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NO PLANALTO
Sob FHC, Brasília tornou-se o céu da filantropia católica
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A PUC-MG conheceu, na semana passada, o seu reino dos céus. Fica em Brasília, no
edifício anexo do Ministério da Previdência, sala de reuniões do
CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social).
A universidade fora conduzida ao purgatório por auditores do
INSS. Acusaram-na de pecado filantrópico capital: desapreço
pela clientela pobre.
Na terça-feira, os conselheiros
do CNAS se reuniram. Na pauta,
o juízo final da PUC-MG. Perdendo o certificado filantrópico,
desceria às profundezas. Mantendo-o, continuaria frequentando o maravilhoso mundo da
isenção tributária.
O caso fora instruído por João
Donadon, homem da Previdência no CNAS. Gilson de Assis
Dayrell, representante do Ministério do Trabalho, pediu vista do
processo. Apresentaria o seu voto.
Súbito, Dayrell investiu contra
Donadon. Em vez de postar-se
do lado do erário que lhe paga os
proventos, converteu-se em advogado da PUC-MG. Deu-se o
impensável: o governo abriu fogo contra o governo.
Como que pressentindo o inusitado da cena, Donadon ausentou-se da reunião. Renunciara
dias antes à cadeira no CNAS. O
posicionamento de Dayrell era
previsível. É notória a sua benevolência com instituições geridas
pela batina. Na origem da encrenca está uma decisão dele.
Reza a legislação que, para fazer jus à isenção de impostos, as
filantrópicas têm de aplicar no
mínimo 20% de suas receitas em
assistência social. Conforme noticiado aqui, os balanços da
PUC-MG (anos de 94, 95 e 96)
traziam entre 4,5% e 7,6% de inversões em benemerência. Por isso a escola foi ao cadafalso.
Em 99, porém, época em que
presidia o CNAS, Dayrell deu à
universidade a chance de refazer
as contas. Não adiantou. Novos
números enviados a Brasília espelhavam percentuais filantrópicos de 14% a 17%, ainda abaixo do piso de 20%.
Em vez de julgar, o CNAS enviou novo ofício à PUC-MG. Assinou-o a freira Maria Tereza
Diniz, que representava no conselho a sacrossanta CNBB. A correspondência continha uma curiosa ordem: "Refaçam os balanços".
Republicaram-se os balanços.
E os investimentos filantrópicos
passaram a oscilar, como que
por milagre, entre 20,12% e
26,5%. Donadon achou que os
novos números não mereciam
crédito. Dayrell deu-se por satisfeito. Eximiu a escola de apresentar documentos comprobatórios. Aceitou de bom grado a alegação de que seria impossível copiar e transportar "36 caixas de
arquivo, com 720 kg ao todo".
Para Dayrell, é incabível duvidar das atividades benemerentes
da escola. "O CNAS não pode
imaginar que esses trabalhos
não tenham sido realizados ou,
partindo de uma entidade como
essa, presidida por um cardeal
da Igreja Católica, que tenham
sido inventados para comprovar
gratuidades."
O diabo é que a fogueira da
suspeição arde sob os pés do próprio cardeal endeusado pelo crédulo Dayrell. A universidade
aplicou verbas filantrópicas na
compra de um apartamento cedido a dom Serafim Fernandes
de Araújo, arcebispo de Belo Horizonte e presidente da PUC-MG.
Fica no número 1.032 da rua
Antônio de Albuquerque. Tem
333,5 m2. Custou, conforme a escritura, R$ 250 mil. Nele morava
Maria Josefina de Araújo Macedo, irmã de dom Serafim. Serviria de morada ao próprio arcebispo, quando se aposentasse.
Verbas da escola financiam, de
resto, despesas da Mitra Diocesana de Belo Horizonte, de uma
emissora da igreja, a Rádio City
Ltda., e de outras entidades católicas.
A PUC-MG argumenta que, ao
republicar balanços, não lhes alterou o resultado final. Só explicitou as aplicações filantrópicas.
Quanto ao apartamento, já teria
sido vendido. O favorecimento à
Mitra e à rádio estariam dentro
dos objetivos estatutários da
universidade.
Confrontado com o caso, um
contribuinte, digamos, umbandista, em dia com o fisco, decerto
há de dizer: "Amém".
Levado a voto, o parecer de
Dayrell foi aprovado. O trabalho
dos fiscais foi ao lixo. O INSS deve recorrer ao ministro da Previdência, único com poderes para
reverter a decisão.
Empossado em abril, o ministro José Cechin arregaçou as
mangas. Incomodado com informações veiculadas aqui, nomeou um grupo de correição.
Vasculharam-se arquivos do
CNAS.
Descobriu-se, por exemplo, que
outra PUC, a de São Paulo, aplicou em filantropia, entre 94 e 96,
entre 4,24% e 4,7% de seu faturamento. Um acinte. A escola receberá notificação do CNAS nos
próximos dias. Ou se explica, ou
pode perder o certificado filantrópico.
Ouvida pelo repórter, a PUC-SP diz que provará a correção de
suas contas. Há de contar com a
sempre diligente ajuda de Gilson
Dayrell.
A decisão tomada no caso da
PUC-MG deixou claro que, entre
as regras que regem o funcionamento do CNAS, uma se sobressai: não há regras. O céu filantrópico é bem diferente do mundo real, em que padres são investigados até por abuso sexual.
No CNAS de Dayrell, a Igreja
Católica é uma potência moral
que só deve contas à sua própria
e indiscutível noção de superioridade divina. Resta ao contribuinte desassistido um único caminho: que se queixe ao bispo.
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