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TRANSIÇÃO
Futuro ministro da Fazenda diz que, se cenário externo ajudar, novo governo atingirá nesse prazo seu modelo econômico
Palocci admite 2 anos sob herança de Malan
MARTA SALOMON
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Se o cenário externo ajudar, a
transição para o novo modelo
econômico prometido na campanha eleitoral pelo PT pode demorar menos de dois anos, prevê Antonio Palocci Filho, 42 anos, futuro ministro da Fazenda.
A perspectiva de ter parte do
mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva consumida por essa transição não deve estimular o debate
da reeleição do presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva, diz Palocci, que já defendeu a reeleição
mesmo quando o PT era contra.
Na semana em que o partido
deu sinais de continuidade da
atual política econômica, com a
manutenção dos diretores do
Banco Central, o futuro ministro
reiterou que fará o aperto fiscal
que for necessário para conter a
dívida pública. E que os juros, aumentados para 25% na última
reunião do Copom, só vão cair
quando a inflação estiver sob controle, entre outros quesitos.
Foco total contra a indexação de
salários e preços, recomenda ele
contra a inflação que, avalia, dificilmente ficará abaixo de 6,5% em
2003.
E onde foram parar as críticas
petistas à política econômica do
governo? Segundo Palocci, é
"aparente" a ambiguidade do PT.
Às vésperas de concluir o relatório da transição que coordenou, o
futuro ministro aponta a falta de
planejamento estratégico como a
pior herança da era tucana.
"O sistema de metas de inflação
é um sistema macroeconômico
útil para o equilíbrio econômico,
não é o sistema que possa presidir
um projeto nacional. Esse foi o erro fundamental do atual governo." Leia a seguir a entrevista
concedida na última quarta-feira:
Folha - O sr. escreveu anos atrás
que um governo progressista tem
de mostrar a que veio logo nos primeiros dias de mandato. Na campanha, o PT prometia mudar o modelo econômico. Diante dos sinais
de continuidade já dados, essa mudança fica para quando?
Antonio Palocci Filho - O governo do presidente Lula não precisa
adiar a estruturação de um projeto de mudança, um modelo de
desenvolvimento socialmente
sustentável e economicamente
seguro. É difícil atingir taxas de
crescimento grandes no primeiro
ano porque vamos trabalhar no
plano da macroeconomia com
uma restrição muito grande: Orçamento restrito, política monetária voltada para o combate à inflação e o câmbio melhorando,
mas ainda alto. Mas algumas coisas podem começar a ser feitas.
Folha - E qual seria o prazo para
fazer a transição, uns dois anos?
Palocci - É difícil programar o
período que uma transição como
essa vai durar. Tenho muito otimismo que os componentes internos vão caminhar positivamente. No plano externo, o cenário ainda é nebuloso. Se tudo correr bem fora do país, eu acho que
esse período não será muito longo, não acho que seja de dois
anos, pode ser menos. O que não
significa que depois de dois anos
você não vai ter mais superávit
primário, responsabilidade fiscal,
essas coisas são permanentes na
política econômica. O que nós
queremos conseguir é que uma
economia com crescimento e sustentabilidade seja um fator de
equilíbrio maior do que os instrumentos hoje utilizados. Eles devem ser preservados, mas passam
a ser relativos.
Folha - Com a taxa de juros em
25% ao ano, adeus às chances num
curto prazo. Essa taxa demora a
cair?
Palocci - Tem gente que imagina
assim: você pode começar uma
política de crescimento derrubando juros. Isso não deve ser feito. Temos como meta reduzir os
juros, não como ponto de partida.
A queda dos juros depende de um
conjunto de sinais que demonstrem que a situação macroeconômica se torna mais sustentável, ou
seja: a redução da relação dívida/
PIB, a queda da inflação, condições favoráveis de crescimento,
balança comercial positiva, volta
do crédito. Não pode é perder a
oportunidade de reduzir juros,
como o atual governo.
Folha - E, enquanto durar essa
transição, não pode ficar a sensação de que o governo Lula está fazendo apenas "mais do mesmo" do
que o governo FHC fez?
Palocci - Por dois motivos, eu
acredito que não. Primeiro, porque vamos procurar uma política
econômica investindo em qualidade. A política fiscal atual tem
problemas: há impostos de má
qualidade e despesas de má qualidade. Os projetos de renda atuais
são totalmente pulverizados. Você pode melhorar transformando
esse conjunto de projetos num
projeto único de renda. O segundo aspecto: o conjunto de projetos previstos no programa de governo Lula pode não se realizar
no primeiro ano, mas podem ser
estruturados e iniciados no primeiro ano. Quando o presidente
fala "vou começar um combate
sistemático à fome", já é uma
grande diferença do projeto atual.
E isso deve presidir um conjunto
de medidas sociais, que vão ser
feitas no ritmo que a situação permitir.
Folha - O PT às vezes elogia, ora
critica. O sr. acha que a política
econômica do governo Fernando
Henrique arruinou ou não o país?
Palocci - Eu não diria que a política econômica arruinou o país.
Acho que houve um erro de planejamento estratégico. No primeiro mandato, o governo confiou exclusivamente na âncora
cambial, adiou até que o mercado
obrigou o governo a ceder. É evidente que custou muito caro, foi
um episódio muito ruinoso, levou ao empobrecimento do país.
No segundo mandato, se confiou simplesmente na âncora fiscal. O Brasil precisa ter uma séria
política monetária e fiscal, mas
elas não podem presidir o país. Isso se traduz na fato de que hoje se
debate o presidente do Banco
Central no mesmo nível em que
se debate o presidente da República. O sistema de metas de inflação é um sistema macroeconômico útil para o equilíbrio econômico, não é o sistema que possa presidir um projeto nacional.
Esse foi o erro fundamental do
atual governo. Isso não quer dizer
que a condução desses instrumentos foi incompetente. E há só
uma aparente ambiguidade nas
nossas opiniões: somos bastante
críticos ao projeto de país que se
fez. Mas, se você analisar o trabalho feito na área de política monetária, sobre lei de responsabilidade fiscal, são coisas positivas. Vários pontos da tática foram feitos
com dedicação, correção e competência, mas a estratégia de país
estava errada, não a estratégia
macroeconômica.
Folha - O sr. diz que foi dado poder excessivo à âncora cambial, depois poder exagerado às âncoras
monetária e fiscal. O sr. nem falou
da âncora salarial, que também segurou a inflação. Qual será a nova
âncora do real?
Palocci - Qual é a nossa âncora?
Nós estamos construindo um
processo que faça com que o crescimento sustentável do ponto de
vista econômico e social seja a
principal âncora na estabilidade
do país. Temos de inverter a mão
do processo, fazer com que o
crescimento sustentável gere estabilidade, mais do que os instrumentos macroeconômicos. E as
coisas podem acontecer de forma
concomitante.
É falsa a idéia de que com rigidez fiscal você não investe no social. Das prefeituras do PT, 76%
fizeram superávit em 2001, mais
do que a média, e também fizeram 10% a mais de investimentos
sociais do que a média.
Folha - Mas houve um aperto fiscal mais forte. Se o país tiver de
produzir superávits da ordem de
4%, 5% do PIB em 2003, não vai sobrar nada.
Palocci - Você pode ter perda na
capacidade de investimento social, isso é real. Nós queremos crer
que estamos com uma meta razoável. Nos termos do contrato
com o FMI, não nos parece necessário. O que eu disse aos investidores em Nova York é o que eu
digo aqui: nós estamos dispostos
a fazer o superávit necessário.
Qual é a medida para nós de superávit necessário? Não é o acordo
com o FMI. É a medida do que vai
acontecer com a nossa dívida. Se a
gente perceber que a nossa dívida
tem chance de crescer muito, passa a ser preciso um superávit
maior. Vamos ver, vamos acompanhar.
Folha - E a meta de inflação? A última ata do Copom já diz que a inflação dificilmente ficará dentro do
limite de 2003, de 6,5%. Qual seria
a meta razoável?
Palocci - Vamos fazer tudo para
cumprir a meta, mas abaixo de
6,5% é difícil. Como houve uma
bolha inflacionária por conta do
choque cambial, você tende a tolerar uma inflação mais alta, porque ela tende a ser passageira.
Nossa intenção é não mexer na
meta. O foco é total no impedimento à indexação.
Folha - Mas há vários contratos
indexados. O PT vai mexer nisso?
Palocci - Nós estudamos essas
questões. Há um compromisso
sólido de garantia de contratos. O
que você pode é, respeitando interesses, negociar.
Folha - Isso pode ser feito?
Palocci - Eventualmente, não vejo necessidade. Acho melhor que
a gente crie condições evidentes
de consistência econômica. A medida nossa para combater a inflação é apresentar um projeto consistente de política fiscal, monetária e cambial. Queremos transformar o programa de governo num
programa de ação.
Folha - E em que ele será diferente do programa da campanha?
Palocci - Não é diferente, nós
queremos detalhar. Não acho que
o país tenha de ficar lendo na cabeça das autoridades o que eles
querem, isso precisa ser dito com
clareza.
Folha - O ministro Pedro Malan
previu crescimento de 2,5% em
2003. O sr. trabalha com que taxa?
Palocci - Essa é uma das questões que nós queremos apresentar nesse programa.
Folha - Qual é o número? O sr. é
mais ou menos otimista que o Malan?
Palocci - É muito cedo para dar
um número. Eu sou mais otimista.
Folha - Para a justiça do folclore
político: é verdade que o sr. disse
ao presidente Fernando Henrique
Cardoso que estava à direita do
Malan?
Palocci - Foi uma brincadeira
num jantar. Não lembro os detalhes, mas foi uma brincadeira em
que ele disse que eu estava sendo
muito duro na questão econômica. Não me lembro quem disse.
Folha - O sr. está à direita ou à esquerda do Malan?
Palocci - Nem à direita nem à esquerda, nós somos diferentes.
Acho que temos políticas diferentes. A capacidade de planejamento estratégico do Brasil teve um
apagão maior do que na energia.
E ninguém fala nada. Agora, sobre o ministro Malan trabalhar
corretamente, com dedicação, eu
lhe digo: ele é uma das pessoas
mais sérias que eu conheço no
atual governo.
Folha - Daria para fazer essa mudança toda que o PT propõe em
quatro anos ou o sr. defende a reeleição do presidente Lula?
Palocci - Acho que é possível
sim. Ter um novo desenho de país
é difícil, mas estar claramente caminhando em outra direção, de
política de crescimento com equilíbrio econômico é possível. Já até
defendi no passado a reeleição,
não nego isso. Até quando o PT
era contra, eu fui a favor. Mas as
experiências de reeleição não são
tão convincentes, eu não tenho
uma posição definitiva. O Lula
não deve pensar nisso agora.
Acho melhor fazer quatro bons
anos do que pensar já numa reeleição. Se você faz quatro anos
bem feitos, você consegue que haja continuidade do projeto, até
com pessoas diferentes.
Folha - O sr. já está fechando os
relatórios da transição. Qual foi a
pior herança de Fernando Henrique Cardoso?
Palocci - Eu acho que é o planejamento estratégico do país, que
foi bastante comprometido. O
principal problema da privatização foi a indefinição do papel do
Estado nesse processo. O país não
vai vencer os desafios se ficar focado em duas ou três âncoras.
Folha - O sr. tem dificuldade de
montar equipe, faltam quadros no
PT?
Palocci - Você tem de considerar
quadros de mercado, de Estado,
quadros partidários. Ninguém recusou por causa de salário, mas
isso é um problema. Você tem de
procurar pessoas que às vezes
têm um vencimento cinco vezes
maior e convencê-las de vestir a
bandeira do Brasil.
Folha - Depois da PUC do Rio dar
origem aos pais do real, qual será a
escola predominante no governo
Lula?
Palocci - Eu quero que não tenha
uma dominância. Não estou
usando filtro ideológico, estou
procurando pessoas comprometidas com o projeto de país.
O governo tem de ter uma riqueza de pensamento, não acho
que uma equipe tenha de estar
voltada para uma escola de pensamento econômico. Ela deve
mesclar escolas.
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