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FOLCLORE POLÍTICO/FERNANDO MORAIS
Sobre jingles políticos
Quem critica o marqueteiro Nizan Guanaes por ter-se apropriado da música da cerveja Bavária para
tentar tirar do buraco a candidatura
de José Serra talvez não saiba que essa
é uma prática tão antiga entre nós
quanto o próprio jingle político. A primeira peça do gênero apareceu na
campanha de 1914. O presidente da
República era o marechal Hermes da
Fonseca, conhecido popularmente como "seu Dudu" e cercado pela fama
de ser um homem agourento. Às vésperas das eleições, o Rio foi tomado
pela marchinha "Ai Filomena" (composta por Carvalho de Bulhões sobre a
melodia italiana "Viva Garibaldi"),
cujo estribilho passaria a ser repetido
por todo o país: "Ai Filomena, se eu
fosse como tu/Tirava a urucubaca da
careca do Dudu". O jingle virou sucesso no Carnaval, mas revelou-se um
fracasso nas urnas: o eleito acabou
sendo o candidato oficial, Wenceslau
Braz, com quase 90% dos votos.
Ao contrário de promover políticos,
como acontece hoje, o objetivo da
maioria dos jingles daquela época era
destruir reputações. O presidente Artur Bernardes, por exemplo, não hesitava em mandar para a cadeia quem
ousasse ironizá-lo com quadrinhas
musicais, como aconteceu com o escritor mineiro Djalma Andrade, autor do jingle que fazia insinuações sobre a sexualidade do presidente:
"Quando à cova ele desceu/Inteiramente despido/Disse um verme para
outro verme:/Não como, já foi comido".
O jingle político só chegaria aos ouvidos das multidões, no entanto, depois do surgimento do rádio no Brasil,
em 1922. De Washington Luiz ("Ele é
paulista?/É sim senhor/Falsificado?/É
sim senhor") a João Goulart ("Na hora de votar em vou jangar/É Jango, é
Jango/ É o Jango Goulart"), nenhum
político importante deixou de recorrer ao jingle para tentar se eleger.
Quando disputava uma cadeira no
Senado, em 1978, FHC ganhou de
Chico Buarque uma marchinha composta sobre a música "Acorda Maria
Bonita": "A gente não quer mais cacique/A gente não quer mais feitor/ A
gente agora tá no pique/Fernando
Henrique pra senador". O "cacique" e
o "feitor" eram alfinetadas disparadas contra Franco Montoro, dirigente
do MDB e também candidato ao Senado. Com a proximidade da derrota
de FHC, os montoristas refizeram
com fino humor a letra do jingle: "A
gente não tem mais cacife/ A gente
não tem mais mentor/A gente agora
foi a pique/Fernando Henrique é só
professor".
Nada disso, contudo, se compara à
malícia poliglota dos emedebistas da
cidade gaúcha de Estrela. Na campanha eleitoral de 1976, MDB e Arena se
engalfinhavam atrás dos votos do
eleitorado. Temerosos da ação da polícia (e confiantes nas raízes germânicas da maioria da população local),
os militantes do partido de oposição
na cidade terminavam seus comícios
cantando um jingle de rima rica... em
alemão: "Ein, zwei, drei/Arena is
schweinerei!". Em bom português,
"Um, dois, três/A Arena é uma porcaria".
Fernando Morais, 56, jornalista e escritor, escreve aos domingos nesta coluna
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