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NO PLANALTO
Filantrópica compra consultoria financeira em casa de ferragens
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Iva Júnior Ltda. é uma microempresa de Campinas
(SP). Casa de comércio de arames, canos, enxadas, pás, alicates, serrotes e congêneres. Descolou no Sul um cliente inusitado:
Universidade de Passo Fundo
(RS) -faturamento anual de
R$ 100 milhões, uma das 300
maiores filantrópicas do país.
A escola foi ao varejista porque
desejava obter um empréstimo
de US$ 20 milhões no exterior.
Como dinheiro não é coisa que
nasça em meio às ferragens, poder-se-ia imaginar que a universidade gaúcha buscasse em
Campinas, digamos, um pé-de-cabra.
Não se encontrou, porém, pista
que levasse a um plano de investida impetuosa aos cofres da
banca internacional. As notas
fiscais levadas aos arquivos da
filantrópica informam, de resto,
que a entidade comprou da Iva
Júnior Ltda. algo impalpável:
"consultoria técnica financeira".
Entre viagens ao exterior e supostas cauções bancárias, a
transação sorveu dos cofres da
universidade R$ 453.755,59.
Deu-se entre 1998 e 2000. Não
há, por ora, nenhum vestígio do
pretendido empréstimo.
Antônio Mendes Vinagre, sócio da Iva Júnior, reconhece que
sua firma não opera no ramo financeiro. Num primeiro contato, valeu-se de rara franqueza:
"Sei que minha empresa não fica
bem, ninguém fica bem". Pediu
tempo.
Discou horas depois para o repórter. Disse ter conversado com
seus contatos no exterior. Os US$
20 milhões só não vieram porque
a universidade se desinteressou.
O nome do banco? Não pode dizer. "Preciso que me autorizem
por escrito."
A filantrópica de Passo Fundo
serviu-se dos préstimos de outros
personagens pouco afeitos ao
mundo da alta finança. Entre
eles Carlos Roberto Randi, ex-dono de uma escola de artes e
música, e seu parceiro Rubens
Esteves Martins Novaes, ambos
de São Paulo. Foram contratados também para intermediar o
empréstimo de US$ 20 milhões
no exterior.
O novo esforço custou aos cofres da universidade mais R$
512.817,00. Desse total, o desembolso mais polpudo sangrou os
cofres da escola em 8 de maio de
2000: R$ 400.680,00, o equivalente na época a US$ 200 mil.
Serviria como adiantamento da
suposta operação de crédito. Em
caso de insucesso, seria devolvido em 60 dias. Nem veio o empréstimo nem voltou a grana.
Para comprovar a suposta despesa, espetou-se na contabilidade da escola um recibo da empresa americana Investicorp,
Inc, que teria intermediado a
operação desde Miami. Assina-o
Otto Neustadtl. Está datado de
17 de março de 2000.
O repórter foi à internet. Descobriu que a Investicorp, Inc figura nos arquivos do governo da
Flórida como uma firma "inativa" desde 11 de setembro de 1999,
seis meses antes da emissão do
recibo.
Alcançado pelo celular, Carlos
Randi esquivou-se. "Não tenho
nada a ver com isso". Apertado,
atalhou o diálogo: "Você pode
me ligar dentro de 15 minutinhos?" Feita a nova ligação,
uma voz diferente veio ao aparelho.
Identificou-se como Rogério
Souza, "advogado" de Carlos
Randi. Explicou que seu cliente
"apenas apresentou Rubens Novaes ao pessoal da universidade". Algo que não condiz com o
contrato e os lançamentos associados ao nome de Randi na escrituração da Universidade de
Passo Fundo.
Auditoria externa encomendada pela própria filantrópica
apresenta Randi e seu parceiro
Rubens Novaes como donos de
vistosos prontuários. Randi tem
seu nome associado a processos
por estelionato, contrabando e
sonegação fiscal. Novaes, à falsidade ideológica, uso de documento falso e contrabando.
"Cuido das áreas trabalhista e
cível. Os processos criminais são
com outro advogado", disse Rogério Souza. Chama-se João
Carlos Martins Falcato o outro
advogado. Disse que só poderia
tratar do assunto depois de conversar com Carlos Randi. Rubens Novaes não foi localizado.
Pelo lado da Universidade de
Passo Fundo, os entendimentos
para a obtenção de crédito no
exterior foram conduzidos pelo
ex-vice-reitor administrativo
Lourivan Fisch de Figueiredo.
Deixou a escola faz nove meses.
Na quarta-feira, saíra em viagem. Sua secretária ficou de contatá-lo. Não discou de volta.
O vice-reitor Lourivan foi assessorado por José Osmar Teixeira, ainda hoje procurador-geral
da escola. "Não tenho nada a dizer sobre esse assunto", limitou-se a declarar.
Outro personagem, Ilmo Santos, reitor da universidade até o
mês que vem, assinava os cheques junto com o vice-reitor administrativo. Tudo somado, incluindo viagens a Londres, Canadá, Miami, Uruguai e até ao
paraíso de Nassau, gastou-se R$
1,250 milhão. "Esses assuntos
eram conduzidos por ele [Lourivan Figueiredo"", alegou Ilmo.
Segundo disse, é preciso levar em
conta que "serviços foram efetivamente prestados".
Detalhes da aventura financeira aqui narrada constam de relatório de auditoria encomendado pela Fundação Universidade
de Passo Fundo, entidade mantenedora da filantrópica gaúcha.
Seu presidente, Paulo Ference,
diz estar empenhado em recuperar parte do dinheiro gasto.
Segundo Ference, o conselho
da fundação sabia do esforço para obter o empréstimo, mas não
conhecia os detalhes das negociações. Feita a auditoria externa, tomaram-se as providências,
entre elas uma comunicação ao
Ministério Público. Ele classifica
o problema como "pontual".
O CNAS (Conselho Nacional
de Assistência Social) começou a
analisar na última quinta-feira
um pedido de renovação do certificado filantrópico da Universidade de Passo Fundo. O INSS é
contra. Acusa a entidade de não
aplicar 20% de seu faturamento
em benemerência, como determina a legislação que rege as filantrópicas, beneficiadas com
isenção de tributos. A escola contesta. Preferiu, neste caso, recorrer a bons advogados, não a vendedores de ferragens.
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