
em sua conta pelo também deputado Genebaldo Correa, um dos
"anões" de maior atividade malandra, continuou inexplicado.
Ibsen Pinheiro acabou apelando
para uma tal caminhonete que
teria vendido a Genebaldo, mas
comprado de Genebaldo, que
comprou de Ibsen e depois vendeu a Ibsen, enfim, uma caminhonete que se mudou muito sem
deixar pista alguma de sua inconstância.
Contribuiu também, para a
cassação de Ibsen Pinheiro, um
problema institucional que ele
não transpôs: o presidente da CPI,
Jarbas Passarinho, recebeu documentos do Senado comprovando
que a primeira CPI do Orçamento, requerida em 1990, acabou arquivada em 92 porque o então
presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, não cumpriu formalidades dele esperadas. Ao depor, acusou pelo arquivamento o senador
Mauro Benevides, seu colega no
PMDB. Logo a CPI concluía que
Benevides cumprira seu papel e
que Ibsen, portanto, bloqueara a
CPI em causa própria. Ibsen Pinheiro, deve-se reconhecer, foi até
mais cauteloso do que isso: como
presidente da Câmara, tratou de
demitir o funcionário que fez a
primeira denúncia da corrupção
dos "anões do Orçamento", mais
tarde repetida, afinal levando em
93 à CPI, pelo também funcionário José Carlos dos Santos, aquele
acusado de matar a mulher.
A CPI teve mais à disposição de
suas conclusões sobre Ibsen Pinheiro, como um episódio que
não apareceria no exame de movimentação bancária: a compra
de um imóvel com dinheiro levado em mala. Informação espontânea do ex-dono do imóvel, que
descreveu os pormenores do negócio e do espanto ao ver o sóbrio
deputado com a evidência da origem inconfessável do dinheiro.
Antes dessa narrativa, Ibsen Pinheiro deixara sem resposta, em
seu depoimento na CPI, as perguntas sobre a procedência dos
recursos para a compra do imóvel.
Nelson Jobim, que já era como
deputado o Nelson Jobim de hoje
no Supremo Tribunal Federal, articulou-se com o deputado Abi-Ackel para compelir os líderes do
PFL, PMDB, PPR e PSDB na Câmara a mobilizarem-se em conjunto para evitar a prorrogação
da CPI do Orçamento, o que sustaria várias investigações. Seu
êxito foi apenas relativo. A CPI
esteve sempre sob fortes pressões
assim, partidas até dentro dela.
No final, conveniências políticas e
interesses pessoais salvaram da
cassação vários parlamentares,
mas os cassados não o foram sem
provas seguras e abundantes. E
foi por decisão do plenário, e não
da CPI, que se deram as cassações.
Ibsen Pinheiro foi cassado pelo
conjunto de sua obra, e não, como
pretende a "corajosa" autodenúncia de uma leviandade jornalística, pela hipotética movimentação de US$ 1 milhão ou de US$ 1
mil. O que seria impossível porque, entre outros motivos, a CPI
ajustou prontamente os valores
corretos, fossem em dólares ou em
novos cruzados, das contas de Ibsen Pinheiro - agora em campanha para retomar, a partir do Rio
Grande do Sul, a carreira política.
Na qual seus deméritos identificados pela CPI não negam os
muitos méritos que teve como deputado federal.
Todos os fatos e dados deste artigo estão documentados, foram
publicados à época e jamais contestados. Nem mesmo pelo atual
denuncismo contra o denuncismo
da imprensa, que preferiu ou precisou não os lembrar.
Resposta
Desfez-se a expectativa, aqui
anotada, sobre o voto do recém-empossado ministro do Supremo
Tribunal Federal, Eros Grau,
quanto ao desconto de previdência nas aposentadorias do funcionalismo. Como advogado e jurista, Eros Grau foi autor de recente
parecer contrário à taxação previdenciária dos inativos, por considerá-la inconstitucional. Como
recém-nomeado por Lula para o
STF, aí votou pela cobrança.
Eros Grau cobrou, a uma associação de professores, R$ 35 mil
pelo parecer. Pelo seu voto governista, como ministro estará recebendo, neste mês, a metade do seu
preço de parecerista. Eros Grau ficou, de fato, muito mais barato.
Finda uma, surgiu outra expectativa, sem promessa de solução
próxima. O político-juiz Nelson
Jobim votou, claro, com o governo, sob o poderoso argumento de
que derrubar a nova taxação dos
inativos causaria "extraordinário
rombo" nas contas governamentais. Causar, não causaria, porque o rombo já existe. E agora se
trata de saber o seguinte: ministro
do Supremo lida com contabilidade ou com Direito, Constituição, direitos e Justiça?
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