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NO PLANALTO
Prejuízo anual de R$ 15 bilhões ronda o erário
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O brasileiro já se habituou a conviver com o flagelo das leis que, como vacinas
mal aplicadas, não pegam. Nascem mortas. Aqui se revelará história diferente. O caso de uma lei
que, tendo morrido há duas décadas, continua cheia de vida.
O velório deveria ter ocorrido
em 83. Mas vem sendo procrastinado pelo Judiciário. Insepulto, o
cadáver legal assedia cotidianamente os cofres de Brasília. Tem
potencial para produzir estrago
bilionário. Coisa de US$ 5 bilhões
por ano. Mais de R$ 15 bilhões,
em moeda tapuia.
Estamos falando da lei 491. É de
5 de março de 69. Nasceu de um
decreto-lei, como era chamado o
avô fardado das atuais medidas
provisórias. O texto criou um estímulo financeiro às empresas exportadoras. Chama-se crédito-prêmio de IPI.
O benefício é calculado aplicando-se um percentual (no máximo
15%) sobre o valor das exportações. Para cada US$ 100 em mercadorias vendidas no exterior, o
exportador belisca um mimo de
US$ 15 do governo.
Na década de 70, os exportadores brasileiros foram acusados de
concorrência desleal. Países como
os EUA enxergaram no prêmio
oficial um subsídio disfarçado.
O Brasil foi denunciado no Gatt
(Acordo Geral de Tarifas e Comércio). É uma espécie de antepassado da OMC (Organização
Mundial do Comércio).
Para evitar retaliações, Brasília
baixou, em 79, outro decreto-lei
(1.658). Marcou para 30 de junho
de 83 a morte do crédito-prêmio
do IPI.
A concorrência estrangeira não
se deu por achada. Os EUA sobretaxaram produtos como calçados
e fios de algodão do Brasil. Premido, o governo baixou, em 79 e 81,
novos decretos-leis (1.724 e 1.894).
Em essência, delegaram poderes
ao ministro da Fazenda para baixar ou elevar o valor do prêmio à
exportação. Afeiçoados à vitamina monetária, os exportadores foram à Justiça. O tema subiu ao
STF.
Em novembro de 2001, o Supremo decidiu que era inconstitucional a delegação atribuída ao titular da pasta da Fazenda. Os ministros do STF silenciaram sobre
o agendamento do velório do crédito prêmio do IPI.
Manteve-se a data do enterro:
30 de junho de 83. Os exportadores, porém, lançaram mão de
uma esperteza. Difundiram a tese
de que o silêncio do Supremo teria perenizado o prêmio. Brasília
não engoliu a astúcia.
Aferrada à letra da lei, a Receita
Federal deixou de reconhecer o
prêmio aos exportadores desde
83. Instalou-se a confusão jurídica. A Justiça recebeu uma enxurrada de ações.
Reivindicam o pagamento do
prêmio defunto. As demandas fazem a festa de bancas de advocacia tributária. Só em Alagoas, o
governo amargou derrotas que
ultrapassam a casa dos R$ 750
milhões. Num único caso que teve
origem em São Paulo, o fisco levou tombo de R$ 900 milhões.
Noutra causa, que tramitou em
Brasília, perdeu R$ 1 bilhão.
Responsável pela defesa do erário, a Procuradoria da Fazenda
Nacional dormiu no ponto. Ao
acordar, deu pela existência de
um milionário mercado paralelo
de prêmios de exportação.
Negociam-se créditos obtidos
na Justiça com deságio de até
70%. Comprado a preço de banana por devedores contumazes do
fisco, o papelório é usado para
abater dívidas tributárias.
Algumas das sentenças desfavoráveis ao governo foram revertidas em tribunais regionais, sediados nos Estados. Mas vêm sendo
sistematicamente revitalizadas
no STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O procurador fazendário Francisco Tadeu Barbosa de Alencar
acompanha há anos a sangria silenciosa imposta às arcas do Tesouro. Trabalhava em Recife. Sob
Lula, foi transferido para Brasília. Ocupa o cargo de procurador-geral-adjunto da Fazenda Nacional.
Há 15 dias, Tadeu Alencar enviou ao STJ um memorial de 26
páginas. Em esforço quase solitário, tenta convencer o tribunal a
estancar a seqüência de decisões
em prol dos exportadores. Decisões que, mantidas, virarão jurisprudência (interpretação judicial
reiterada).
Tadeu Alencar aproveita-se do
julgamento de uma causa movida pela empresa gaúcha Icotron
S.A. Exporta componentes eletrônicos.
Em seu memorial, o procurador
avisa aos juízes do STJ que, reconhecido o direito ao prêmio à exportação, "os cofres públicos haverão de suportar um prejuízo estimado em US$ 5 bilhões por
ano". Em 2002, anotou, as exportações brasileiras somaram US$
50 bilhões.
Submetida a uma das turmas
do STJ, a análise do caso Icotron
foi interrompida no instante em
que dois juízes votaram contra as
pretensões da empresa. Um terceiro juiz pediu vista do processo,
adiando o veredicto.
O julgamento deve ser retomado nesta semana. São enormes as
chances de derrota do governo.
Insaciável em seu furor arrecadatório, a Fazenda festejou no
mês passado recorde histórico de
arrecadação de tributos. A coleta
rendeu R$ 27,266 bilhões.
Nunca se havia arrecadado
tanto num mês de abril. Só o IR
das pessoas físicas aumentou
12,08%. Em contraste, a cúpula
da Fazenda exibe notável falta de
apetite para a cobrança de grandes devedores inadimplentes.
Mantém-se alheia a desastres como o do prêmio aos exportadores.
Não é à toa que foi ao lixo o
compromisso do ex-PT de não
aumentar a carga tributária nacional.
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