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1979-2004
25 ANOS DE ANISTIA
Anistia completa 25 anos nesta semana, mas, apesar do avanço democrático no período, o julgamento dos torturadores e o paradeiro dos desaparecidos políticos durante a ditadura ainda permanecem como dívidas do país com sua história
Uma obra inacabada
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Promulgada há 25 anos, no dia
28 de agosto de 1979 pelo então
presidente João Baptista Figueiredo, a Lei da Anistia foi um marco
-talvez o principal marco do início da redemocratização do país,
que se completaria institucionalmente dez anos depois, em 1989,
com a primeira eleição direta para
presidente da República.
Nesse intervalo, o Brasil atravessou o movimento das Diretas-Já,
que resultou no fim do regime
militar (1964-1985) e na eleição indireta de Tancredo Neves, o primeiro civil a ser indicado chefe de
Estado em 21 anos. O país viu
também a promulgação da Constituição, em outubro de 1988.
Mas, visto de hoje, um quarto de
século depois, o processo democrático deflagrado pela Lei da
Anistia ainda é para muitos uma
obra inacabada, ou parcial. Isso
porque os dois maiores traumas
históricos do período ainda não
foram resolvidos: a punição dos
torturadores e o esclarecimento
do paradeiro daqueles considerados "desaparecidos" pelo regime.
Sobre o primeiro ponto, a Lei da
Anistia era omissa e, desde então,
pouco ou nada se fez, diferentemente do que ocorreu, por exemplo, no Chile e na Argentina, onde
os responsáveis por crimes similares foram a julgamento.
Prevaleceu por muito tempo no
país o entendimento de que a Lei
da Anistia representava um perdão de mão dupla: assim como
eram anistiados os que tinham sido punidos por crimes políticos,
também estavam perdoados os
representantes do Estado que haviam cometido qualquer espécie
de violência política. A lei, porém,
não menciona em nenhum momento a palavra "tortura" -e
nem poderia àquela altura.
Hesitação geral
O advogado Fábio Konder
Comparato enfatiza o fato de a lei
ter sido elaborada pelos militares.
"Ela não poderia continuar em vigor depois da redemocratização
do país. Além disso, em 1992, o
Brasil ratificou a Convenção
Americana de Direitos Humanos,
de 1969, que torna imprescritíveis
os crimes de tortura", diz ele, criticando a "impunidade de torturadores e assassinos". "E se eles até
hoje estão impunes, é por causa
da hesitação geral, inclusive das
vítimas", afirma.
O historiador Luiz Felipe de
Alencastro concorda: "A questão
é que todo o debate está focado
nas vítimas, quando se deveria
também discutir o destino dos
torturadores. Sobre eles, nunca
houve a formalização de qualquer
acusação. Enquanto o debate se
restringir ao drama humanitário
das vítimas, os torturadores continuarão impunes. E isso é uma
tragédia ética para o Brasil".
É uma posição com a qual não
concorda Geraldo Cavagnari, coronel reformado do Exército e
membro do Núcleo de Estudos
Estratégicos da Unicamp. Cavagnari avalia que o processo iniciado em 1979 está concluído. "Não
existe uma demanda social. Os
brasileiros estão preocupados
com outras questões hoje", diz.
Ele diz que a experiência brasileira é muito diferente da de países como o Chile e a Argentina,
onde os governos acabaram pedindo perdão pela violência e iniciaram-se processos de investigação. "Os passivos argentino e chileno são muito maiores, não há
como comparar. E, no caso argentino, o Exército foi derrotado,
desacreditado. Já no Brasil, o processo [de anistia e abertura] foi
conduzido pelo próprio regime."
Divergências à parte, houve
avanços importantes durante esse
período. Em 1995, dez anos depois do fim do regime militar, o
governo Fernando Henrique Cardoso promulgou a lei 9.140, que
previa o reconhecimento da responsabilidade estatal por mortes
e desaparecimentos por motivação política entre setembro de
1961 e agosto de 1979. Na época foi
instalada a Comissão de Mortos e
Desparecidos Políticos.
Uma das decisões mais polêmicas da comissão ocorreu em 11 de
setembro de 96, quando foi aprovado o pagamento de indenização às famílias dos guerrilheiros
Carlos Lamarca (capitão do exército, que desertou em 1969 e foi
morto em 71) e Carlos Marighella
(líder guerrilheiro morto em 69).
O resultado desagradou ao general Oswaldo Pereira Gomes, representante das Forças Armadas
na comissão "Uma provocação
desnecessária", disse na época.
FHC também instalou a Comissão da Anistia em 2001, e, em novembro de 2002, sancionou a lei
que prevê indenizações para perseguidos políticos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de
1988.
Caminho inevitável
A anistia já aparecia como condição indispensável para a redemocratização do país ainda em
1964. Em dezembro daquele ano,
lembra a cientista política Glenda
Mazarobba, que faz doutorado na
USP sobre o assunto, o escritor
Alceu de Amoroso Lima pedia pela anistia no rádio.
Durante todo o período de exceção, vários projetos de anistia
foram apresentados e enterrados.
O MDB a havia incluído em seu
programa em 1972 e ela estava
presente na plataforma de candidatos do partido nas eleições de
1974. Em 1975, Therezinha Zerbini, mulher de um general cassado,
fundava o Movimento Feminino
pela Anistia, que se alastraria pelo
país. "Um movimento liderado
por homens seria esmagado pela
repressão", diz Therezinha.
O regime dava sinais de cansaço
na segunda metade da década de
70. Às mortes do jornalista Vladimir Herzog (75) e do metalúrgico
Manuel Fiel Filho (76), seguiram-se as medidas que o general Ernesto Geisel definia como de
abertura lenta, gradual e segura.
No final da década, o movimento pela anistia já havia ganhado as
ruas e se tornara uma das grandes
bandeiras da chamada sociedade
civil. Jarbas Passarinho, à época líder no Senado da Arena, defende
que a anistia não foi fruto exclusivo da "generosidade" do governo
ou da pressão das ruas: "As duas
coisas se somaram", diz Passarinho, figura de proa do regime,
que já havia sido ministro do Trabalho em 1968 e da Educação no
governo Médici.
(MARCELO BILLI, LAURA CAPRIGLIONE E IURI DANTAS)
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