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POLÍTICA E DESBUNDE
Abertura inflamou debate sobre arte engajada e pôs a expressão "patrulha ideológica" em circuito
Cultura da época destampou panela de pressão
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
A anistia foi conquistada ao
som de "O Bêbado e a Equilibrista" (João Bosco/Aldir Blanc),
embalada por "Não Chore
Mais" (versão de Gilberto Gil para o sucesso de Bob Marley) e
festejada com "Tô Voltando"
(Maurício Tapajós/Paulo César
Pinheiro). A trilha sonora marcou o momento que a ensaísta
Heloísa Buarque de Hollanda
define como "parênteses comemorativo" na cultura brasileira.
"Houve uma onda gigante de
euforia. Tudo era muito celebrado, ritualizado. Era apaixonante
falar de coisas que tinham ficado
dentro de uma panela de pressão", diz. Organizadora da coletânea "26 Poetas Hoje", súmula
lançada em 1976 da poesia marginal, e biógrafa do Asdrúbal
Trouxe o Trombone, grupo de
teatro dos anos 70, Heloísa diz
que o estouro da panela de pressão tirou, temporariamente, o
foco dos movimentos, alternativos à esquerda tradicional.
O grande sucesso teatral de 79
foi "Rasga Coração", de Oduvaldo Vianna Filho (1936-74), o
Vianinha, ex-Partidão, censurada por cinco anos. "Foi um grito
de liberdade, renascimento da
esperança. A partir daí, imaginamos que as gavetas dos autores
se abririam cheias. Mas não se
abriu nada, e a dramaturgia brasileira não se fortaleceu", lamenta José Renato, diretor da peça.
As discussões em torno da necessidade de a arte ter ou não
compromissos políticos reacenderia após a celebração da Anistia. Em 78, ela já aparecera com a
criação, por Cacá Diegues, da expressão "patrulha ideológica". O
cineasta condenava os que defendiam uma cultura obrigatoriamente engajada.
Tinha como aliado o poeta
Ferreira Gullar, que voltara ao
Brasil em 77, antes da anistia,
por não suportar mais o exílio na
Argentina. "Depois da abertura,
quem passou anos e anos fazendo arte política sentiu necessidade de expressar outras coisas,
dar amplitude maior para suas
temáticas", diz Gullar. "E houve
reação de alguns sectários, os
mesmos caras que eram a favor
da luta armada, de tocar fogo em
teatros. O pessoal do "quem sabe
faz a hora", que é uma grande
besteira. Se fosse só por vontade,
o mundo já estava mudado."
Abordando num artigo de 82
os primeiros anos pós-anistia,
Heloísa destacava dois grupos:
os "retornados" e os "sufocados". O primeiro, com Fernando
Gabeira e outros, trazia novidades comportamentais, discussões ecológicas etc. Já o segundo,
formado em especial por ex-presos políticos, queria retomar os
temas cortados pela ditadura.
O diretor de teatro José Celso
Martinez Corrêa foi um "retornado" que se sentiu "sufocado".
Estava "entusiasmadérrimo"
com o que tinha vivido em Portugal e em Moçambique e diz ter
visto aqui uma "cultura linha
[Luís Carlos] Prestes importada
do realismo socialista".
"Não me conformei com
aquele palco italiano, o palquinho de colégio de freira, do palanque, do púlpito. Tomei o partido de um teatro popular, com
nordestinos, negros, jovens malucos. A classe média fugiu apavorada, é claro. Fui trabalhar nos
subterrâneos e lutei 13 anos para
reabrir o Oficina, para provar
que o teatro tem poder. Não me
arrependo de nada", diz.
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