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Fazenda repete diagnóstico de FHC
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL
O documento preparado pelo
Ministério da Fazenda para discutir o destino dos gastos sociais federais repete o mesmo diagnóstico feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante seu governo (1995-2002).
O estudo, intitulado "Gasto Social do Governo Central: 2001 e
2002", concluiu que o governo federal já gasta muito na área social,
mas que parte do dinheiro acaba
sendo apropriada pelos mais ricos. Para chegar à conclusão, o
documento, assinado pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e pelo secretário de política
econômica, Marcos de Barros Lisboa, compara o gasto social do
Brasil com o de outros países.
Estão no estudo exemplos como
o investimento público nas universidades federais, a desigualdade na Previdência e as deduções
dos gastos com educação e saúde
no Imposto de Renda da Pessoa
Física e da Pessoa Jurídica.
As teses são polêmicas dentro
da administração petista, mas já
circulavam com mais tranquilidade no meio tucano desde o primeiro mandato de FHC. Em discurso para seus ministros em 7 de
maio de 1996, o então presidente
fez o mesmo diagnóstico.
"O gasto social do Brasil, comparado com outros países, é elevado. Não adianta aumentar o
gasto. O gasto social é elevado
porque ele é mal distribuído. As
políticas não são eficientes para
atender às camadas que mais necessitam", disse FHC na ocasião.
A verba destinada às universidades federais é um dos pontos citados como direcionamento do
gasto para os mais ricos. "Cerca
de 46% dos recursos do governo
federal para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que
se encontram entre os 10% mais
ricos da população", diz o estudo.
"Fico pasma de ouvir órgãos governamentais desse governo repetirem um discurso que imaginava já ultrapassado e de forte
viés ideológico. Eu pensei que esse fosse um discurso de ontem, e
não do PT", afirmou a presidente
da Andifes, que representa os reitores federais, Wrana Panizzi.
Para o economista João Saboia,
diretor-geral do Instituto de Economia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, o local adequado para discutir política social não
é no Ministério da Fazenda.
"Nada impede que um secretário do ministério escreva um documento, mas o ideal é que isso
seja discutido nas entidades e nos
órgãos da área. A preocupação de
quem está ligado à Fazenda não é
a política social do país, mas sim
resolver o problema das contas e
do superávit primário", disse.
Para Paulo Elias, professor da
Faculdade de Medicina da USP e
especialista em políticas de saúde,
o documento erra ao ter um enfoque fiscal. "O sistema de saúde
não existe para diminuir custos. E
sim para responder às necessidades. É melhor que seja barato,
mas esse não pode ser o objetivo."
Marcelo Neri, chefe do Centro
de Políticas Sociais da Fundação
Getúlio Vargas, discorda: "É altamente positivo o fato de o Ministério da Fazenda falar da área social com mais convicção. Isso talvez seja uma característica do PT.
O que está no documento é uma
tese que muitos pesquisadores já
defendiam. O Brasil não gasta
pouco na área social. Gasta mal".
Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE no governo FHC,
concorda com as principais teses
do estudo. "O documento levanta
um ponto importante. O recurso
hoje é esse e, comparando com
outros países, não é pouco, mas é
certamente mal distribuído."
Focalização
Saboia critica a confrontação
que se faz entre a focalização (direcionar os gastos públicos para
os mais pobres) e a universalização (garantir acesso a todos): "Algumas políticas têm que ser universais e outras devem ser focalizadas. É preciso ter políticas universais para a previdência, para a
saúde e para a educação, até mesmo para o ensino superior".
O ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de
Barros, segue o mesmo raciocínio. "A população deve cobrar do
Estado a eficiência seja ela na focalização seja na universalização."
No primeiro caso, diz ele, está a
saúde: "É difícil separar quem tem
direito à universalização de quem
não tem". A educação deve ter caráter universal, mas também exigir contrapartida, como a prestação de serviços, dos alunos com
renda mais elevada.
Neri defende a focalização, mas
afirma que o debate não pode se
restringir ao tema: "Não basta fazer com que os recursos realmente cheguem aos mais pobres. O
grande desafio é ter certeza de que
isso será capaz de transformar a
vida de quem recebe o benefício".
O filósofo José Arthur Gianotti é
a favor, por exemplo, da focalização dos gastos com pesquisas.
"Temos de ver onde somos
competitivos e onde não somos.
Não podemos tentar ser grandes
produtores de salmão nem de certos tipos de ciência, onde não temos equipamento nem capital."
Para o deputado petista Roberto Gouveia (SP), da área da saúde,
o ponto positivo do documento é
o questionamento das deduções
do IR. "Elas atingem gastos com a
área privada. Criam segmentação
na sociedade e leva menos recursos para o SUS", disse.
Mendonça de Barros discorda:
"A dedução do IR de gastos com
educação e saúde não é renúncia
fiscal. É quase uma renúncia de
gasto social. Se o sujeito não tiver
possibilidade de pagar o serviço
de saúde privado, ele vai para o
público e o pressiona mais".
Educação
Schwartzman é autor de um estudo que compara o perfil dos
universitários da rede pública
com o dos alunos das instituições
particulares a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) de 2001 do IBGE.
O estudo mostra que o perfil do
estudante da rede privada (renda
média familiar de R$ 3.236) é
mais elitista do que o da pública
(R$ 2.436). Isso não significa, segundo o autor, que a rede pública
não seja elitista.
Para Saboia, da UFRJ, o fato de
os estudantes da rede pública terem perfil elitista não justifica a
cobrança de mensalidade para os
que podem pagar.
Panizzi avalia que o documento
erra ao considerar os recursos da
educação como gasto, não como
investimento.
"Hoje, os aviões são o terceiro
item mais importante de nossa
pauta de exportação. A Petrobras,
que produzia 155 mil barris de petróleo por dia em 1973, produz 1,5
bilhão. Nos últimos dez anos,
nossa produção de grãos cresceu
76%, enquanto a área cultivada
aumentou apenas 22%. Esses
avanços só foram possíveis porque as universidades públicas formaram quadros e investiram em
pesquisa", afirma.
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