|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DIRETAS-JÁ - 20 ANOS
Em março de 1983, jornal elegeu a volta da democracia plena como prioridade da agenda nacional; o restante da mídia não o acompanhou
Defesa das diretas fixou identidade da Folha
OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Oito meses antes da festa-comício do Pacaembu, quando ainda
eram incipientes na sociedade civil as manifestações de adesão ao
então recente projeto de emenda
constitucional propondo eleições
diretas, a Folha decidiu dar o seu
primeiro passo em direção à campanha que, a seguir, seria indissociável da atuação do jornal.
Foi um passo discreto, mas que
sinalizou claramente o caminho.
"O êxito da tese das eleições diretas será tão menos improvável
quanto mais firme e abertamente
ela seja sustentada pelos setores
da opinião pública que lhe são favoráveis", afirmava o editorial de
27 de março de 1983.
Importava, pois, ganhar as ruas.
"Na atual situação de graves dificuldades econômicas e demandas
sociais insatisfeitas, tal forma de
escolha [eleições diretas] se apresenta como a mais apta a estabelecer vínculos sólidos e de confiança entre governo e sociedade",
sustentava o jornal.
Se a maioria das pessoas apoiava a idéia das diretas, como revelou pesquisa publicada pela Folha
em 22 de abril, essa vontade ainda
não havia se convertido em mobilização. Nos meses seguintes, salvo articulações de gabinete e um
ato público isolado que o PMDB
promoveu em Goiânia, em 15 de
junho, não ocorreram manifestações relevantes.
A cobertura jornalística do movimento pelas diretas ganhou
maior visibilidade a partir do momento em que o comando suprapartidário da campanha marcou
a data da manifestação no Pacaembu: 27 de novembro. Nas
edições que antecederam o evento e na do próprio domingo,
quando ele foi realizado, o jornal
publicou manchetes e editoriais
que buscavam fixar o tema como
prioridade da agenda nacional.
O comício ficou aquém das expectativas. E a Folha, já no editorial do dia seguinte, identificava
os erros: "O viés amadorista e por
vezes ainda sectário que persiste
no discurso do PT, o que dificulta
o entendimento com outras forças oposicionistas; o caráter hesitante e reticente do apoio oferecido pelo PMDB ao evento, o que
transforma sua adesão em mero
respaldo formal e não em compromisso concreto com o trabalho de base; e o silêncio significativo de boa parte da imprensa, em
especial setores do rádio e TV,
que não se empenharam em dar a
cobertura que a importância do
ato merecia".
O peemedebista Franco Montoro, governador de São Paulo, que
no dia da festa publicou um artigo
na Folha conclamando a população a ir à praça, não compareceu.
Nem ele nem outros governadores de oposição que tinham acabado de lançar um manifesto a favor das diretas. O editorial os alfinetou: "O receio de ser criticado
em praça pública é humano, mas
não se deve justificar a omissão
daqueles que se identificam com a
perspectiva democrática".
O texto concluía com uma nota
otimista: "O ato público do Pacaembu representou, sem dúvida,
uma nova etapa na luta democrática". A realidade, porém, era que,
após o início vacilante, a oposição
se mostrava incapaz de traduzir o
anseio da sociedade em alternativa política concreta.
Letargia vergonhosa
Assistia-se a uma "letargia vergonhosa", disse a Folha em editorial de primeira página em 18 de
dezembro. A cobrança era dura:
"Tamanha incapacidade de criar
fatos políticos que expressem a irreversibilidade das diretas deve
ser apontada como uma verdadeira traição aos respectivos programas partidários e à vontade
transparente da opinião pública".
Em janeiro de 1984, o noticiário
do jornal passou a identificar os
congressistas segundo sua posição em relação à emenda, informando se o político era pró-diretas ou pró-indiretas. Nessa altura,
o jornal já estava em plena campanha pró-diretas. Mas falava sozinho; o restante da mídia não o
acompanhava. Sintonizada com a
maioria do eleitorado na busca
pelo reestabelecimento da democracia plena no país, a Folha aprofundou suas transformações editoriais de meados dos anos 70,
quando apostou no projeto de
abertura política do governo Geisel, aparelhando-se para ocupar o
espaço que se apresentava.
A decisão de entrar na campanha pelas diretas, tomada pela direção do jornal, fora defendida
por Otavio Frias Filho, então secretário do Conselho Editorial.
Ao mesmo tempo, chegou às
mãos de Octavio Frias de Oliveira,
publisher da Folha, uma proposta
por escrito, com teor semelhante,
do repórter Ricardo Kotscho (hoje assessor de imprensa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva).
Com o primeiro grande comício, o da praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro, aniversário da cidade, a campanha não
podia ser mais ignorada pela mídia. Os comícios se multiplicaram
pelas grandes cidades e o jornal
mobilizou recursos para fazer a
cobertura mais extensiva.
No dia 12 de fevereiro, a Folha
publica o editorial "Amarelo,
sim", defendendo o uso da cor
amarela como símbolo da campanha, para "afastar corajosamente
as nuances do espectro político
para abraçar apenas uma delas,
cristalina como a luz do dia, que
dispensa apresentações". Dois
dias depois, os presidentes do PT,
PMDB e PDT lançam a campanha
"Use Amarelo pelas Diretas".
A partir do dia 18 de abril, o jornal passa a ser publicado com
uma faixa amarela com a frase:
"Use amarelo pelas diretas-já".
No dia 22, a Folha publicou o número dos telefones de todos os
congressistas, "a fim de que os leitores tenham a oportunidade de
se comunicar diretamente com os
parlamentares, manifestando a
eles seu desejo de que a emenda
Dante de Oliveira seja aprovada".
Quando o Congresso rejeitou a
emenda, a Folha mais uma vez
captou o sentimento popular. "A
NAÇÃO FRUSTRADA!" foi a
manchete de 26 de abril. No lugar
da faixa amarela ("Use amarelo
pelas diretas-já"), o jornal colocou uma tarja preta ("Use preto
pelo Congresso Nacional"). Na
primeira página, a lista com os
nomes dos responsáveis pela derrota. Ao lado, o editorial os chamava de "fiapos de homens públicos, fósseis da ditadura".
Oscar Pilagallo, jornalista, é autor de "O
Brasil em Sobressalto - 80 Anos de História Contados pela Folha" (Publifolha).
Texto Anterior: "Vocês estão com medo de quê?" Próximo Texto: Recessão e inflação marcaram período Índice
|