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ECOS DO REGIME
Integrantes da Igreja Católica foram fotografados nus; senador sofreu mesmo constrangimento
Desmoralização foi prática da ditadura contra adversários
RAYMUNDO COSTA
DO PAINEL EM BRASÍLIA
SÉRGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO
A intimidação e tentativa de
desmoralização dos adversários
foi prática recorrente dos porões
da segurança do regime militar.
As imagens supostamente do padre canadense Leopoldo d'Astous, fotografado nu em companhia de uma mulher, revela uma
dessas ações. Houve outras.
Duas delas envolveram integrante da Igreja Católica: o seqüestro de d. Adriano Hipólito,
então bispo de Nova Iguaçu, em
1976, e o do padre Antonio Haddad, no início dos anos 80, em Belo Horizonte. Em 1981, a ação do
braço repressivo do governo atingiu, de uma só vez, um senador da
República, Marcos Freire, e um
deputado, Fernando Lyra.
A exemplo do que ocorreu com
o padre d'Astous, tanto d. Adriano como o padre Haddad foram
despidos e fotografados. Haddad
foi levado até um motel e fotografado na companhia de uma mulher que, mais tarde, revelou-se
ser parente de um empresário ligado ao esquema repressivo em
Minas. O bispo foi espancado e
pintado de vermelho.
Saído da fornada de senadores
eleitos pelo antigo MDB na eleição de 1974, Marcos Freire era forte candidato ao governo de Pernambuco na primeira eleição direta para o Estado no regime militar, marcada para 1982. Um ano
antes, sua mulher e seu amigo
Fernando Lyra foram fotografados, nus, tentando proteger-se
das câmaras, em um motel de
Brasília. À época, o deputado disse ter sido seqüestrado em Brasília e levado com a mulher de Freire, sob a coação de armas para o
motel. O então SNI tratou de divulgar outra versão: o casal estaria
no motel quando os agentes chegaram, arrombaram a porta e os
fotografaram.
Chefe à época da agência central
do Serviço, o general da reserva
Newton Cruz nega responsabilidade, assim como nega qualquer
envolvimento no caso de d'Astous, mas admite que teve informações sobre a operação realizada pelo porão. Coleções de fotos
foram distribuídas pelos arapongas, à medida que a eleição se
aproximava. Freire perdeu.
Marcos Freire era da oposição;
Haddad, ligado à ala progressista
da Igreja Católica, da qual um dos
expoentes era d. Adriano Hipólito, organizador das comunidades
de base na Baixada Fluminense
(Rio) e integrante do grupo Ação
Católica Operária.
No dia 22 de setembro de 1976,
acompanhado de um sobrinho e
da noiva deste, d. Adriano foi interceptado por dois carros, de onde desceram homens armados.
No tumulto, a moça conseguiu fugir. O sobrinho também foi capturado. O bispo teve um capuz colocado na cabeça. Suas mãos foram algemadas; a batina, arrancada à força. Os captores tentaram
forçá-lo a beber cachaça, ele reagiu e foi espancado. Foi deixado
nu, com as mãos amarradas e o
corpo pintado com tinta vermelha em uma rua de Jacarepaguá,
na zona oeste carioca.
Agentes dos órgãos de repressão seguiam à época os principais
bispos ligados ao chamado clero
progressista, entre eles potenciais
candidatos à presidência da
CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil). Um deles teria
sido fotografado em um cinema,
na companhia de uma moça.
As tentativas de chantagem e
desmoralização nem sempre visaram os adversários. Um general,
Reynaldo Melo de Almeida, teve
suas conversas grampeadas. Um
trunfo que a linha dura usou contra as possibilidades do general de
chegar ao Planalto.
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