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JANIO DE FREITAS
A tranquila justiça
Justo e feliz é o país cujo presidente pode dizer: "Olha só a fisionomia de seu presidente. Você
acha que eu estou preocupado?
Estou tranquilo".
Pode-se mesmo acreditar que
Luiz Inácio Lula da Silva esteja
tranquilo, como sugerem suas
aparições e agora atesta a frase
colhida pelos jornalistas Tereza
Cruvinel e Merval Pereira, do
"Globo", na entrevista coletiva
presidencial. É pelo menos duvidoso, porém, que sua feliz tranquilidade reflita o país ou sobre
ele se reflita.
A felicidade presidencial não
precisa de explicação. E o que deveria ser sua contrapartida ou
sua razão de ser, mas não é isso
nem aquilo, pode ser apreendido,
de tão óbvio, por umas poucas
frases, sintéticas já por si. Tendo a
Folha o privilégio de ser considerada, no governo, muito rigorosa
com os atos e figuras governamentais, voltemos ao "Globo", e
só com uns poucos exemplos do
que nele merece as suas letras
mais gigantescas:
"Renda do trabalhador despenca 16,4% no país" e, no subtítulo,
"Foi a maior queda, na comparação com o ano anterior, já apurada pelo IBGE. Taxa de desemprego fica em 12,8%", em 21/8/03
(renda do trabalhador, não custa
lembrar, é como os economistas e
o engodo tecnocrático que invadiu as redações chamam o que,
em linguagem decente, é salário
-que não é renda).
"Ajuste deixa o social mais pobre", e no subtítulo, "Governo
usou R$ 26,5 bilhões da Seguridade Social para garantir superávit
primário", em 17/8 (isso mesmo,
as verbas dos serviços sociais serviram para o governo apresentar,
em suas contas, o saldo tão louvado pela mídia, grande empresariado e economistas como um
êxito da política econômica).
"Juros comem quase 10% do
PIB", e, no subtítulo, "Encargos
da dívida, de R$ 142 bi, dariam
para cobrir 17 vezes a verba para
o social", em 18/8.
Mas os presidentes só olham para onde querem e, sobretudo, gostam muito de imaginar coisas. Se
as ilusões fossem só para uso próprio, vá lá. São lançadas, no entanto, ao consumo do desprevenido. É o caso, por exemplo, da "garantia" que Luiz Inácio Lula da
Silva vê ou imagina, se é que vê
mesmo ou imagina mesmo, na
sua "reforma" da Previdência.
Assim, em uma das tantas vezes
da mesma afirmação: "Ela faz
justiça [ela é a "reforma" da Previdência, sim senhor]. Primeiro
porque o objetivo é garantir que
daqui a 20, 30 anos as pessoas tenham o direito de receber sua
aposentadoria".
Fez bem o presidente em ficar
no "primeiro porque", sem se
aventurar a outro. O que disse
não é verdade. A "reforma" que o
governo faz nada garante em relação a pagamento de aposentados, que continuará dependendo
da arrecadação governamental
para cobertura do déficit entre as
contribuições recolhidas e o pagamento das aposentadorias. Pelo
mesmo desvio, a "reforma" nada
garante quanto ao "direito" dos
servidores e aposentados. Basta
que o mesmo governo Lula ou algum outra resolva cortar mais
um pedaço de direitos e use, para
fazê-lo, os mesmos métodos de
hoje -a troca de votos por cargos
no governo e a substituição, nas
comissões, de dezenas de deputados por outros da turma dos
paus-mandados.
Direitos, a rigor, são o que menos a "reforma" respeita. Fazer as
contas do que será retirado aos
aposentados, com o desconto de
11% sobre o que passar de R$
1.440 nas aposentadorias, é ser
lançado no espanto. Quem receber o novo teto de R$ 17 mil, caso
dos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal, ao final do ano terá perdido R$ 22.250. O que vem a
ser a perda de um mês inteiro de
provento e mais 10 dias de outro
mês.
Do mesmo modo, todo aposentado que receber qualquer importância acima de R$ 1.440, digamos R$ 2.000, ao final de cada
ano terá recebido menos um mês
inteiro e um terço do que esteja
acima dos R$ 1.440. Para muitos,
isso equivalerá à perda do 13º e de
mais um pedaço de outro mês.
Os pensionistas não são atingidos só por perdas imensas, em relação a eles o governo esmerou:
usou também, para a grande
maioria, de perversidade explícita. Retira-lhes 30% dos proventos.
E o que vem a ser isso? Em 13 pagamentos do ano, vem a ser a retirada de quatro meses de pagamento da pensão. Penso nos velhinhos e velhinhas que recebem
insignificâncias, gastam o que
não podem com remédios que
aqui são os mais caros do mundo,
e vão ter cortado um terço de sua
pensão.
De volta à frase citada de Luiz
Inácio Lula da Silva sobre a sua
"reforma" previdenciária: "Ela
faz justiça".
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