|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Anistia, a última vitória da esquerda
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Vinte e cinco anos depois da
anistia, olhar para trás é trazer à
memória uma irônica frase que os
espanhóis usavam nos primeiros
anos após o fim da ditadura de
Francisco Franco, que durara do
fim da Guerra Civil (1939) a 1977.
"Contra Franco, vivíamos melhor", diziam, embriagados pela
democracia recém-conquistada.
Na luta pela anistia e, por extensão, contra o regime militar, que
atingia então seus 15 anos, as forças democráticas do país viveram
seus últimos momentos de unidade e de generosidade. Estavam todos: a esquerda, a centro-esquerda, o centro e até personalidades
que haviam apoiado o golpe de
1964, mas foram migrando para a
luta pelas liberdades públicas.
Estava até parte significativa da
mídia, caso desta Folha, por
exemplo, porque, em situações
institucionais críticas, como é
sempre um regime autoritário,
não vale ou nem sempre vale a recomendação de não tomar partido. A generosidade referida estava dada pelo fato de que os políticos em evidência no momento,
com seus direitos políticos plenos
e morando no próprio país, buscavam trazer de volta ao país e/ou
à política aqueles que poderiam
ser seus concorrentes no futuro.
Foram mesmo: Leonel Brizola
por muito pouco não tirou Luiz
Inácio Lula da Silva do segundo
turno da eleição presidencial de
1989. Se Brizola passasse à disputa
final contra Fernando Collor,
qualquer que fosse o resultado final, é bem provável que a história
do Brasil teria sido diferente.
Conquistada a anistia, o restabelecimento da democracia tornou-se uma questão de tempo. E a
generosidade cedeu lugar a projetos políticos próprios de cada um
dos líderes do movimento ou dos
que foram por ela beneficiados.
É sintomático que dois dos
principais "palanqueiros" da
campanha pela anistia (Fernando
Henrique Cardoso e Lula) tenham sido também os dois mais
salientes adversários na luta pelo
poder nos dez anos mais recentes.
É paradoxal que a conquista da
anistia tenha sido igualmente a última grande vitória da esquerda.
Paradoxal porque os anistiados
politicamente importantes eram
de esquerda. Se puderam voltar à
atividade política, o lógico seria
que seus partidos/movimentos/idéias ficassem mais fortes.
Não ficaram. O último momento de união dos diferentes grupos
à esquerda do centro foi a campanha pelas Diretas-Já, vitoriosa nas
ruas, mas derrotada no Congresso. Dessa derrota nasceu uma segunda derrota da esquerda, que
foi a eleição indireta de Tancredo
Neves/José Sarney, em 1985.
Depois, foi uma derrota após a
outra: a direita, com Collor, derrotou Lula e o anistiado Brizola
em 1989. A direita cooptou Fernando Henrique Cardoso, em
1994, para que ele vencesse Lula,
situação que se repetiria em 1998.
Até a revanche de Lula, em
2002, uma vitória da esquerda, foi
desvirtuada pelas políticas conservadoras do governo do PT, que
adotou o "modelo herdado" do
antecessor, como escreveu para
esta Folha no mês passado um
dos principais ideólogos do petismo, o ministro Tarso Genro.
Texto Anterior: 1979-2004 - 25 anos de anistia: Uma obra inacabada Próximo Texto: Ex-preso passeia em memórias na Deops Índice
|