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PROGRAMA EM XEQUE
Cartão-Alimentação do PT não exige contrapartidas, como frequência à escola, para recebimento do benefício
Lula estuda submeter toda política social ao modelo do Fome Zero
MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Criticado pelo tom assistencialista de seus primeiros passos, o
Fome Zero caminha para ser o
"guarda-chuva" da área social do
governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Os programas de transferência de
renda herdados do governo Fernando Henrique Cardoso, se sobreviverem, terão o status de
apêndice. Prevaleceriam os benefícios vinculados à compra de alimentos. Até 2006, o Fome Zero
deverá atingir 9,5 milhões de famílias pobres no país.
A meta acima consta de documento preparado para debate na
reunião extraordinária do Consea
(Conselho Nacional de Segurança
Alimentar), na próxima terça-feira. Dá uma indicação do futuro da
política social de Lula -um assunto sobre o qual os ministros da
área se sentem pouco à vontade
para falar. Trata-se de um modelo
ainda em construção, cuja montagem envolve uma velada disputa de poder.
A meta mencionada no documento se refere a pessoas em situação de "insegurança alimentar", o mais novo sinônimo de fome. Atualmente, ninguém sabe
quantos são exatamente os beneficiários de programas sociais
porque alguns se sobrepõem.
O valor do benefício indicado
no documento, de R$ 50, é o mesmo pago atualmente pelo Cartão-Alimentação a mil famílias do
projeto-piloto do Fome Zero nos
municípios de Guaribas e Acauã
(PI). A partir de maio, mais 179
municípios deverão entrar no
programa. Por ora, a meta oficial
é atingir mil municípios do semi-árido até o fim do ano.
Parte desses municípios, cujos
nomes não foram divulgados,
coincidirá com aqueles atendidos
até aqui pelo Bolsa-Renda, criado
na gestão FHC e cujo pagamento
será suspenso em abril diante de
previsões de chuvas colhidas pelo
governo federal.
O programa repassa R$ 30 por
mês a famílias pobres em municípios declarados em situação de
emergência por causa da seca. A
mesma clientela deverá receber
R$ 50 mensais, mas terá de esperar um tempo por isso.
O Bolsa-Renda não é o único
programa social da era FHC que
está na mira da equipe de Lula. A
Câmara de Política Social avalia a
conveniência de manter o pagamento do Vale-Gás, de R$ 15 por
bimestre -o único benefício pago a uma parcela das famílias pobres do país.
O Ministério de Minas e Energia, que é o responsável pelo programa, resiste à extinção com o
argumento de que o benefício
substituiu o subsídio ao gás. Os
candidatos mais firmes à sobrevivência são o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação.
Coube ao próprio ministro José
Graziano (Segurança Alimentar e
Combate à Fome) comandar as
negociações para começar a integrar os programas sociais do governo, atualmente dispersos por
seis ministérios. Sinal de que as
pressões para demitir o formulador do Fome Zero não tiveram
efeito com o chefe Lula.
Novo foco
A proposta de integração dos
programas leva em conta que, no
futuro, eles não deverão mais estar voltados para clientelas específicas, como crianças em idade escolar ou gestantes dos programas
Bolsa-Escola e Bolsa Alimentação, respectivamente.
A intenção do governo é transferir o foco dos indivíduos para as
famílias pobres e envolvê-las
-não compulsoriamente- em
programas paralelos de educação,
saúde, formação profissional e
prestação de serviços comunitários, a serem oferecidos mediante
parcerias com a sociedade.
A equipe de Lula lamenta casos
em que famílias com filhos em
idade escolar recebem recursos
da União e uma família vizinha
-igualmente pobre, mas sem filho- não recebe, ainda que todas
as famílias pobres cadastradas tenham direito ao Vale-Gás.
Com a transferência do foco dos
programas para as famílias, serão
revistas também as contrapartidas impostas hoje como forma de
combater a exclusão social.
O Cartão-Alimentação criado
pelo governo Lula não exige contrapartidas, como a comprovação
de frequência às aulas no Bolsa-Escola para famílias que tenham
crianças entre 6 e 15 anos. Os critérios para desligamento das famílias do Fome Zero dependem
dos comitês locais.
A orientação do governo federal
é que as famílias passem por uma
avaliação a cada seis meses. O comitê decide então se o benefício
deve ou não ser mantido. Em
princípio, o pagamento dos R$ 50
mensais é feito por tempo indeterminado.
Em Guaribas e Acauã, cidades
da experiência piloto do Fome Zero, por exemplo, estima-se que
metade das famílias atendidas tenha jovens e adultos analfabetos.
O comitê local estimula que eles
frequentem cursos de alfabetização, mas não suspende o pagamento de quem não faz isso. "Não
existe camisa-de-força", diz Rosângela Sousa, coordenadora do
Fome Zero no Piauí.
No que até aqui se apresenta como a principal medida de combate à pobreza do Fome Zero, o ministro Cristovam Buarque (Educação) prepara um programa para alfabetizar 3 milhões de jovens
e adultos até o fim do ano. A meta
até o final do mandato de Lula é
alfabetizar 20 milhões. Os já alfabetizados receberiam estímulos
para continuar estudando.
A idéia de Buarque é conceder
um benefício extra para professores e alunos envolvidos na Alfabetização Zero.
Fome versus pobreza
Hesitante entre o assistencialismo e o combate estrutural à pobreza, o governo optou claramente pelo primeiro caminho ao
anunciar a distribuição de cestas
básicas a sem-terra acampados.
No final de 2000, o governo FHC
decretou o fim das cestas básicas
e, dali para a frente, optou por
programas de transferência de
renda às populações. Famílias
acampadas acabaram excluídas;
agora são alvo do Fome Zero com
as velhas cestas.
Pressionado por invasões de
terras e de prédios públicos promovidas por sem-terra, o governo
alega que se trata de uma medida
emergencial. Serão gastos entre
R$ 6 milhões e R$ 7 milhões na
compra de alimentos para mais
de 60 mil famílias pelo período de
três meses.
Mas o governo Lula insiste que
o Fome Zero não é assistencialista. Entre as "políticas estruturais"
de combate à fome e segurança
alimentar, o site do programa
menciona as seguintes: aumento
do salário mínimo e do crédito
para investimentos nas pequenas
empresas, requalificação profissional para pessoas acima de 40
anos e até o combate à entrada de
alimentos transgênicos no país
-no mesmo momento em que o
governo estuda a liberação da
venda no mercado interno de soja
geneticamente modificada, plantada principalmente no Estado do
Rio Grande do Sul.
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