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SEGURANÇA ALIMENTAR
Ajuda de governo americano ao Fome Zero carrega interesses do país e de companhias de biotecnologia
Múltis usam fome para lobby transgênico
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Existe uma agenda paralela sob
a promessa do governo americano de colaborar com o programa
Fome Zero do presidente eleito,
Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Aos poucos, os EUA e companhias de biotecnologia americanas começam a utilizar o debate
sobre a fome no Brasil para reintroduzir a polêmica sobre o uso
de transgênicos no país.
Cercado de interesses poderosos -corporativos, sindicais e
ambientais-, esse é um dos dilemas mais delicados que a administração petista herda de FHC.
Transgênicos são organismos
que possuem em seu genoma um
ou mais genes provenientes de
outra espécie. Sementes transgênicas, usadas amplamente nos
EUA e na Argentina, visam maior
produtividade e um menor uso de
pesticidas. Mas seus oponentes,
concentrados na Europa e com
forte presença no Brasil, dizem
que elas podem causar danos à
saúde e ao ambiente.
A comercialização de transgênicos no Brasil está suspensa por
uma disputa judicial que já dura
quatro anos e prejudica a expectativa de lucros de gigantes como
Monsanto, Novartis e Aventis.
O Fome Zero defende a manutenção das restrições aos alimentos transgênicos até que sua segurança seja comprovada. Essa posição reflete a orientação consolidada de grupos ligados ou simpáticos ao partido, como os sindicatos de trabalhadores rurais e o
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No entanto a moderação do discurso petista e o destaque da fome
no programa de Lula motivaram
os americanos a reintroduzir o assunto com outro apelo. E a testar
os limites do novo governo.
A Monsanto, personagem da
briga judicial no Brasil, promoveu, discretamente, várias conversas com o coordenador do Fome Zero, José Graziano, e convidou um grupo de técnicos "petistas" da Embrapa para visitar a sede da companhia nos EUA.
"Sim, conversei com eles e indiquei algumas pessoas para serem
procuradas na Embrapa", disse
Graziano, em Washington.
"Biotecnologia e transgênicos
podem ajudar o Brasil a erradicar
a fome", afirmou Harvey Glick,
diretor de produtos globais da gigante Monsanto, que fatura cerca
de US$ 5 bilhões por ano. "Eles
não só garantem maior produtividade como também podem ajudar o país a desenvolver safras resistentes às secas do Nordeste."
Por meio de sua assessoria, o diretor de assuntos corporativos da
Monsanto no Brasil, Rodrigo Almeida, confirmou as conversas,
mas equiparou sua relevância aos
contatos frequentes de Lula com
bancos e outras companhias do
setor privado na campanha.
Graziano disse que a posição do
partido sobre o assunto continuará sendo a mesma, independentemente dos esforços da Monsanto
ou do governo americano para fazê-lo mudar de idéia. Sustenta
que as vantagens dos transgênicos não estão comprovadas e que
alguns desses produtos tendem a
cortar a mão-de-obra rural.
Diálogo
Mas admite que sua posição não
é "dogmática" nem "ideológica",
numa sinalização de que está
aberto ao debate. "O que queremos é dar todo o apoio à pesquisa.
Se eles dizem que os transgênicos
não fazem mal à saúde, ao ambiente e nos ajudam a erradicar a
fome, que nos provem. Estamos
dispostos a ouvir", afirma.
Além disso, Graziano admite
que, no uso de transgênicos para
culturas não-alimentares, como a
de algodão, a rejeição do governo
pode, em tese, ser menor. Desde
98, a Monsanto tenta comercializar, sem sucesso, a soja transgênica no Brasil, um dos maiores produtores agrícolas do mundo.
Ao se encontrar com Lula na
quinta passada, o secretário-assistente para a América Larina do
Departamento de Estado, Otto
Reich, disse que os EUA farão "tudo o que for possível" para colaborar com o Fome Zero. Nos últimos anos, o mesmo Departamento de Estado americano fez pressões enormes para que o governo
FHC liberasse os transgênicos.
Um funcionário do governo
americano ouvido pela Folha disse que, com o Fome Zero, as agendas brasileira e americana na
questão dos transgênicos se aproximam. Ele afirmou que o assunto não foi debatido na visita de
Reich a Lula, mas que será abordado num futuro próximo por
meio dos canais adequados.
Negou, no entanto, que os EUA
vão condicionar quaisquer ajuda
ao Fome Zero à liberação de
transgênicos no Brasil.
Para o Brasil, trata-se de um cálculo complexo. Se liberar o plantio de transgênicas na cultura da
soja, por exemplo, o Brasil perde
o status de país produtor não-transgênico e passa a concorrer
com os produtos argentinos e
norte-americanos, perdendo o
apelo que hoje tem na Europa.
Os americanos dizem que o
Brasil perdeu esse status porque a
soja transgênica contrabandeada
da Argentina já estaria sendo usada em 70% da produção no Sul e
em 15% da do Paraná.
Graziano diz que os números
são exagerados. "Levantamentos
que obtive recentemente mostram que a área livre de transgênicos nos dois Estados é muito
maior. Estamos em posição privilegiada para garantir a Europa como um mercado cativo para nós."
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