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NO PLANALTO
Controle externo na OAB dos outros é refresco
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A OAB é adepta do controle
externo do Judiciário. Defende a submissão da Justiça à fiscalização social com intransigência só superada pela pertinácia
com que advoga a tese de que as
suas próprias contas estão isentas
de qualquer tipo de exame externo.
Todos os conselhos profissionais
em funcionamento no país -de
médicos, odontólogos, arquitetos,
engenheiros, economistas, contadores etc- são obrigados a submeter os respectivos livros contábeis à fiscalização do TCU (Tribunal de Contas da União). Há
uma única e curiosa exceção: a
OAB.
Os conselhos corporativos são
espécies de autarquias. Exercem
atividades públicas. As contribuições que recolhem dos associados
são verbas parafiscais. Têm natureza similar à de um tributo. Daí
a sujeição à auditagem pública.
Na quarta-feira, travou-se no
plenário do TCU um lindo debate. Discutiu-se representação do
Ministério Público. Assinada pelo
procurador Lucas Rocha Furtado, pede a inclusão da OAB no rol
de entidades sujeitas ao crivo dos
auditores do tribunal.
Na platéia, além do repórter,
havia um grupo de advogados.
Entre eles o presidente da OAB,
Rubens Approbato Machado, e
seu antecessor, Reginaldo de Castro. Advogando em causa própria, a OAB deu bom dia à incoerência.
A discussão não é nova. Rasteja
por escaninhos do TCU desde
1999. As páginas do processo expõem intrincada rinha jurídica.
A OAB agarra-se a um veredicto
de 1951. Foi proferido pelo extinto
Tribunal Federal de Recursos. Diz
o seguinte: "A OAB não está obrigada a prestar contas ao TCU;
não recebe tributos nem gira com
dinheiros ou bens públicos".
O Ministério Público alega que
a ordem jurídica da década de 50
foi alterada pela Constituição de
1988. Invoca decisões posteriores
do STF. Uma das sentenças, de
1996, afirma que, contra a Constituição, não há como invocar o
princípio do direito adquirido.
Outra decisão do Supremo, de
1998, anota expressamente que o
conselho federal e as seções estaduais da OAB são "pessoas jurídicas de direito público (autarquias)".
Um terceiro veredicto do STF,
de 2000, afirma que "as contribuições parafiscais arrecadadas
pelas entidades de fiscalização
das profissões liberais têm caráter
público, constituindo tributos".
A OAB argumenta que suas
atribuições extrapolam às dos demais conselhos profissionais.
Além de "fiscalizar a profissão de
advogado", defende "a Constituição, a ordem jurídica do Estado
democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social e a
boa aplicação das leis [...]".
O diabo é que a inegável relevância da atuação da OAB jamais foi posta em dúvida. Discute-se apenas a conveniência de
submissão das contas da entidade
a algum tipo de controle público.
O Congresso também "defende
a Constituição". O STF também
zela pela "ordem jurídica". Nem
por isso escapam à vigilância do
TCU. A fiscalização é capenga. O
time de "juízes" incorpora políticos aposentados, de questionável
capacitação jurídica. Mas é, desgraçadamente, o que se tem.
De resto, para um brasileiro
com dentes cariados, a cadeira de
dentista vale mais do que a retórica de um bom advogado. Em
2000, o Conselho Federal de
Odontologia recorreu ao STF para tentar livrar-se da bisbilhotice
da fiscalização. Fracassou.
No ano passado, só o Conselho
Federal da OAB girou R$ 54,5 milhões. Desse total, R$ 14,5 milhões
foram arrancados compulsoriamente dos associados. Quem não
paga é impedido de exercer a profissão.
O balanço da entidade foi auditado pela MerConsult Auditores e
Consultores Associados Ltda. Há
entre os próprios advogados um
grupo que, sob reserva, cobra
maior transparência.
No embate travado no plenário
do TCU venceu, porém, a causa
pouco republicana da insubmissão da OAB ao controle externo
de contas. Entre os ministros presentes, três votaram contra a
OAB; quatro a favor.
Um dos ministros vencidos,
Walton Alencar Rodrigues, disse:
"Sucessivos presidentes da OAB
não se cansam de apregoar que a
instituição do controle externo da
magistratura não afeta a independência do Poder Judiciário
porque se restringe à atividade
administrativa. Apesar disso, incoerentemente, querem agora fazer crer que o controle administrativo financeiro da OAB bastaria para comprometer-lhe a independência".
O curioso é que, quando lhe
convém, a OAB comporta-se como autarquia pública. Não paga
nenhum tostão de imposto. A lei
que a livra do Fisco (8.909) não
deixa dúvidas quanto à natureza
jurídica da entidade: "A OAB, por
constituir serviço público, goza de
imunidade tributária total [...]".
Ora, uma entidade gerida por
advogados tão ciosos da "boa
aplicação das leis" não deveria temer a simples auditoria pública.
Mas, como se vê, o controle externo na OAB dos outros é refresco.
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